Deputados "à venda" e mais: razões da sobrevivência de Temer
Michel Temer sobreviveu. Na quarta-feira (02/08), a maioria da Câmara rejeitou autorizar o prosseguimento da denúncia por suspeita de corrupção que arriscava afastar o presidente do cargo. A vitória do governo começou a ser construída logo depois do choque inicial da eclosão do escândalo da JBS.
Abaixo, as razões que garantiram a sobrevivência do presidente, apesar da gravidade das acusações.
O uso da máquina para cooptar apoios
Em 2016, às vésperas da votação da abertura do processo de impeachment pela Câmara, a ex-presidente Dilma Rousseff distribuiu emendas parlamentares (verbas que são pedidas pelos deputados para uso em suas bases eleitorais) e ofertou cargos para garantir apoios. Michel Temer ampliou o mesmo procedimento. Desde que o escândalo da JBS veio à tona, em maio, o governo prometeu R$ 4,1 bilhões em emendas. No acumulado do ano até maio - antes do caso JBS -, o governo havia empenhado apenas 102,5 milhões de reais.
O presidente também atendeu a pedidos de bancadas que representam o agronegócio e evangélicos. Para a bancada do "boi", Temer concedeu, um dia antes da votação, uma Medida Provisória que vai garantir descontos nas renegociações de dívidas de fazendeiros. A fatura deve causar prejuízo de R$ 5,4 bilhões aos cofres do governo. Temer também publicou a chamada "MP da grilagem", que deve regularizar milhares de áreas públicas invadidas.
Segundo o cientista político Kai Michael Kenkel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisador associado do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, o resultado mostrou que os deputados estão "à venda".
"O atual processo demonstra que o Temer não possui mais nenhum pudor em manipular o processo e comprar os votos de deputados e que o voto deles está à venda. Abdicou-se de qualquer fachada de que estão sendo levados em conta os interesses do povo brasileiro. O dinheiro desembolsado para comprar deputados na votação sobre a denúncia é exatamente equivalente ao que foi cortado do orçamento do CNPq - maior órgão de fomento de pesquisa científica no país - que a partir de agosto não poderá mais honrar seus compromissos como bolsas para alunos e projetos de pesquisa. Para comprar o voto de deputados nunca faltará dinheiro - já para milhares de alunos continuarem nas faculdades, claro que sim", disse.
A falta de alternativa
Antes mesmo do escândalo da JBS, quando o governo já enfrentava escândalos corriqueiros e estava prestes a enfrentar um julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), surgiram especulações sobre nomes que poderiam substituir Temer. Foram levantados o ex-ministro Nelson Jobim, o ministro Henrique Meirelles e a presidente do Supremo, Carmen Lúcia, que poderiam ser escolhidos em uma eleição indireta. Após o escândalo da JBS, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), apareceram como possíveis candidatos.
Nenhuma dessas alternativas virou um nome de consenso entre a classe política e a elite. Os próprios "candidatos" também não pareceram interessados no cargo. Segundo o cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, Temer foi fortalecido por esse vazio. "Não se sabe quem poderia ser colocado no lugar e o que iria acontecer depois. Ninguém quer assumir a responsabilidade. Não aparecem alternativas no meio político, nas lideranças sociais e na sociedade civil para substituir Temer", afirma.
Apoio do empresariado
Nenhuma grande entidade empresarial manifestou a favor da saída de Temer. Em 2016, diversas entidades apoiaram abertamente o impeachment, na esperança de que um novo governo seria capaz de entregar reformas econômicas. Em junho, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse ao jornal Folha de S.Paulo que "todo o empresariado prefere continuar com o presidente Michel Temer. Hoje a posição é essa: é melhor seguir e fazer a transição no país."
Ao beneficiar a "bancada do boi", Temer também garantiu o apoio do empresariado do campo e de entidades como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que havia apoiado o impeachment. Apesar da alta do preço da gasolina ter provocado insatisfação na Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), que chegou a voltar a exibir seu pato amarelo contra impostos em frente à sua sede, a entidade continuou ao lado de Temer.
A falta de pressão popular
Ao contrário do que ocorreu durante a votação do impeachment, não ocorreram protestos relevantes na quarta-feira. A votação ocorreu sem qualquer pressão popular nas ruas, apesar de 81% da população terem defendido que Temer fosse denunciado. Na Esplanada dos Ministérios só havia um manifestante solitário - no dia que marcou o fim de Dilma Rousseff na Câmara, havia mais de 50 mil.
Segundo o professor de gestão de políticas públicas Pablo Ortellado, da USP, as lideranças de esquerda e direita com poder de mobilização não se empenharam em organizar protestos. Ele diz que as lideranças de ambos os lados "estão altamente comprometidas com o sistema político, que naturalmente não está interessada em manifestações".
"É preciso muito esforço para mobilizar, são os poucos os grupos que conseguem fazer isso. Mas justamente esses atores têm feito pouco ou nenhum esforço. As lideranças que pediram a saída de Dilma deixaram claro que defendem as reformas econômicas de Temer, então não querem que o presidente saia", afirma Ortellado. Para ele, entre grupos e sindicatos ligados ao PT "é possível especular que a manutenção do presidente interessa aos políticos aos quais eles são ligados.
Segundo o professor Kai Michael Kenkel também há uma grande "desanimação" entre a população. "Há um nível de resignação extremamente desanimador, muita gente não vê mais como fazer respeitar sua voz e deslocar esta classe política que está ocupando e desvirtuando as instituições cuja finalidade real seria representar o povo. O que surpreende é a passividade e a resignação do povo; a desanimação é enorme. Não há em quem acreditar", diz.
A fraqueza e o jogo duplo de parte da oposição
Parte da oposição queria boicotar a sessão de quarta-feira, na esperança que ela fosse adiada e de que os votos pudessem ser reunidos mais tarde.
Mas os opositores também estavam divididos e desarticulados. Vários deputados que queriam a saída de Temer compareceram para discursar, tendo suas presenças registradas, dessa forma ajudando a formar o quórum mínimo de 342 deputados - e ajudando Temer a encerrar o assunto no mesmo dia.
A linha de frente contra Temer acabou sendo ocupada pelo PSOL e a Rede, que, apesar de barulhentos, não têm influência suficiente. Já partidos maiores, como o PT, não parecem ter colocado toda a sua influência no processo. A ex-deputada Luciana Genro, do esquerdista PSOL, chegou a dizer que o PT não estava realmente interessado na queda de Temer e que a sigla que comandava o Planalto prefere que o peemedebista "sangre" até 2018 para preparar a volta de Lula ao governo. Alguns deputados da oposição também parecem ter rejeitado a ascensão de Rodrigo Maia à Presidência da República e o fortalecimento do DEM.
Segundo Kai Michael Kenkel, "a oposição aderiu à lógica de conveniência e troca-troca do atual momento político e abriu mão da vantagem moral". "Ela já está articulando coligações para 2018 que não descartam o PMDB. O que interessa é manter a influência: não se desmontaram nem desmontarão os esquemas, serão simplesmente redirecionados", opina.
Também no período de recesso, nenhuma figura da oposição parece ter se destacado como grande estrategista, tal como aconteceu na votação de Dilma, quando Eduardo Cunha assumiu o papel de articulador.