O pastel e o papelão da campanha
A fome não é invisível. Eles é que não querem ver
“Você já viu alguém pedindo um pão ali no caixa da padaria? Você não vê, pô.” A frase dita por Bolsonaro ao Pânico, em agosto, não teve contestação dos apresentadores do programa. E, neste final de semana, ganhou uma confirmação da candidata a deputada Rosângela Moro (UB), a quem o marido, Sergio Moro, chama de “minha representante da Lava Jato” na disputa paulista. Ela também não viu, na feira livre, uma senhora remexendo o lixo atrás de comida.
Rosangela estava muito ocupada querendo fazer um vídeo comendo pastel para mostrar que é paulista e é do povo. Nem Rosângela nem a pessoa que filmava viram aquela senhorinha. Não é porque a pobreza seja invisível, muito menos aquela senhorinha. Eles é que não querem ver.
Nem Rosangela nem Bolsonaro querem ver a pobreza que salta aos olhos. Ou só querem ver quando enxergam ali um potencial de votos. Daí, no caso de Bolsonaro, o pobre deixa de ser um estorvo para virar fermento de campanha. Para parte da elite que não se preocupa com eleições, a pobreza é mais um incômodo, aquela pessoa que atrapalha seu jantar com o pedido de um prato de comida. “Comida nada. O dinheiro é para drogas, para bebida”, diz o bacana, enchendo a cara no bar de mesinhas na calçada. “Estou aqui, comendo picanha na chapa, porque eu trabalho. Fiz por merecer”, retruca outro, com a falácia da meritocracia.
Mas, como dizem os BBBs, “o Brasil tá vendo”. Num país onde mais de 33 milhões de pessoas passam fome, 96% dos brasileiros apoiam os programas de transferência de renda e 95% defendem que o Auxílio Brasil seja estendido a todas as pessoas em situação de pobreza. É o que revela uma pesquisa sobre percepção das desigualdades, divulgada na semana passada pela Oxfam Brasil.
O levantamento, que foi feito pelo Datafolha com mais de 2,5 mil entrevistas, mostra que os brasileiros apoiam o sistema de cotas universitárias, a taxação dos mais ricos, o uso dos impostos para diminuir desigualdades, o aumento do salário mínimo como instrumento de combate à pobreza. E, para 85% desses entrevistados, o país só vai crescer quando reduzir esse fosso entre os muito pobres e os muito ricos.
Os pobres não são invisíveis. Certos políticos é que não querem vê-los. Talvez agora, sem que suas bondades sejam compradas pelos mais pobres, já que não sobe nas pesquisas mesmo anunciando auxílio a rodo, o presidente perceba que não precisa apenas ver os pobres. Talvez fosse prudente ouvi-los.