A paz tá mais fácil em Brasília do que no Brasil
Lula segue fechando acordos com partidos, mas país ainda está machucado
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fechou hoje o apoio do PSD a seu governo. O partido terá a segunda maior bancada do Senado e a quinta da Câmara a partir de janeiro. É dos grandões. O presidente do União Brasil (UB), Luciano Bivar, já deu a letra: seu partido, que elegeu Sergio Moro ao Senado, não fará “oposição de jeito nenhum” ao petista. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), está em franca e republicana articulação com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), para facilitar a transição. E o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), que escrevia “tic-tac” no Twitter para dizer que estava na hora da derrota de Lula, vai coordenar, por parte de Jair Bolsonaro (PL), a transição para o próximo mandato. No ano que vem, ele retorna ao Senado e dificilmente fará oposição sistemática ao governo.
Enfim, o cenário catastrófico dos que previam que, se eleito, Lula não teria condições de governar, não vai se concretizar. Os petistas já negociam acordos com a ala renitente do MDB e nem mesmo o Republicanos, que elegeu Tarcísio de Freitas em São Paulo, está garantido na oposição. Por fim, com a maior bancada no Senado e na Câmara, o PL, partido de Jair Bolsonaro, presidido por Valdemar da Costa Neto, se declarou na oposição. Mas o governo ainda nem começou e Valdemar, enfim, é Valdemar.
Nenhum desses movimentos dos partidos do Centrão e das grandes legendas do Congresso é ilegal, ilegítimo ou estava fora do script. A política é assim, uma malha tecida dia a dia e não só no período eleitoral. A eleição na qual todos votamos, aliás, é apenas uma parte da vida dos políticos. Há a eleição para a Presidência do Senado e da Câmara, a composição das mesas e das comissões e outro número ímpar de interesses que estão em jogo o tempo todo. Cargos, verbas, emendas, eleições municipais de 2024.
O que tudo isso indica? Que o mandato de Lula, em 2023, deve começar com certo nível de paz com o Congresso Nacional, a despeito do crescimento da extrema-direita e da radicalização dos palanques eleitorais. Tudo dentro dos ritos democráticos, sem golpes ou grandes sobressaltos.
Trancado no Palácio do Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro sabe disso. Está deixando correr soltos esses protestos em portas de quartéis e em rodovias porque, no fim das contas, é o que sobrou da sua base de apoio para qualquer arroubo de inspiração golpista. Mesmo líderes religiosos já tiraram o pé do acelerador de fake news e rancores contra o PT e Lula. Tudo caminha, no mundo político, para o Brasil da concertação. A não ser, é claro, que o Ministério da Defesa embarque mesmo na ideia de confrontar e contestar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o relatório das urnas eletrônicas a ser lançado amanhã.
Essa paz, no entanto, está longe de alimentar os bolsões mais radicais do bolsonarismo, onde manifestantes insistem em não se conformar com o resultado das eleições. Ali, viceja o pior do fanatismo político e da insanidade de quem fala em “intervenção militar constitucional”, “golpe democrático” e quetais. Tem-se de ver quanta energia esses grupos ainda têm para queimar. Com seu líder maior em silêncio e a realidade batendo à porta com contas para pagar e filhos para educar, talvez esses dias estejam contados. São grupos que abusaram do direito de reclamar, do chamado “jus sperniandi”, o direito de espernear.
São manifestações que já deixaram as páginas dos jornais e figuram pouco nas reportagens de TV. Sobrevivem nas redes sociais, alimentadas por certas figuras públicas que querem usar esses grupos como bucha de canhão ou boi de piranha. E alimentadas também pela conivência de parte de empresários, instituições e forças policiais afeiçoadas a ideias golpistas.
Mas, mesmo que voltem logo para casa, esses manifestantes são apenas um lembrete de que a paz ficou longe dos brasileiros na pós-eleição. Lula herdará um país cindido, radicalizado, partido ao meio, com o ressentimento transbordando. A violência política, a agressividade, a falta de empatia e o desrespeito entraram mesmo no cardápio do Brasil. E vai ser difícil para todos colocar esses monstros de volta nos armários.