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Política

'Centrão é problema maior do que a esquerda', diz coordenador nacional do MBL

Em entrevista ao Estadão, Renan Santos fala sobre os planos do movimento para criar uma rede de cafeterias e um selo musical, diz que MBL renunciou ao eleitorado de Jair Bolsonaro (PL) e que a direita brasileira foi absorvida pelo Centrão

4 dez 2024 - 11h30
(atualizado às 14h42)
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Criado após a convulsão social das Jornadas de Junho de 2013, o Movimento Brasil Livre (MBL) completa dez anos com planos ambiciosos para o futuro. Além de lançar o partido Missão e disputar a Presidência da República em 2026, o movimento quer expandir sua presença entre a geração Z e os millennials a partir de projetos nada convencionais: uma rede de cafeterias, uma editora que publicará de ficção a romance e até um selo musical.

Em entrevista ao Estadão, o Coordenador Nacional do MBL, Renan Santos, revisitou a trajetória do movimento e definiu o rompimento com Jair Bolsonaro (PL) como a decisão mais desafiadora — e mais acertada — do grupo até aqui. Para Renan, o Centrão é um problema maior do que a esquerda, e o rótulo de direita já não é suficiente para marcar o que o MBL defende. Apesar da força do movimento no digital, Renan, que deve presidir o Missão, afirma que o objetivo do partido em 2026 será mostrar aos brasileiros que as discussões nas redes sociais estão superficiais e que há problemas estruturais que travam o crescimento do País.

O MBL completou uma década de existência. Quais foram as principais transformações no movimento desde a sua criação?

Houve um momento de cair na real. Quando começamos nossa atuação, em 2014, fruto um pouco das Jornadas de Junho de 2013, enxergávamos tudo como um despertar do brasileiro para uma visão crítica sobre política, com agendas claras, como a defesa da Lava Jato e o combate à corrupção.

Levamos um susto em 2018, com a eleição do Bolsonaro. Foi quando percebemos que aquilo que estávamos fazendo não era tão especial, porque nós, brasileiros, sempre acabamos incorrendo nos mesmos erros históricos. A partir dali, entramos em um ciclo de amar uma liderança política. Esse foi um grande choque e o nosso pior momento, porque a adaptação àquele momento exigia duas escolhas: aceitar aquilo e virar bolsonaristas — já que Bolsonaro tomou para ele uma espécie de processo revolucionário — ou nos opor ao então presidente, que foi o que fizemos. Com isso, nós praticamente acabamos, porque as pessoas não entendiam a nossa postura. Achavam que tínhamos enlouquecido, sido comprados ou até virado petistas. Explicar que não era nada disso levou anos.

Quais são os objetivos e planos do MBL para a próxima década?

Percebemos que, ao focar na construção do nosso próprio ecossistema, acabamos esquecendo um determinado público. É nítido que o público mais velho, acima de 50 anos, e parte da geração X, nos abandonou. Eles perderam a paciência com o MBL, e nós também optamos por não ficar tão presos a eles. Esse público ficou com Bolsonaro, enquanto passamos a dialogar com as gerações millennial e Z, construindo soluções e uma imaginação política junto a elas.

Nos organizamos em três iniciativas. A político-partidária, chamada Missão; o MBL propriamente dito, que é focado em militância, inovação de discurso, provocações e campanhas; e a Valete, uma iniciativa cultural voltada para a formação de ideias e imaginação. Transformaremos a Valete, atualmente uma revista, em uma produtora de documentários, uma rede de cafeterias voltada para encontros e conversas e também em uma editora de livros, que vai publicar tanto romances quanto não ficção.

Quais dificuldades o movimento precisa trabalhar nos próximos dez anos?

A grande dificuldade foi sobreviver como alternativa ao bolsonarismo sem se tornar uma caricatura, como o (ex-coach Pablo) Marçal, que reproduziu os piores vícios do bolsonarismo. O Marçal é a alternativa que a gente não quer ser. O fato de termos sobrevivido mostra que hoje não temos uma ameaça interna clara ao nosso modelo de ação. Nosso maior desafio é continuar inovando e oferecendo um sonho e uma imaginação próprios para a geração Z e a geração millennial. Em algum momento, vamos precisar intensificar o diálogo com mulheres millennial e Z, e isso pode ser um desafio que não conseguimos alcançar.

