Ciro Nogueira infla prejuízo dos bancos e engana ao dizer que Bolsonaro criou Pix
O meio de pagamento começou a ser estudado no BC (Banco Central) em 2016, na gestão Michel Temer (MDB)
Não é verdade que o Pix foi criado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e que já causou perdas aos bancos de até R$ 40 bilhões em tarifas, como afirmou nesta semana o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), no Twitter. O meio de pagamento começou a ser estudado no BC (Banco Central) em 2016, na gestão Michel Temer (MDB), e a queda de arrecadação com taxas nas cinco maiores instituições do país foi de R$ 2,69 bilhões entre 2020 e 2021. A cifra reúne todas as tarifas cobradas, não só as de transferência bancária.
O Banco Central independente coloca em prática o Pix, que por ano transferiu mais de 30, 40 bilhões de reais de tarifas que os bancos ganhavam a cada transferência bancária e hoje é de graça. Então, presidente [Bolsonaro], se o senhor faz alguém perder 40 bilhões por ano para beneficiar os brasileiros, não surpreende que o prejudicado assine manifesto contra o senhor - Ciro Nogueira, em tweet publicado no dia 26 de julho.
Ao criticar a participação de banqueiros em um manifesto com integrantes da sociedade civil em defesa da democracia, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), enganou ao dizer que o Pix seria obra do governo Bolsonaro e que causou prejuízos de R$ 40 bilhões aos bancos. Além de o projeto ter sido iniciado na gestão anterior, de Michel Temer (MDB), estimativas apontam para uma queda de arrecadação muito menor à citada pelo político.
Um levantamento do Aos Fatos com base nos relatórios de demonstração contábil dos cinco maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander) apontou que a receita com serviços de conta corrente foi reduzida em R$ 2,69 bilhões entre 2020, ano em que o Pix foi lançado, e 2021. Já na comparação entre o primeiro trimestre de 2022 e o mesmo período do ano passado, a perda estimada é de R$ 225 milhões.
Esses números, distantes dos citados por Nogueira, ainda estão superestimados, pois abrangem todas as tarifas cobradas sobre correntistas, não apenas taxas de transferência bancária por meio de DOC e TED.
"Não há como você medir as receitas que os bancos deixaram de arrecadar com TED [Transferência Eletrônica Direta] ou DOC [Documento de Ordem de Crédito] porque os bancos não fazem essa discriminação em seus relatórios", afirmou ao Aos Fatos Luís Miguel Santacreu, analista da agência classificadora de risco Austin Rating.
No início deste ano, o BC (Banco Central) divulgou estimativa de que as instituições financeiras do Brasil teriam deixado de arrecadar em razão do Pix R$ 4,9 bilhões entre novembro de 2021 e janeiro de 2022. O cálculo foi feito com base no custo que os correntistas teriam caso as transações tivessem sido feitas por TED ou DOC.
O cálculo, no entanto, superestima o valor que os bancos teriam deixado de arrecadar com tarifas. Há dois motivos principais:
- algumas transações feitas via Pix têm cobrança de tarifa, como as feitas com QR Code e transferências para pessoas jurídicas;
- o crescimento das transações com Pix é muito maior do que a queda do uso de TED e DOC, o que indica a inclusão de novas pessoas no sistema bancário (veja gráfico).
Enquanto o Pix registrou um aumento de 5.579% entre novembro de 2020, mês em que foi lançado, e junho de 2022, as transações via TED caíram 55,2%, por exemplo. De acordo com o professor da FGV, Raphael Schiozer, os dados mostram que "uma transação feita via Pix não substitui um TED ou DOC".
Nesta quinta-feira (28), a assessoria do BC informou ao Aos Fatos que não atualizou a estimativa desde então e que "não mantém série estatística sobre o impacto do Pix na rentabilidade do setor financeiro".
O Aos Fatos também não encontrou nenhuma outra pesquisa ou levantamento público que apresentasse projeções mais detalhadas sobre perda de receita dos bancos com a criação do Pix. Questionado sobre a origem dos valores, Ciro Nogueira não respondeu até a publicação desta checagem.
