Janja, a primeira-dama poderosa
Reunião da socióloga com secretário em vez de ministro já rendeu demissão
Ativo na defesa da criança há décadas, o advogado Ariel de Castro Neves chegou ao posto que mais almejava: a Secretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente. Não durou muito. No início deste mês, ele foi demitido pelo ministro de Direitos Humanos, Silvio de Almeida. O motivo: Janja, a primeira-dama, atropelou o ministro e marcou uma reunião direta com o secretário Ariel, subordinado dele. Assim, o governo perdeu um ativo importante, conhecedor dos problemas da infância brasileira, e, ao mesmo tempo, desgastou a imagem de Silvio de Almeida, um querido das redes sociais.
Janja não tem cargo no governo. Se tivesse, seria nepotismo. Mas manda muito. No episódio da Shein, deu informações para as redes sociais antes que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se pronunciasse. E há uma lista imensa sobre desconfortos causados pela socióloga no governo Lula. Desde a campanha, seu voluntarismo já era notado pelos petistas: ela entrava em reuniões, com o notebook aberto, fazendo intervenções. É uma mulher politizada e, certamente, qualificada para atuar no campo político. Não digo o contrário. Mas não faz parte do governo e sua atuação tem causado embaraços.
Na posse de Lula conduzida pelo Itamaraty, a primeira-dama queria vetar os jornalistas. Foi uma saia-justa que embaçou a relação republicana que a imprensa esperava ter com o novo presidente, depois dos anos de franco antagonismo promovido pelo governo Bolsonaro. Janja queria que a posse tivesse mais influencers do que jornalistas.
Escolher dialogar com influencers é uma decisão mais fácil: os que lhe são favoráveis o promovem com boas palavras e os seus opositores geram “buzz” com seu nome, mantendo-o nos top trends. Dialogar com jornalistas é mais difícil: jornalista é bicho curioso e, se for dos bons, é bem crítico. O que esses jornalistas contam dos bastidores do Palácio do Planalto é que a comunicação de Lula é uma área de guerra, em que Janja é uma das comandantes.
Mas há um porém interessante. Tuiteira de mão cheia e com milhões de fãs (e milhões de desafetos), Janja parece ser a maior ligação de Lula com o Brasil de 2023. Ela joga no colo do presidente o que está quicando nas redes sociais, as críticas e os pontos de ação que podem gerar boa imagem. Nos eventos, ganha protagonismo nas fotos oficiais, como a que ilustra esse texto. É Janja também que puxa as orelhas de Lula quando ele não inclui mulheres em eventos e escalões importantes. A primeira-dama tem um papel importante, mas poderia seguir os protocolos para proteger o governo do marido.
Na celebração dos 100 dias de governo, Lula afirmou que “o Brasil voltou”. E parece que o presidente acredita mesmo nisso ao achar que o governo Lula 3 encontraria o Brasil de 2003. Vinte anos se passaram e Lula parece perdido no tempo, esperando jogar o mesmo jogo, com os mesmos players e as mesmas palavras. No Brasil de 2003, dizer que a Lei de Acesso à Informação era uma “criança estuprada” poderia causar impacto. Hoje, causa horror pela escolha infeliz das palavras. Sejamos sinceros: com algumas de suas falas, se fosse artista, o presidente correria o risco de ser cancelado.
Mais grave que isso, Lula tenta negociar com o Congresso sem considerar os novos jogadores e a força dos adversários mais radicais, que nasceram não nos últimos quatro anos, mas nos 20 anos de oposição subterrânea, sob a complacência de muitos democratas. Sem a força necessária para obter maioria, acaba deixando passar uma boiada maior que a do ex-ministro Ricardo Salles. Para quem se emocionou com a subida da rampa de Lula ao lado de um indígena, as decisões sobre meio ambiente e povos originários aprovadas no Congresso desta semana dão um nó no estômago.