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Política

Como os casos Dias Toffoli e Danilo Gentili reacenderam debate sobre liberdade de expressão

O presidente do STF e o comediante do SBT estiveram no centro de polêmicas que despertaram discussões acaloradas sobre mesmo assunto

17 abr 2019 - 15h07
(atualizado às 15h33)
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Nesta semana, duas figuras bem diferentes e de campos de atuação completamente distintos - o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli, e um apresentador do SBT, o comediante Danilo Gentili - estiveram no centro de casos que despertaram discussões acaloradas sobre mesmo assunto: a questão da liberdade de imprensa e de expressão no Brasil, e seus limites.

Toffoli havia aberto um inquérito sobre ataques feitos online ao STF. A investigação, ordenada de ofício pelo ministro, resultou nesta semana em mandados de busca e apreensão nas casas de usuários do Twitter e na determinação para que dois veículos de imprensa retirassem do ar textos que associam Toffoli à Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato.

Humorista e ministro do STF protagonizaram episódios que reabriram debate sobre liberdade de expressão e de imprensa
Humorista e ministro do STF protagonizaram episódios que reabriram debate sobre liberdade de expressão e de imprensa
Foto: Reprodução//Rosinei Coutinho/SCO/STF / BBC News Brasil

Conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, o inquérito gerou uma grande reação no meio jurídico, de entidades de defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. A PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu seu arquivamento, mas Moraes rejeitou o pedido.

A questão da liberdade de expressão já vinha sendo alvo de debate público, embora em escala bem menor e com implicações diferentes, por causa da condenação de Danilo Gentili à prisão de seis meses por injúria por um tribunal de primeira instância.

"É claro que são casos com escalas e em patamares diferentes. Um tem uma série de decisões da Suprema Corte e o outro é um tribunal de primeira instância. Mas eles têm relação nessa questão de fundo envolvendo o direito à liberdade de manifestação", explica Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).

Mas, afinal, o que diz a Constituição sobre o assunto e o que cada um desses casos mostra sobre como a questão da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão tem sido tratada atualmente no Brasil?

Para juristas, a liberdade de imprensa é plenamente garantida pela Carta. E embora ela não chegue a estar ameaçada no Brasil, a atuação do STF no caso Toffoli tem sido preocupante, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

"O sistema jurídico tem sido muito sólido em proteger a liberdade, mas é sujeito à falhas. São exceções lamentáveis e, às vezes, vexaminosas", diz Walter Ceneviva, presidente Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP. Entidades de defesa do jornalismo e da liberdade de imprensa responderam mais duramente.

A condenação de Gentili teve apoio e críticas tanto da esquerda quanto da direita. Especialistas em direito ressaltam que liberdade de expressão tem limites, mas que a esfera civil é um caminho muitas vezes melhor para resolver abusos - tratar ofensas contra a honra como crime deve ser algo excepcional.

O caso Toffoli e a liberdade de imprensa

Responsável por conduzir o inquérito aberto por Toffoli, Alexandre de Moraes determinou na segunda-feira (15) a retirada do ar de reportagem da revista Crusoé republicada pelo site O Antagonista.

O texto é sobre uma troca de mensagens entre executivos da Odebrecht. Na conversa, um deles pergunta se Emílio Odebrecht falaria com um "amigo do amigo" como parte de uma "negociação". Segundo a delação de Marcelo Odebrecht, o tal "amigo do amigo" seria atual presidente do STF, que na época era advogado-geral da União.

A decisão de Moraes de mandar os veículos retirarem a matéria do ar foi tomada após a PGR dizer que nunca recebeu o documento com a acusação - como dizia a reportagem. O ministro afirmou, por causa disso, que o texto seria fake news. Segundo o entendimento de Moraes, há "claro abuso no conteúdo da matéria veiculada".

No entanto, a Folha de S. Paulo e a TV Globo tiveram acesso ao documento e confirmaram não se tratar de uma notícia falsa. Embora a PGR não tenha recebido o documento, ele foi incluído nos autos da Lava Jato em 9 de abril e retirado depois da publicação da notícia, segundo a Globo. Não se sabe o motivo, já que o processo é sigiloso.

