Governo Lula subestimou o tamanho da sanha golpista
Depois da invasão, presidente precisa mostrar que não será refém dos extremistas no palácio
Ao anunciar o decreto de intervenção no Distrito Federal, o presidente Luiz Inácio da Silva não escondeu a incredulidade com a bárbara invasão às sedes dos Três Poderes neste domingo. Lula lembrou que nunca, na história do país, um grupo político teve tamanha audácia e falta de espírito cívico a ponto de invadir e depredar os símbolos do Estado de Direito.
Lula agiu rápido, com o decreto e o discurso forte, mas seu governo falhou ao não calcular a extensão da ousadia desse grupo, que, desde o início da semana, em vídeos e mensagens nas redes sociais, havia planejado essa invasão. A escalada da violência nos acampamentos de bolsonaristas de quartel e a virulência da extrema-direita têm sido denunciadas diariamente pelas organizações de defesa da democracia. Assim como a atitude silente das forças policiais. A tentativa de golpe estava ali, só não viu quem não quis.
Agora, o presidente, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal têm de mostrar firmeza para cumprir o que Lula disse em seu pronunciamento: que todos os envolvidos "serão encontrados e punidos". Até as 21h, havia 170 presos, todos presentes à invasão dos Três Poderes. Mas é preciso ir além e apurar a responsabilidade de autoridades e fomentadores desse crime contra a democracia.
Lula não poupou neste domingo o ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem chamou de genocida. E disse que não poupará também quem de seu governo conciliar com esse tipo de atitude. Vale lembrar que seu ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse dias atrás que as manifestações eram pacíficas e que tinha parentes nos acampamentos. Resta perguntar ao ministro que atitude tomará agora, quando militares foram flagrados participando desse ato repudiado no mundo todo.
Enquanto a Advocacia Geral da União (AGU) pedia a prisão do então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, o governador Ibaneis Rocha gravava um vídeo pedindo desculpas ao presidente. Quando a imprensa passou a chamar os bolsonaristas rebelados de terroristas, o governador do DF tentou se descolar do episódio, exonerando Torres, que, como ministro de Bolsonaro, não tomou nenhuma providência para acabar com a serpente golpista que crescia nas barbas dos quartéis pelo país. Por que tomaria agora, como secretário do DF e de férias nos Estados Unidos?
Aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) foi rápido em expressar seu repúdio. E avisou: "os Três Poderes estão mais unidos do que nunca a favor da democracia”. Neste momento é essencial que Lula, Lira, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e os ministros do Supremo Tribunal Federal trabalhem em conjunto.
O que está em jogo é muito mais do que a punição a atos de vandalismo em prédios públicos. Cabe aos Três Poderes decidir se o ovo da serpente chocado durante o governo Bolsonaro causará maior esgarçamento da democracia tecida a duras penas no país.