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Guilherme Mazieiro

Opinião: Traído, Bolsonaro vive o “Inferno” antes de ir à cadeia

Bolsonaro errou acreditando que Moro seria uma ameaça. A traição estava dentro do Planalto, dentro da Abin, no núcleo do clã.

12 jul 2024 - 12h05
(atualizado em 17/7/2024 às 22h42)
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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

Toda a sociedade e Jair Bolsonaro (PL) têm acompanhado as investigações da Polícia Federal (PF) avançando a passos largos e dificultando ainda mais a vida do ex-presidente inelegível. As revelações são chocantes. Descobrimos que o capitão comandava um esquema de venda de joias e recebia o valor das vendas em dinheiro vivo durante viagens a trabalho no exterior.

Ficamos sabendo que ele cuidava de, pessoalmente, articular com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) maneiras de blindar os filhos de investigações sobre corrupção, rachadinha. Fora os demais casos de fraude no cartão de vacina, tentativa de golpe de estado e gabinete do ódio. A Polícia Federal tem um farto material para os historiadores entenderem o que foram aqueles quatro anos.

O governo Bolsonaro, não esqueçamos, resultou em mortes, produziu filas de esfomeados em busca de ossos, desmatou, levou indígenas à condição de crise humanitária, arrebentou as contas públicas, os juros chegaram ao patamar de 13,75%… A República sob Bolsonaro, relata a PF, era chefiada por um criminoso e sabotador. O trabalho dos investigadores indica que durante quatro anos convivemos com um mandatário autoritário, que perseguia adversários, ministros, jornalistas, usava a estrutura pública para proteger sua família e se enriquecer.

É um retrato do inferno: morte, fome, ladroagem, sabotagem, traição.

O que sempre me chama atenção é que o avanço das investigações se dá, em grande medida, a partir de informações colhidas com os auxiliares mais próximos do capitão. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e tratado quase como um filho por Bolsonaro, virou delator. A partir do celular dele - apreendido nas investigações sobre fraude no cartão de vacina - a PF se municiou de provas sobre o milionário esquema das joias. Preso e abandonado, Cid abriu o bico entregando o ex-chefe, o pai e quem mais tivesse se lambuzado no melado. Traiu a todos.

A operação da PF desta quinta, 11, Última Milha, sobre a “Abin paralela” mostrou que o então chefe da agência, Alexandre Ramagem, gravou uma conversa de 1h08 entre ele, o chefe, general Augusto Heleno (GSI), e o presidente da República. A conversa seria uma prova de que Bolsonaro agia e comandava o esquema. 

Ou seja, veio do chefe do órgão que deveria evitar gravações ilegais do presidente o registro clandestino que é usado como prova de crime.

A PF, vou lembrar, era preocupação de Bolsonaro. Em abril de 2020, ele dizia que não ia esperar “foder a minha família toda” e trocaria quem fosse necessário. Esse recado foi dado a Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato que era ministro da Justiça.

Moro pediu a conta e foi embora. No mesmo mês, Bolsonaro peitou a opinião pública e o Supremo Tribunal Federal indicando Ramagem para ser chefe da PF. Não conseguiu.

Quando Moro foi convidado para ser ministro, contou o próprio Jair, ele parecia um “jovem universitário recebendo seu diploma”. Limitado politicamente, de escrita e fala ruins, o ex-juiz deu apoio ao capitão mesmo após ser pisado e chutado para fora do governo. Moro nunca foi e nem teria capacidade para ser uma ameaça real a Bolsonaro. A ameaça estava dentro do Planalto, dentro da Abin, no seio do clã, em Cid e Ramagem.

Ramagem e Bolsonaro negam irregularidades na Abin. Cid também negava crimes nas joias e no caso das vacinas até cair na cadeia. Curioso que o ex-presidente não se afasta de Ramagem nem condena a delação de Cid. Por que será?

A imagem do “inferno” é criada pelo homem há muitos séculos. O escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321) ilustrou na “Divina Comédia” que a casa do tinhoso era dividida em 9 círculos. Quanto mais para baixo, pior o pecado e a pena.

No 9º e último círculo, isolado e gélido, está Lúcifer, que traiu a Deus. Lá, o demônio tem três cabeças e em cada boca mastiga um traidor: Judas Iscariotes, traidor de Jesus, Brutus e Cassius, que mataram o imperador Júlio César.

Bolsonaro costuma dizer que a foto mais antiga que tem retrata ele e seu pai segurando uma traíra de aproximadamente 10 kg. “Desde cedo eu convivo com as traíras. Mas acabam indo para a panela todas elas, sem exceção”, falou em 2022.

Tirado do poder pelo voto, o ex-presidente foi traído pelos comparsas. Não que seja vítima, longe disso. Jair também traiu a Constituição, o povo e a democracia. Não é preciso um poeta dizer qual a pena desse pecado, nós sabemos: a cadeia.

Bom fim de semana!

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui, gratuitamente, e receba os próximos conteúdos.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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