Como parte do mesmo inquérito, Moraes também determinou busca e apreensão em casas de pessoas que haviam atacado o STF em redes sociais, com a possibilidade da Polícia Federal identificar na hora e realizar o mesmo procedimento em outras residências.

Presidente do STF (foto) foi citado por Marcelo Odebrecht em delação na Lava Jato
Presidente do STF (foto) foi citado por Marcelo Odebrecht em delação na Lava Jato
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil / BBC News Brasil

Reação da PGR

As decisões geraram um protesto da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que pediu o arquivamento do inquérito dizendo que ele tinha "vícios insanáveis sob a ótica constitucional".

Segundo ela, o processo seria uma afronta a uma série de preceitos processuais e constitucionais, incluindo a separação de poderes. "Esta decisão transformou a investigação em um ato com concentração de funções penais no juiz", diz a PGR. "O sistema penal brasileiro não permite que um órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse."

No sistema brasileiro, o Ministério Público é titular das ações penais. Segundo Dodge, a decisão de Moraes impediria o acesso do MP à investigação e desrespeitaria "funções do Ministério Público no processo criminal".

Além disso, Dodge defende que só o MP pode decidir sobre o arquivamento ou continuação do processo.

Nesta quarta, quando rejeitou o pedido de arquivamento feito por Dodge, Alexandre de Moraes, rebateu a avaliação da PGR. Ele disse que as leis brasileiras permitem "hibridismo do sistema persecutório" - a possibilidade de a Polícia Judiciária usar todos os meios de obtenção e provas necessários para a comprovação de crimes. Também afirmou que a exclusividade do MP não se aplica na fase de investigação.

A ordem para retirada das publicações do ar - com pena de multa diária se descumprida - também foi recebida com revolta em órgãos de defesa da liberdade de imprensa.

"O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender", afirmou a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). "Também causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal."

Segundo a entidade, é grave "acusar quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos de difundir 'fake news'" e mais grave ainda seria "se utilizar deste conceito vago, que algumas autoridades usam para desqualificar tudo o que as desagrada, para determinar supressão de conteúdo jornalístico da internet."

A entidade Transparência Internacional também condenou a decisão.

Documento em que Marcelo Odebrecht cita Dias Toffoli foi retirado dos autos da Lava Jato apó publicação de reportagem
Documento em que Marcelo Odebrecht cita Dias Toffoli foi retirado dos autos da Lava Jato apó publicação de reportagem
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

"A Constituição assegura a liberdade de imprensa, que o Brasil conquistou por via democrática, e agredi-la é agredir a democracia em si", afirma Walter Ceneviva.

Segundo ele, o STF não pode ser acusador, investigador e julgador do mesmo processo - e Moraes não poderia ter tomado a decisão de retirar as reportagens do ar de forma liminar.

"Um cidadão comum quando se acha ofendido recorre a um processo com todos seus procedimentos, inclusive dando à parte contrária a oportunidade de se defender. Toffoli deveria se submeter ao mesmo procedimento que todos os outros brasileiros", afirma.

Para Dias, da FGV-SP, há uma série de equívocos na ação da Corte, principalmente a determinação genérica de que a polícia possa identificar locais para fazer buscas a partir da apuração no local.

"A autorização judicial para busca e apreensão tem de ser individual. Se não há individualização, há um esvaziamento da garantia de inviolabilidade do domicílio", afirma o constitucionalista. "[Mandado coletivo] não é uma característica do Estado Democrático de Direito."

Pesando dois direitos

A Constituição garante tanto a liberdade de imprensa e de expressão quanto a inviolabilidade da imagem da pessoa e seu direito da pessoa à dignidade, à honra e à vida privada.

Quando esses dois direitos se chocam, como nos episódios recentes, é uma questão de decidir caso a caso qual deve prevalecer sobre o outro. "A Constituição não estabelece como fazer essa ponderação, não diz qual direito prevalece sobre outro, mas o próprio STF já tomou decisões emblemáticas decidindo que a liberdade de imprensa tende a ser preponderante", diz Dias.

