Como racha no centrão afeta governo Bolsonaro e sucessão no Congresso?
DEM e MDB mandaram recado para Arthur Lira (PP). Alagoano é o principal cotado para candidato do governo ao comando da Câmara em 2021.
Nos próximos dias, o Democratas e o MDB vão formalizar a saída de suas bancadas na Câmara dos Deputados do chamado "blocão". É o sinal negativo mais forte para o governo de Jair Bolsonaro no Congresso desde que o Planalto começou a tentar construir uma base de apoio no Legislativo, em abril.
O "blocão" é o maior grupo de partidos da Câmara, hoje com 221 deputados. É liderado por Arthur Lira (PP-AL), que nos últimos meses se tornou um dos principais aliados de Jair Bolsonaro na Casa. Sem o DEM e o MDB, o grupo comandado por Lira passa a ter 158 cadeiras. Atualmente, integram o "blocão" o PP e também PL, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros e Avante.
Agora, outros partidos, como o Solidariedade e o PTB, também cogitam deixar o grupo.
É importante não confundir o "blocão" da Câmara com o "Centrão". O primeiro é um grupo formal de partidos criado no começo deste ano. Possui atribuições regimentais na Câmara, como orientar votações e indicar participantes de comissões. Já o "Centrão" não existe formalmente: o nome é usado para designar de forma pejorativa partidos conservadores, sem orientação ideológica clara, que costumam buscar proximidade com o governo em troca de cargos e outras benesses.
Nesse caso, a confusão acontece porque grande parte dos partidos do "Centrão" também está no "blocão" comandado por Arthur Lira. Grupos de partidos como o "blocão" são formados no começo de cada ano na Câmara e no Senado.
O racha iniciado com a saída do MDB e do DEM do "blocão" é ruim para a articulação política do governo em pelo menos dois aspectos.
Primeiro, porque pode significar mais dificuldades durante votações importantes que estão previstas para o segundo semestre deste ano.
Depois, a saída dos partidos é uma sinalização ruim para o Planalto na disputa pelo comando da Câmara, que acontecerá em fevereiro de 2021. Arthur Lira, o líder do "blocão", é hoje o principal cotado para ser o candidato governista na disputa do começo do ano que vem.
Votação do Fundeb foi a gota d'água
MDB e DEM já estavam irritados com Arthur Lira desde maio, mas a decisão de romper formalmente com o "blocão" comandado por ele foi tomada na semana passada, depois da votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) do novo Fundeb, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica.
Seguindo uma orientação do Planalto, Lira apresentou um requerimento para tentar adiar a votação do Fundeb. Como de praxe, o documento tinha as assinaturas dos líderes de todos os partidos do "blocão", inclusive DEM e MDB — embora as duas legendas fossem favoráveis ao texto.
Inicialmente, o governo era contra o novo Fundeb porque o texto amplia a fatia a ser custeada pela União na educação básica: de 10% para 23%. Pouco antes da votação, porém, o Planalto mudou de ideia e orientou seus aliados a votar a favor.
"Durante a votação do Fundeb, tivemos o episódio da retirada de pauta, e nós éramos contrários (a adiar a votação). Tínhamos inclusive a relatora (da PEC), a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), e isso gerou um ruído interno na bancada. Então, achamos melhor seguir o nosso caminho. Vida que segue", disse à BBC News Brasil o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).
"Na verdade, a gente já vinha trabalhando essa opção (sair do 'blocão'), para ter mais autonomia, mais liberdade na hora de orientar as votações. Era algo que, na prática, já vinha acontecendo (votar de forma independente dos demais partidos)", diz Efraim.
Sucessão
O líder do DEM também nega que a sucessão no comando da Câmara, em fevereiro de 2021, seja a motivação para a saída do "blocão".
"Não foi a causa desse movimento, a sucessão. Acabou tendo essa repercussão toda, mas a nossa saída foi mais para efeito de posicionamento no plenário (durante as votações). A sucessão, nós só vamos tratar depois da eleição municipal, em dezembro", disse Efraim.
Segundo o líder do DEM, a saída também não significa que o partido vá cortar o diálogo com o governo — ou votar necessariamente contra o Palácio do Planalto.
"O DEM mantém a mesma postura, de votar as matérias nas quais tem identidade. Vamos manter o diálogo que temos com a Casa Civil, com a Secretaria de Governo. O nosso posicionamento vai continuar sendo esse, de apoiar a agenda com a qual a gente tem identidade. A agenda econômica é exemplo disso. Agora, em outras pautas que a gente não tem a mesma identidade, como na questão ambiental, vamos nos resguardar", diz ele.
