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Política

Congresso movimenta R$ 21 bilhões em emendas Pix, mas só 4% têm prestação de contas concluída

Especialistas alertam que além da falta de transparência, repasse compromete execução de políticas públicas, aumenta risco de corrupção e piora a governabilidade; Câmara e Senado afirmam que debate precisa ser feito com lideranças parlamentares

24 jan 2025 - 09h40
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Deputados e senadores transferiram cerca de R$ 21 bilhões, nos últimos quatro anos, usando as chamadas emendas Pix, mas apenas 4% desse volume de recursos (R$ 933 milhões) teve a prestação de contas concluída por Estados e municípios que foram beneficiados. Especialistas ouvidos pelo Estadão alertam que, além da falta de transparência, esse tipo de transferência, alvo do Supremo Tribunal Federal (STF), não segue o planejamento federal — instrumento elaborado a cada quatro anos para definir onde e como o dinheiro público deve ser aplicado —, comprometendo a execução de políticas públicas, aumentando o risco de corrupção e dificultando a governabilidade.

Os comandos da Câmara dos Deputados e do Senado afirmaram que o tema deve ser tratado diretamente com as lideranças parlamentares.

Os dados fazem parte de um estudo do pesquisador Humberto Nunes Alencar, Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério do Planejamento, que analisou as transferências feitas por deputados federais e senadores entre 2020 e 2024 via emendas Pix.

Criadas pelo Congresso Nacional em 2019, esse mecanismo de transferência é uma modalidade de emenda individual que permite o repasse direto de dinheiro para prefeitos e governadores, sem necessidade de vincular o recurso transferido para um projeto ou obra específicos. Dessa forma, não há como saber se o dinheiro foi aplicado de forma correta.

Os valores transferidos que não tiveram prestações concluídas (R$ 20 bilhões) podem diminuir ao longo dos próximos meses porque os dados analisados tem como base relatório divulgado em setembro do ano passado. Além disso, com a implementação de regras mais rígidas, Estados e municípios ainda têm prazo e flexibilidade para prestar contas aos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, que compartilham a fiscalização com o Tribunal de Contas da União (TCU).

Antes das emendas Pix, o rastreamento desses recursos era mais rígido, explica Alencar. Os parlamentares só podiam destinar suas emendas individuais pela modalidade tradicional, que exige projetos detalhados e fiscalização federal, garantindo maior controle sobre os investimentos.

Na prática, hoje os deputados e senadores têm duas opções para usar suas emendas individuais. Se quiserem destinar, por exemplo, R$ 2 milhões para a construção de escolas e asfaltamento de ruas, podem optar pela modalidade tradicional, que exige a apresentação de um projeto detalhado e a formalização de um convênio, ou simplesmente transferir o dinheiro via emenda Pix, sem necessidade de justificativa prévia ou fiscalização antecipada. Nesse modelo, prefeitos e governadores recebem os repasses com liberdade para decidir como utilizá-los, sem obrigação de seguir o destino originalmente indicado pelo parlamentar. Com isso, nem o eleitor sabe exatamente em qual área seu representante está investindo os recursos.

A facilidade no envio de verbas para os redutos eleitorais fez com que, em 2024, os parlamentares destinassem R$ 7,7 bilhões por meio das emendas Pix, um aumento de cerca de 13 vezes em relação aos R$ 600 milhões repassados em 2020.

Para o deputado federal José Rocha (União-BA), a prestação de contas das emendas Pix é uma responsabilidade exclusiva dos prefeitos. "Eles é que precisam prestar contas do recurso. A transparência tem que ser cobrada do município, porque é o prefeito quem define onde será aplicado o dinheiro. Os deputados apenas fazem a indicação", afirma.

Marina Atoji, da Transparência Brasil, discorda e afirma que o dever de transparência também se aplica ao Congresso Nacional. Ela destaca que os parlamentares devem indicar com mais precisão a destinação dos recursos, garantindo transparência desde a origem até a execução dos valores.

"Assim, saberemos, por exemplo, se um deputado indicou o dinheiro para a compra de ambulâncias em um município e o prefeito usou os recursos para contratar um show sertanejo. Eles estão se esquivando de uma responsabilidade que também é deles", critica.

Como mostrou o Estadão, a emenda Pix já bancou shows sertanejos em cidades sem infraestrutura, compras mais caras de asfalto e até carrossel de brinquedo, deixando obras paradas. Recentemente, a Controladoria-Geral da União (CGU) verificou que cidades brasileiras usaram o recurso sem planejamento, sem transparência e contrataram organizações sem capacidade técnica para tocar os projetos.

