As armas quase invisíveis do debate
Sergio Moro de um lado, broche contra prostituição infantil de outro.
O senador eleito Sergio Moro (UB) foi um elemento de pressão usado por Jair Bolsonaro (PL) no debate da noite deste domingo na Band. Depois de uma briga ferrenha com o presidente e com o bolsonarismo, o ex-juiz voltou ao seio do movimento que ajudou a alimentar durante a Lava Jato. A presença do ex-juiz, que falava ao ouvido de Bolsonaro no intervalo, buscava desequilibrar o adversário, Lula da Silva (PT), preso e julgado por Moro.
A estratégia ajudou a deixar Lula contra a parede por quase todos os blocos do debate, à exceção do primeiro, em que o petista confrontou Bolsonaro com números da pandemia. O tema liderou as buscas nas redes sociais nos primeiros momentos do debate. Mas Lula acabou derrotado com o assunto sobre o qual mais treinou: as respostas sobre a corrupção na Petrobras.
Também ficou evidente o desconforto do petista em dois momentos: um deles, no primeiro bloco, quando Bolsonaro o acusou de usar a morte da esposa Marisa Letícia para fazer campanha. O episódio do funeral de Marisa, em que Lula fez um discurso inflamado, foi assunto nas redes sociais e criou-se até a expressão "sommelier de velório", ou seja, de "especialistas" em como uma pessoa enlutada deveria reagir.
Mas o que parece ter mais incomodado Lula foi um momente de aparente descontração, quando Bolsonaro tocou o ombro do ex-presidente. Pode ter parecido amigável, mas não foi. Não há clima amigável entre dois candidatos disputando uma eleição tão radicalizada. Prova disso são as sucessivas trocas de acusações em que "mentiroso" é o adjetivo mais usada e mais ameno.
Por outro lado, silenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lula não poderia falar sobre o assunto que varou a noite e tirou o sono de Bolsonaro. As declarações do presidente a um podcast em que ele diz que "pintou um clima" quando ele passeava de moto e que ele desceu da motocicleta para conversar com três garotas venezuelanas de cerca de 14 anos em uma comunidade pobre de Brasília. Bolsonaro diz no vídeo que foi à casa das meninas e lá encontrou 20 delas se arrumando para se prostituirem. Em uma live, o presidente disse que foi mal interpretado, mas faltou esclarecer o que fez, como agente público, o mais importante do país, ao flagrar uma situação de exploração infantil.
O petista, então, usou um broche no peito com o símbolo da campanha contra exploração sexual de adolescentes e crianças. Era como um aviso de que o assunto pairaria sobre o debate, mesmo que não fosse mencionado. Assim, Bolsonaro se antecipou e leu a sentença assinada por seu arquiinimigo (que não é mais Moro, mas Alexandre de Moraes), em que o magistrado manda Lula retirar o vídeo do ar por considerá-lo fake news.
Era a brecha para Lula tocar no assunto, mas ele já estava enrolado demais com o tempo de TV e com os ataques de Bolsonaro. Acabou dizendo que quem conhecia Bolsonaro sabia o que ele tinha feito. Uma incógnita de difícil percepção para o eleitor.
Dessa forma, o petista se saiu pior na avaliação do debate e ainda deixou Bolsonaro com mais de cinco minutos livres para falar o que quisesse. Sua sorte foi que o presidente, para usar sua própria expressão, "enfiou no ralo" esse tempo de TV para ficar falando do fantasma do comunismo, de Cuba e da Venezuela. Cinco minutos alimentando fantasmas que apenas atormentam seu próprio eleitorado.