No segundo semestre, a Câmara dos Deputados deve analisar vetos sensíveis feitos por Jair Bolsonaro — como o da extensão da desoneração da folha de pagamentos. A Casa também pode votar um projeto de lei sobre regularização fundiária e outro sobre o registro de armas de fogo, dois assuntos que interessam ao governo.
'Centrão raiz' e 'centrão Nutella'
Segundo apurou a BBC News Brasil, o descontentamento dos dois partidos com Arthur Lira — e vice-versa — começou em meados de maio, quando a Câmara estava discutindo a Medida Provisória nº 910, sobre regularização fundiária.
Na ocasião, o líder do MDB, o deputado Baleia Rossi (SP), sugeriu adiar a votação do texto e substituir a MP, enviada pelo Executivo, por um projeto de lei.
A proposta irritou Arthur Lira, que discutiu com Rossi num grupo de WhatsApp que reunia os líderes dos partidos do bloco. Depois do bate-boca, Lira deixou o grupo de mensagens e criou outro, só com os dirigentes partidários mais próximos de si. A ideia seria reunir as siglas do 'centrão raiz'.
Desde aquele momento, MDB, DEM e PSDB vêm coordenando entre si as posições para cada votação, de modo informal.
Nesta segunda-feira (27), Arthur Lira usou sua conta no Twitter para minimizar o episódio da saída do MDB e do DEM. O "blocão" é transitório, criado apenas para que os partidos pudessem ganhar espaço na formação da Comissão Mista de Orçamento (CMO), argumentou Lira.
O bloco de partidos que é chamado de centrão tem como objetivo manter o diálogo e a votação das pautas importantes para o país. O chamado bloco do centrão foi criado para formar a comissão de orçamento. Não existe o bloco do Arthur Lira.
— Arthur Lira (@ArthurLira_) July 27, 2020
Na verdade, o Orçamento de 2020 ainda não foi votado, e a CMO ainda não começou a funcionar.
Lira, possivelmente, se referia ao fato de que os principais cargos da CMO já foram preenchidos: o colegiado será presidido pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) e o relator da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 será o senador Márcio Bittar (MDB-AC). Este acordo, no entanto, já está fechado desde o começo de maio.
Ao começo de cada ano, é praxe que os partidos formem blocos na Câmara e no Senado para tentar obter mais espaço na formação das várias comissões temáticas das duas casas.
Uma sinalização para 2021
No começo do ano que vem, os 513 deputados escolherão o próximo presidente da Câmara dos Deputados, para um mandato de dois anos. A presidência da Câmara é um dos cargos mais importantes de Brasília: seu ocupante é quem decide o que será votado pela Casa.
Embora não admita publicamente, Arthur Lira é virtual candidato ao cargo — com o apoio do Palácio do Planalto, que gostaria de ter um aliado no comando da Câmara.
Enquanto isso, o atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trabalha para emplacar um sucessor no cargo: pelas regras atuais, ele não pode concorrer a um novo mandato. Maia está no comando da Câmara desde 2016.
Em público, Maia diz que a saída do DEM e do MDB do "blocão" não tem a ver com a disputa sucessória.
Segundo ele, a dissolução do grupo "é natural", "segue um padrão estabelecido pela prática congressual e nada tem a ver com a eleição para a Mesa Diretora em 2021, para a qual tradicionalmente são formados novos blocos".
Esta não é a percepção da maioria dos políticos e dos analistas, porém.
Para o cientista político Bruno Carazza, a sucessão no comando da Câmara é o principal objeto da saída dos partidos — mais até do que as votações no plenário. MDB e DEM estariam sinalizando apoio ao grupo de Rodrigo Maia, numa eventual disputa com Arthur Lira.
"Neste momento de pandemia, a maior parte das votações têm sido consensuais, ou quase. Tanto na Câmara, quanto no Senado. Então, a existência formal do bloco, com a indicação do líder, com papel de orientar a votação dos deputados do bloco, isso hoje em dia não tem muita relevância no jogo político", diz Carazza.
"Hoje, esse posto de líder do blocão tem um papel muito mais político do que ligado ao processo legislativo", diz Carazza.
"O processo de votação remota deve continuar até o fim do ano, tanto pela questão da pandemia quanto por causa da eleição municipal, no fim do ano. Por isso, a saída dos partidos (do bloco) é muito mais simbólica e política do que realmente relacionada às votações", opina Carazza.