Em relatório divulgado no final de 2021, o BC afirmou que a tendência apresentada pelos dados sugere que os brasileiros entraram no sistema bancário com o advento do Pix, especialmente para "pagamentos de varejo de mais baixo valor". Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em novembro de 2021, o diretor da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) Leandro Vilain comentou que esse padrão indica que o Pix substituiu as transações em dinheiro vivo e aumentou a bancarização.
Apesar da queda no número de transações com TED, essa modalidade de transferência concentra o maior volume de dinheiro transferido mesmo após a criação do Pix (veja gráfico abaixo). Em junho de 2022, no último mês registrado, cerca de R$ 3,5 trilhões foram movimentados via TED, enquanto transações com Pix movimentaram R$ 889 bilhões.
Outro ponto levantado por Schiozer que enfraquece o argumento de que o Pix teria "substituído" outras formas de transferência com tarifa é que nem todas as transações via TED e DOC têm cobrança de tarifa. Contas digitais, por exemplo, geralmente possuem isenção dessas tarifas e clientes que movimentam maior volume de recursos já tinham isenção de tarifa mesmo antes do Pix.
Os lucros dos bancos brasileiros também continuaram a crescer após o advento do Pix. Em 2021, as quatro maiores instituições somaram R$ 81,63 bilhões de lucro, o maior valor nominal registrado desde 2006 e o quarto maior em números corrigidos pelo IPCA. O lucro do primeiro trimestre de 2022 também demonstra tendência de alta.
Um dos fatores que pode ajudar a explicar esse desempenho é o aumento da bancarização: segundo o BC, 16,6 milhões de brasileiros passaram a constar na lista de clientes regulares do sistema em 2021, 10,3% mais do que no ano anterior.
Autoria. Também é incorreta a afirmação do ministro de que foi o governo Bolsonaro quem criou o Pix. Apesar de ter sido lançado em novembro de 2020, o sistema começou a ser estudado pelo BC em 2016, durante a gestão de Michel Temer (MDB). Servidores da autarquia já estudavam a criação de um sistema de pagamentos instantâneos desde novembro daquele ano.
O grupo de trabalho para o desenvolvimento de pagamentos instantâneos foi criado em maio de 2018, como consta no DOU (Diário Oficial da União). E, em dezembro daquele ano, o BC divulgou um comunicado de que a diretoria havia aprovado os requisitos fundamentais para a criação do sistema.
O BC também já afirmou, em nota enviada ao UOL, que o Pix foi desenvolvido por vários anos e que, em 2019 e 2020, durante a gestão de Bolsonaro, foram realizados "o desenvolvimento do sistema e a construção da marca".
A alegação enganosa de que Bolsonaro seria o criador do Pix é disseminada, inclusive, pelo próprio presidente e já foi rechaçada por entidades como o Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central) e o Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil).
Repercussão. Um dia após a publicação do tweet de Ciro Nogueira, políticos e influenciadores bolsonaristas passaram a divulgar a informação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja acabar com o Pix se for eleito. O site Terra Brasil Notícias publicou um texto com o título "banqueiros têm esperanças que Lula revogue Pix", que dissemina a relação enganosa feita por Nogueira e já acumula mais de 6,2 mil interações no Facebook e no Twitter.
Uma reprodução com o título do texto também passou a ser compartilhada nas redes sociais e no YouTube. O conteúdo acumula mais de 17,4 mil interações em 286 postagens encontradas no Facebook, e 68 mil curtidas em 16 posts no Instagram.
Bolsonaro, na live semanal de 10 de março, chegou a divulgar corretamente a estimativa do BC, de R$ 4,9 bilhões. No dia 13 de julho, ele passou a citar que as perdas seriam de R$ 30 bilhões e, agora, fala em R$ 40 bilhões por ano, como Nogueira.
Outro lado. O Aos Fatos entrou em contato com a assessoria da Casa Civil no começo da tarde desta quinta-feira (28) para solicitar a fonte da informação citada por Nogueira em seu tweet e retornou o contato na tarde desta sexta (29). O ministro também foi contatado via mensagem, mas não respondeu.
Colaborou Ana Rita Cunha.
Referências:
3. Estadão
4. Tecnoblog
7. BIS
8. DOU
9. UOL
10. Aos Fatos