É esse o entendimento manifestado pelo ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, nesta quarta-feira. "A Constituição não diz que a imprensa é livre, diz que a liberdade de imprensa é plena. Ou seja, ou a liberdade de imprensa é plena, completa, cheia, ou é um arremedo de liberdade de imprensa", afirmou à Globo News. O ex-ministro também criticou a conduta do STF: "Quem investiga não julga, quem julga não investiga".

Para Dias, a atual movimentação do STF vai na contramão de toda a jurisprudência anterior do tribunal, que inclusive, em muitos casos, reverteu decisões mais cerceadoras de tribunais inferiores. "Por isso me parece tão grave (a decisão de Moraes). O STF sempre foi o guardião do princípio constitucional da liberdade de imprensa".

Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito, foi o escolhido de Temer para vaga no STF
Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito, foi o escolhido de Temer para vaga no STF
Foto: AFP / BBC News Brasil

Para Alexandre de Moraes, a proibição da Constituição à censura não impede que sejam feitas reparações depois de o conteúdo ter sido publicado.

"A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais", diz o ministro em sua decisão sobre a retirada das reportagens do ar.

Segundo Dias, se houve erro na reportagem (a informação de que a PGR havia recebido o documento), a forma de corrigir é com esclarecimentos, e não suprimindo informações.

Para Ceneviva, da OAB, a preponderância da liberdade de imprensa vale principalmente no que compete a autoridades públicas. "A condução dos destinos de um país se dá através da discussão sobre o que vamos fazer, sobre quem está conduzindo o país. Isso é fundamental para garantir a democracia."

O caso Gentili e a liberdade de expressão

Uma discussão parecida - embora não exatamente a mesma - vinha tomando forma nas redes sociais há mais de uma semana, desde a condenação de Danilo Gentili a seis meses de prisão por injúria contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Como a pena é curta, ela pode ser cumprida em regime aberto ou convertida em penas alternativas à detenção - ele já responde ao processo em liberdade.

Como explica Ceneviva, no caso, não cabe discutir liberdade de imprensa - já que o apresentador do SBT é comediante, não jornalista - mas a liberdade de expressão e a questão do humor.

Gentili foi condenado por causa de um vídeo que publicou em 2017 rasgando um documento enviado pela Câmara dos Deputados, esfregando os pedaços em suas partes íntimas e dizendo que ia enviá-lo de volta à Câmara para Maria do Rosário.

A defesa de Gentili diz que o vídeo foi feito como piada e não com a intenção de ofender
A defesa de Gentili diz que o vídeo foi feito como piada e não com a intenção de ofender
Foto: Reprodução/Facebook / BBC News Brasil

O documento era um tentativa de conciliação extrajudicial em que a deputada pedia que o humorista apagasse publicações contra ela no Twitter - Maria do Rosário disse à Justiça que os posts alavancaram um grande número de ameaças nas redes sociais.

Juridicamente, é um caso bem distinto do que envolve Toffoli e o STF. "O caso de Gentili é uma decisão de primeira instância que vai seguir seu rito normal, em que ele vai ter a oportunidade de se defender", explica Ceneviva, da OAB. Já decisão de Alexandre de Moraes, diz ele, é grave pela rompimento do devido processo legal, sem a oportunidade de o outro lado se defender e com acúmulo de funções pelo juiz.

No entanto o caso gerou uma discussão sobre a mesma questão fundamental - do equilíbrio entre dois direitos garantidos pela Constituição, a liberdade de expressão, seus limites, e o direito à honra e à dignidade.

Se seguiu uma série de manifestações contra e a favor na internet, incluindo críticas à decisão vindas de pólos opostos do espectro político.

Alguns comediantes, como Rafinha Bastos, e nomes da direita, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, manifestaram apoio a Gentili.

Outros humoristas, como o apresentador da HBO Gregório Duvivier, e nomes da esquerda criticaram a pena de prisão como resposta ao caso, embora não apoiem a atitude do condenado.

Maria do Rosário declarou que a sentença "deve ser lida como uma convocação à sociedade para retomar o respeito, o bom senso no debate público, nas redes sociais e na vida".

A entidade internacional de direitos humanos Human Rights Watch criticou a condenação.

