Tiros na imprensa, tiros na democracia
Portal de Rondônia é alvejado por arma de fogo de agressor que agiu na madrugada
Com 18 anos em Porto Velho e entre os veículos de imprensa mais acessados no estado, o portal Rondônia ao Vivo amanheceu, neste sábado, alvejado por tiros que despedaçaram portas e janelas de vidros. O ataque, feito por um homem que foi filmado pelas câmeras de segurança, aconteceu por volta das 4h. O morador dos fundos do imóvel não foi atingido, mas acordou com os tiros. No dia anterior, homens em um carro passaram pelo endereço filmando o local. O dono do Rondônia ao Vivo, que tem 28 funcionários, Paulo Andreoli, sabe de onde vieram os tiros. Ele tem sido frequentemente citado, ofendido e ameaçado por pessoas que atuam nas manifestações antidemocráticas que renegam os resultados das urnas e estão acampadas em frente ao comando militar de Porto Velho.
O caso foi reportado à polícia, que tenta identificar o agressor por meio de câmeras de vigilância do bairro. Entidades de classe, como o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Rondônia e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) cobraram providências, conversaram com as autoridades estaduais. Paulo Andreoli deixou claro, em texto no portal, que os tiros não vão calar o Rondônia ao Vivo. O jornalismo é assim teimoso: ele segue, apesar dos ataques. Mas a situação, nesta madrugada, rompeu qualquer limite de tolerância.
Um levantamento feito pela Abraji com a Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) revela que, desde 30 de outubro até sexta-feira, 11 de novembro, foram registradas ao menos 50 agressões a equipes de reportagem, jornalistas e comunicadores que ousem falar sobre os protestos. Os protestos são antidemocráticos porque negam o resultado das eleições, pedem intervenção militar e se alimentam, subterraneamente, de financiadores indevidos, como apontam denúncias do Ministério Público em vários estados. Não é a imprensa que diz que os protestos são antidemocráticos. É a Justiça: o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral.
Os tiros contra o Rondônia ao Vivo não são apenas naquele portal. Eles são tiros contra a imprensa, o jornalismo e a democracia. Há anos tem sido feito um trabalho para atacar a credibilidade dos jornalistas. Esse trabalho inclui a destruição de reputações, os xingamentos em redes sociais, a humilhação durante as coberturas jornalístcas, as ameaças veladas e declaradas aos profissionais e a agressão física.
É um movimento que escalou terrivelmente durante o governo Bolsonaro. É fato. Há números. Há exemplos. Há inúmeras vítimas. Está acontecendo nas barbas de todas as autoridades: nacionais, federais, locais. Está sendo acompanhado por órgãos internacionais. E ainda assim está crescendo. Esta semana, onze entidades e organizações que defendem as liberdades de imprensa e expressão cobraram mais uma vez o poder público.
Podemos dizer de forma bonita que o jornalismo vai resistir. Sim, ele vai. Mas a violência mata. A violência matou este ano o repórter britânico Dom Phillips. O crime de Dom? Foi o mesmo de Paulo Andreoli e dos outros 50 profissionais atacados em apenas 12 dias: exercer a profissão. Para ofender a colunista, um leitor escreveu hoje que eu deveria deixar esta profissão, a mais antiga do mundo. Sabemos que ele se referia ao jornalismo como se fosse prostituição. Não me ofendeu.
O jornalismo tem muitos erros. Mas, junto com as instituições democráticas, ele carrega no peito não só a Bandeira de um país, mas a sua Constituição.