Embate com o Supremo

Em 2024, após ações no STF e pressão por mais transparência, o ministro Flávio Dino suspendeu o pagamento das emendas Pix e de outras emendas impositivas, motivado por denúncias de falta de controle e favorecimento político. No fim do ano passado, com aval do plenário do STF, os repasses foram liberados, mas com novas regras: agora, prefeitos e governadores precisam apresentar um plano detalhado antes de receber o dinheiro e prestar contas ao governo federal. O ministério responsável pela área avaliará os projetos, enquanto o TCU terá poder de fiscalização sobre os repasses.

Para Glauber Braga (PSOL-RJ), cujo partido ingressou com uma das ações no Supremo, o ministro agiu corretamente ao impor regras de transparência às emendas Pix. "O objetivo desse tipo de emendas é o mesmo: beneficiar determinados grupos ou agentes políticos sem transparência", diz.

Após os embates, o Congresso aprovou uma lei obrigando os parlamentares a informarem o valor e a finalidade das emendas no momento da indicação dos municípios ou Estados.

Apesar das mudanças, Humberto Nunes Alencar avalia que, além da incerteza sobre a efetividade das novas regras, as medidas não resolvem a falta de planejamento na aplicação dos recursos. "As alterações não corrigem a natureza das emendas Pix, que continuam sendo usadas sem alinhamento estratégico", afirma.

Investimentos sem planejamento

Enquanto as emendas tradicionais precisam seguir o Plano Plurianual (PPA) — que define as prioridades do governo para um período de quatro anos —, as emendas Pix não seguem essa diretriz.

Na prática, um deputado pode propor uma emenda individual para construir uma escola, seguindo o PPA, que já prevê investimentos na educação. O recurso é então repassado ao Ministério da Educação, que executa a obra dentro do planejamento nacional. Já com a emenda Pix, o dinheiro vai direto para a prefeitura, sem necessidade de projeto detalhado ou alinhamento com as diretrizes federais. O município pode usar os recursos para a escola, construir uma quadra esportiva ou destiná-los a outra finalidade.

Esse descompasso dificulta o rastreamento dos investimentos e compromete a execução de políticas públicas, tornando a alocação de recursos desordenada e sujeita a interesses políticos eleitorais, avalia o economista Felipe Salto. "Foi um erro colocar isso na Constituição e esse erro tem de ser corrigido o quanto antes, em benefício da transparência, da publicidade e da busca por um Orçamento público voltado às reais necessidades da população", diz.

Consultor do Orçamento no Senado, Helder Rebouças concorda e diz que a emenda Pix, assim como as demais emendas ao orçamento público, só poderiam ser aprovadas no Congresso se compatíveis com o PPA. "Cabe ao Executivo condicionar a execução das emendas Pix ao atendimento dessa regra", completa.

O economista Marcos Mendes acrescenta que a distribuição dos recursos é irregular e desproporcional, resultando em fragmentação orçamentária e políticas públicas ineficientes. "A alegação de que parlamentares conhecem melhor as necessidades dos municípios não se sustenta. Muitas vezes, enviam emenda Pix olhando o retorno eleitoral", diz.

Um exemplo dessa distribuição desigual ocorre em Alagoas, estado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nos últimos quatro anos, o município de Matriz de Camaragibe, com 25.005 habitantes, recebeu R$ 21,6 milhões em emendas Pix, o que equivale a R$ 863,83 por habitante. Já Maceió, capital do estado, com 957.916 habitantes, recebeu R$ 8,4 milhões no mesmo período, resultando em apenas R$ 8,77 per capita.

Tensionamento com o Congresso e governabilidade

O avanço do Legislativo sobre o Orçamento reduziu o poder de negociação do Executivo, já que as emendas sempre foram um dos principais instrumentos de articulação do governo no Congresso, explica o cientista político da UnB, Lucio Rennó.

"O controle do Orçamento historicamente foi um mecanismo de governabilidade, com as emendas servindo como moeda de troca para garantir apoio. Com a autonomia dos parlamentares sobre esses recursos, especialmente na emenda Pix, o presidente perde margem de negociação, dificultando a articulação política", avalia Rennó.

O redesenho das leis orçamentárias se intensificou a partir de 2015, quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aprovou o orçamento impositivo (pagamento obrigatório) para emendas individuais, consolidando o poder do Congresso sobre parte dos recursos federais. Em 2019, sob a presidência de Rodrigo Maia, novas mudanças ampliaram esse controle: foram criadas as emendas Pix, e as emendas de bancada passaram a ser obrigatórias. No final do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, surgiu o Orçamento Secreto, caso revelado pelo Estadão. Após ser declarado inconstitucional pelo STF, grande parte dos recursos desse modelo foi redirecionada para as emendas de comissão, turbinando essa forma de repasse.

"Mesmo com as novas regras, o avanço do Congresso sobre o Orçamento continuará, elevando os custos de governabilidade para os próximos presidentes", completa Rennó.

Estadão
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