Com Bolsonaro barrado, ex-presidente e aliados buscam manter força da direita para próximas eleições
Mesmo antes da conclusão do julgamento, Bolsonaro já se queixava da condenação
Com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de tornar inelegível Jair Bolsonaro, o ex-presidente e aliados já discutem estratégias para manter a força política da direita para as próximas eleições, mirando especialmente viabilizar um nome para concorrer à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2026.
Mesmo antes da conclusão do julgamento, Bolsonaro já se queixava da condenação, mas ao mesmo tempo dando o tom de que buscará se manter relevante politicamente e que não quer deixar um vácuo. O ex-presidente afirmou que não é o "fim da direita no Brasil".
"Hoje vivemos aqui uma inelegibilidade. Não gostaria de me tornar inelegível. Na política -- essa frase não é minha -- ninguém mata, ninguém morre", disse Bolsonaro a jornalistas em entrevista em Belo Horizonte nesta sexta-feira, lembrando também do atentado que sofreu nas eleições de 2018 em evento eleitoral.
"Levei uma facada na barriga (em 2018), e hoje levei uma facada nas costas por abuso de poder político", acrescentou.
Bolsonaro foi condenado a 8 anos de inelegibilidade por ter cometido abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao promover, quando presidia o país em julho passado, uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar o sistema eletrônico de votação antes das eleições.
O presidente do PL, partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, disse no Twitter que a "injustiça de hoje será capaz de revelar o eleitor mais forte da nação".
"E o resultado disso será registrado nas eleições de 2024 e 2026. Mais do que nunca, o Brasil precisa de força. É hora de superação. Bolsonaro é o maior líder popular desde a redemocratização e vai continuar sendo", defendeu.
FIADOR DA DIREITA
Diante de um cenário que já era dado como certo nos bastidores antes do julgamento, lideranças do PL e do PP consideram que Bolsonaro terá papel fundamental na influência e na ampliação do tamanho da direita após ter conquistado 58 milhões de votos no segundo turno da corrida ao Palácio do Planalto no ano passado, quando perdeu por 2,1 milhões de votos para Lula.
A intenção de lideranças partidárias é usar a força eleitoral de Bolsonaro e isolar a rejeição decorrente da atuação extremada dele e de aliados.
O presidente do PL espera dobrar o número de prefeitos do partido e chegar a mais de 1 mil prefeituras nas eleições municipais de 2024, embalado pela força eleitoral de Bolsonaro, que é presidente de honra do partido, segundo uma fonte próxima ao cacique partidário. Com ajuda de Bolsonaro, o partido mira em conquistar 200 dos 645 municípios paulistas, acrescentou essa fonte.
Para 2026, de acordo com os envolvidos nas conversas, o ex-presidente também teria papel central no herdeiro do espólio eleitoral dele. Antes do fim do julgamento, Bolsonaro fez um aceno a sua esposa, Michelle, para concorrer a presidente daqui a três anos.
"Lógico que apoio uma candidatura de Michelle. Se eu estiver fora do jogo político, serei um bom cabo eleitoral", disse ele, em entrevista na quinta-feira logo após desembarcar no Rio de Janeiro.
Michelle teve importante desempenho durante a gestão passada e especialmente nas eleições, quando ajudou a reduzir a aversão dos eleitorado feminino na campanha. "Estou às suas ordens, meu capitão", escreveu, em tom enigmático, a ex-primeira dama no Instagram nesta sexta-feira após o resultado do julgamento do TSE, com uma foto de Bolsonaro.
Nos bastidores, lideranças do PL e do PP, entretanto, defendem o nome do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos), que foi ministro dos Transportes de Bolsonaro, como o principal para disputar o Planalto em 2026. Acreditam que ele larga na frente por governar o maior Estado do país e que conseguiria agregar apoios do centro, da direita e até mesmo dos bolsonaristas mais radicais.
Tarcísio, entretanto, não fez até agora nenhum movimento para se nacionalizar e pessoas próximas já disseram à Reuters que seu plano é fazer um bom governo e concorrer à reeleição ao Palácio dos Bandeirantes em 2026. Poderia mudar de opinião para buscar o Planalto, contudo, se houver um chamado de Bolsonaro, seu padrinho político.
Para o analista e consultor político Antônio Augusto de Queiroz, Bolsonaro -- mesmo inelegível -- ainda será um cabo eleitoral forte e com potencial de transferir votos. Ele disse que o ex-presidente, se permanecer no PL, deverá ajudar no crescimento do partido nas eleições municipais do ano que vem, base para que a legenda consiga uma grande bancada de deputados federais em 2026, com expurgo dos radicais da legenda.
Queiroz aposta que, em razão da condenação do TSE e de outras investigações criminais a que o ex-presidente responde e que devem avançar, sua força política nas eleições vai diminuir com o tempo. Destacou ainda que, para disputa a governadores e presidência em 2026, o apoio de Bolsonaro seria complementar.
"O candidato tem que ter um voo solo e contar com a 'gordura' do apoio do Bolsonaro", destacou o analista, citando que Tarcísio, quando se elegeu governador paulista ano passado, venceu mais pelo antipetismo da capital do que pela influência de Bolsonaro, apesar da dobradinha de ambos.
DÚVIDA
Ainda há uma chance, tida como remotíssima nos meios políticos, de o ex-presidente reverter a decisão do TSE. Aliado dele, o deputado federal Sanderson (PL-RS) apresentou na tarde de sexta, logo após o resultado do julgamento, um projeto para anistiar quem tenha sido condenado por crimes eleitorais que ficaram inelegíveis desde outubro de 2016, o que beneficiaria diretamente o ex-presidente.
Mas a proposta dificilmente vai avançar, conforme duas importantes fontes da Câmara, segundo as quais a iniciativa tem por objetivo marcar posição e manter os bolsonaristas mais radicais mobilizados em defesa de Bolsonaro.
"Digamos que eu ainda acredito em milagres!", disse o deputado Marco Feliciano (PL-SP), influente liderança evangélica, para quem a proposta é "justíssima".
Outra dúvida diz respeito a uma eventual participação de Bolsonaro no pleito de 2030. Uma fonte do TSE e um especialista ouvidos pela Reuters avaliaram que, por quatro dias, talvez Bolsonaro poderia concorrer ao pleito presidencial daquele ano.
A legislação do tema prevê que a punição por inelegibilidade vale para as eleições a se realizarem oito anos após o pleito em que ocorreu o suposto ato ilícito. No caso, as eleições do ano passado ocorreram no dia 2 de outubro.
"Em razão disso, os oito anos de sanção terminam em 2 de outubro de 2030. Como as eleições de 2030 ocorrerão em 06 de outubro (primeiro domingo do mês), o prazo da sanção eventualmente imposta ao Bolsonaro já terá findado, de modo que essa causa de inelegibilidade não incidirá", disse o advogado José Paes Neto, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
A solução para essa questão, entretanto, depende de variáveis e um recurso para tentar torná-lo apto a concorrer pode ser apresentado apenas às vésperas da eleição.