A lei e a piada

O Código Penal brasileiro estabelece possibilidade de pena de seis meses a um ano de prisão para injúria, mas a Justiça deve avaliar se há provas de que houve real intenção de ofender, explica o criminalista Fábio Tofic Simantob, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

"Não se criminaliza o animus jocandi, ou seja, a intenção de fazer graça, a narração de um fato ou o animus criticandi, de fazer crítica política - agentes públicos estão sujeitos a críticas", diz Tofic.

A juíza que proferiu a sentença do humorista escreveu que sua postura deixou "absolutamente clara a real intenção de injuriar" e que o vídeo, feito em casa, teve "caráter de resposta em retaliação contra a manifestação da vítima" e que ele não deveria ser confundido com uma "peça humorística espontaneamente criada independente do intuito de injuriar".

Boa parte da discussão girou em torno do direito penal, com críticos dizendo tratar a questão na Justiça criminal é algo excessivo para uma ofensa contra a honra.

Não foi esse o tom da defesa de Gentili, que se concentrou no que diz ser a intenção de "humor e crítica política" do vídeo feito por ele. "Não havia nenhuma intenção de ofender, era uma esquete, um vídeo de humor", diz o advogado Rogério Cury, que defende o apresentador no caso.

Gentili já processou pelo menos quatro pessoas por ofensas contra a honra, inclusive criminalmente. Ele chegou a processar por calúnia e difamação uma jornalista da Abril que fez um texto crítico a ele. Ele perdeu em duas instâncias, mas se a Justiça tivesse considerado o caso procedente, a sentença da repórter também poderia ser de prisão.

No entanto, após ser condenado, o apresentador disse que "falar não pode ser crime. Nunca", no Twitter.

Para Tofic, casos de injúria normalmente "beiram o ilícito civil". "É uma questão que normalmente comportam uma solução em outra esfera."

O advogado não comenta o caso específico, mas diz que não tem sentido que um crime dessa natureza seja punido com pena de prisão.

"Não me parece que um crime contra a honra possa ensejar qualquer tipo de de restrição de liberdade", afirma. "Em muitos casos, essa determinação é simbólica. O próprio código estabelece que crimes sem violência e que não ultrapassem a pena de quatro anos podem ter a pena comutada."

Por outro lado, diz ele, "só quem foi ferido na própria honra sabe da gravidade que isso representa" e que as ofensas, principalmente em outros crimes contra a honra, como calúnia (falsa imputação de um crime) ou difamação (imputação ofensiva de fatos que atentam contra a reputação de alguém), podem ter implicações gravíssimas. Especialmente quando o autor tem grande influência ou poder econômico.

"Se um bilionário decidir prejudicar alguém e começar uma campanha de difamação, será que a esfera civil seria suficiente para resolver esse problema?", questiona o criminalista.

Os limites da liberdade de expressão

Embora a esfera criminal não puna o que tem a intenção de ser piada, mesmo humor tem limites - que podem facilmente ser discutidos na esfera civil.

Gentili também foi condenado na esfera civil em outro caso. A Justiça decidiu na semana passada que ele deve indenizar o deputado Marcelo Freixo em R$ 20 mil por "ofensa, injúria, difamação e danos morais" por causa de postagens publicadas no Twitter. Ele já havia sido condenado em primeira instância, mas recorreu. Em segunda instância, teve a indenização aumentada de R$ 10 mil para R$ 20 mil.

Walter Ceneviva explica que a liberdade de expressão é um direito que, como outros, também tem limites - que devem ser analisados caso a caso e variam ao longo do tempo. "O jeito de distinguir é ligado à linguagem e aos costumes de cada momento", afirma.

Segundo Dias, embora o STF não tenha detalhado na jurisprudência critérios claros determinar os limites da liberdade de expressão, há preceitos que podem ser extraídos da Constituição.

"Quando ela determina que racismo é um crime inafiançável e imprescritível, está dizendo que ele é inaceitável e qual a importância que dá para a questão", afirma o constitucionalista.

"Também [a Constituição determina como prevalente] a vida das pessoas e sua proteção física." Ou seja, a proteção à liberdade de expressão não é justificativa para extremos e manifestações que possam incitar violência física contra alguém.

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