Existe também o risco de nos perdermos e virarmos uma caricatura. Ao escolher essas duas gerações e um determinado caminho, renunciamos a outros públicos. Nós renunciamos ao público que está com o Bolsonaro. Simplesmente não queremos esse público. Essa renúncia nos deu liberdade para criar algo novo, mas a liberdade é perigosa. Ela traz escolhas, e com elas, a chance de acertar ou errar.

Qual foi a importância desse rompimento com o Bolsonaro?

O momento mais importante da história do MBL e a decisão mais acertada que tomamos. O fim do Bolsonaro nós estamos assistindo agora. Em 2019, quando fomos cancelados por não participar de uma manifestação com teor golpista, já havíamos apontado que ele estava promovendo atos pela intervenção militar. Tudo o que dissemos naquela época se confirmou ao longo dos anos. Mostramos que temos personalidade e que estamos dispostos a perder para manter nossas convicções.

Como você explicaria, para alguém de fora da política, a principal diferença entre o MBL e o Bolsonaro?

Não vou nem entrar em aspectos ideológicos. Para mim, o Bolsonaro foi um truque. Ele pegou uma revolução em curso no Brasil, uma transformação profunda na maneira como o brasileiro faz política, e reduziu tudo a um culto à própria personalidade, visando lucro político e financeiro para ele e sua família. Nós defendemos causas. Eu prefiro muito mais ser uma constelação de várias lideranças do que ser um bando de puxa saco de uma figura carismática central.

Com tantos partidos políticos já existentes, por que criar mais um?

Se pegarmos os maiores partidos, como PP, União Brasil, PL, MDB, PSD, Republicanos e Podemos, veremos que, na prática, eles funcionam como um só. A política que praticam é idêntica, com ausência total de propostas. Estão em governos diferentes, não importa a cor ideológica. São o mesmo partido, apenas dividido em várias facções. Esse partido único pode ser chamado de "partido patrimonialista" ou "partido do fisiologismo." Quando juntamos todo o Centrão e enxergamos isso como um único partido, o que sobra? PT, o PSOL e o Novo. É muito pouco. Existe um grande partido no Brasil — o Partido do Centrão — que deve ter cerca de 300 deputados. Ele é gigantesco e tem como principal interesse receber emendas e desviar verbas. Se olhar sob esse prisma, claramente faz falta um partido que combata especialmente esses caras, mais do que a esquerda. Nós nos posicionamos como um partido de oposição ao maior partido do Brasil: o Partido do Centrão.

Você fez até um discurso mais duro contra o Centrão do que contra a esquerda…

Porque existe uma ilusão, nas redes sociais, de que a gente tem que brigar com a esquerda o tempo todo. Lógico que a esquerda é o nosso adversário ideológico natural. Mas, vamos tratar o Brasil dentro da concretude? O Centrão é um problema maior do que a esquerda. Não é o PT que está comprando, em milhares de cidades do Brasil, os votos das pessoas, desviando emendas. Ele até faz isso, mas em uma escala menor. É esse misto de PSD, União Brasil, PP, Republicanos. Basta ver as eleições nos interiores do Brasil. É óbvio que é o Centrão o problema.

Como é que pode um prefeito num desses interiores comprar o voto das pessoas, não entregar saneamento básico, a educação continuar uma desgraça, viver com pires na mão pedindo dinheiro para o governo federal, os indicadores estarem todos numa desgraça, e as pessoas continuarem votando neles e eles aumentarem o poder deles? Esses caras são o verdadeiro inimigo. E todos os projetos políticos no Brasil, da esquerda até a direita — da UDN até a fundação do PT — trataram do problema do patrimonialismo, desse coronelismo, dessa política local vazia. E eles perderam. Todos os projetos perderam. O patrimonialismo sempre vence no final. A gente precisa enfrentar ele de uma maneira nova, e é isso que a gente está se propondo.

Qual a sua avaliação, enquanto líder do MBL, sobre as investigações que apontam o ex-presidente Bolsonaro como responsável por uma possível tentativa de golpe de Estado?

Hoje, há uma provável punição a Bolsonaro e à cúpula do antigo governo, baseada em um inquérito que, no mínimo, é exótico e ao arrepio da Constituição. Posto isso, Bolsonaro tentou um golpe? Sim. Foi um golpe arquitetado de forma ridícula, quase tragicômica. Enquanto isso, o sistema organizou um arranjo exótico, empoderando Alexandre de Moraes para defender as instituições. A grande pergunta é: vão sacrificar as instituições para defendê-las? Bolsonaro vai passar, mas o que vem depois? Estamos falando de controle de redes sociais e de normalizar procedimentos jurídicos que não são normais. Com o fim da ameaça Bolsonaro, quem diz defender a democracia vai usar isso para concentrar poder? Não é correto impor uma escolha entre o poder concentrado de Bolsonaro com seu artigo 142 ou perder a liberdade de opinião por conta do STF. Essa é uma falsa dicotomia.

O ex-presidente merece ser preso?

Em uma democracia com um sistema penal sério, o Bolsonaro seria punido seguindo os ritos normais. Aqui as coisas estão seguindo um rito exótico. De qualquer maneira, os crimes de quem tentou um golpe de Estado não podem ficar impunes. Só que também não quero que isso se transforme na criação de um monstro que vai transformar o que a gente chama de tripartição de poder em uma coisa torta e maluca.

O Missão, que vocês afirmam já ter assinaturas suficientes para sair do papel, fará prévias entre Arthur do Val e Cristiano Beraldo para lançar um candidato à Presidência. Com a direita já saturada de candidaturas, qual é a lógica de lançar mais um nome com pouca viabilidade, em vez de trabalhar por um nome único no campo?

Porque o rótulo de direita já não é suficiente para marcar o que a gente defende. Nenhum desses candidatos fala, por exemplo, em industrializar o Nordeste ou em aproveitar o avanço da agricultura na região do Matopiba, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e investir em biocombustíveis, gerar industrialização e enfrentar o Centrão, que compra votos no interior do Nordeste.

Nenhum deles fala em declarar uma guerra ao tráfico, em ocupar territórios dominados por facções ou enfrentar a ocupação ilegítima de áreas brasileiras. Também não tratam da desfavelização, um problema que o Brasil naturalizou como parte da paisagem urbana.

Os candidatos de direita só dizem coisas genéricas: "sou cristão" ou "vou combater os bandidos." Legal, mas como? Como resolver os problemas que envolvem o Centrão? Hoje, a direita brasileira foi absorvida pelo Centrão. Todos os candidatos de direita são, na verdade, do Centrão. E o Centrão é quem compra votos no Brasil, quem trava as reformas, destrói o orçamento e impede o desenvolvimento de pequenas cidades no interior do Nordeste. Alguém tem um plano contra isso? Não. Então, como levar esses candidatos a sério? A gente quer tratar dessas questões e propor algo muito diferente. Por isso, o rótulo não importa tanto.

Para 2026, qual será a estratégia principal de vocês além da candidatura presidencial?

A gente quer mostrar aos brasileiros que a discussão nas redes sociais está um pouco vazia e que existem problemas mais claros e estruturais que impedem o crescimento do país e tornam a vida das pessoas minimamente decente. Isso será parte de uma plataforma de discussões. Estamos falando, inclusive, em uma constituinte. Não dá para reformar o Brasil com a constituição que temos.

Todo mundo no campo da direita está empolgado com o que o Milei está fazendo ou o que o Trump se propõe a fazer. Mas tanto Milei quanto Trump têm ferramentas, como gestores públicos, para alterar os rumos de seus países. No Brasil, não. Aqui, 93% do orçamento é engessado. O presidente da República não consegue fazer quase nada. Hoje, o Ministério Público pode parar qualquer obra e o STF legisla sobre o que quiser, porque nossa Constituição é gigantesca. O Brasil chegou a um ponto de inoperância. Ou mudamos o rumo rapidamente — e isso não será possível com o arranjo institucional atual — ou vamos acabar como um País mais pobre que a África Subsaariana.

Estadão
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