Controle da covid e prevenção de futuras epidemias não estão em planos de governo, diz estudo
Pesquisadores alertam que, no momento, casos da doença crescem na Europa e há preocupação com surgimento de nova variante
Mesmo com "persistente" taxa de infecção, alto "volume" de mortes e apresentando desafios que podem sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS), um programa "abrangente" de controle da covid-19 não aparece nos planos de governo de candidatos à Presidência, alerta um grupo de mais de cem pesquisadores. A vacinação contra a doença e a preparação para epidemias futuras também não constam entre os tópicos abordados nos documentos.
O estudo é da Rede de Pesquisa Solidária, que reúne cientistas políticos, sociólogos, médicos, psicólogos e antropólogos, de instituições como a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Eles analisaram como temas relacionados à saúde pública aparecem nos planos dos postulantes.
Os pesquisadores destacam que, no momento, o número de casos da covid crescem na Europa e, com isso, "retoma-se a preocupação com novas variantes que podem resultar em uma nova onda de infecções e morte". "Em anos anteriores esse crescimento foi registrado no Brasil nos meses de verão, quando ocorre o uso de ar-condicionado em ambientes fechados, somado às festas de final de ano, como Natal e Reveillon, além do Carnaval", alertaram.
Conforme dados do consórcio de veículos de imprensa, o País soma mais de 34,6 milhões de casos confirmados e 685,8 mil mortes pela doença. A média móvel de novas infecções está em 6.809 e de vítimas, 57.
Coordenadora científica da Rede e professora do departamento de Ciência Política da USP, Lorena Guadalupe Barberia avalia que a pandemia no debate eleitoral parece ser uma "questão do passado" e "superada", quando, na verdade, mundialmente, "fatos novos estão sendo esclarecidos".
"Como o Brasil é o segundo país com mais óbitos no mundo - proporcionalmente, se pensamos em óbitos por 100 mil habitantes -, chama atenção que o enfrentamento do desafio não está contemplado de uma forma detalhada nos planos dos candidatos", frisa.
De acordo com o estudo, nem Jair Bolsonaro (PL) nem Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentam propostas sobre vigilância epidemiológica, atuação do Ministério da Saúde (articulação e níveis de governo) e acesso a tratamentos para reduzir gravidade de casos de covid e evitar morte pela doença. O petista é o único a abordar a retomada de exames e consultas represados na pandemia e a assistência a pacientes com covid longa e sequelas, além de vacinação - ele cita a retomada do Programa Nacional de Imunização, mas sem citar o imunizante anti-covid.
Levantamento do Estadão mostrou que a pandemia não retirou apoio a Bolsonaro nas cidades com mais óbitos pela covid. O presidente venceu o primeiro turno da eleição para o Palácio do Planalto em 66 dos 100 municípios com maior mortalidade para doença, enquanto Lula foi o mais votado em 33. Ambos empataram em Ribeirão do Sul (SP).
Os pesquisadores também analisaram os planos de governo dos postulantes ao governo de São Paulo, Fernando Haddad (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), e observaram "maior número e profundidade de propostas associadas à saúde da população paulista". Por mais que não apareçam na publicação, Lorena afirma que as propostas de candidatos de outros Estados que terão segundo turno também foram analisadas e a especificidade dos planos paulistas surpreendeu.
Haddad apresentou propostas para quase todos os segmentos analisados pelos pesquisadores. Faltou apenas programa para responder à demandas reprimidas de exames e consultas, conforme o boletim. Já Tarcísio não apresentou propostas relacionadas à vacinação, preparação para pandemias futuras e assistência à covid longa.
Orçamento
No estudo, os pesquisadores relatam que, em meio à pandemia, houve "aumento significativo" dos gastos do governo federal em saúde entre 2019 e 2020, por decisão do Congresso Nacional. Em 2022, porém, analisaram "importante queda de valores empenhados". Eles destacam que os valores podem se elevar até o fim do ano, no entanto, frisam que a melhora de indicadores não justifica a queda, pois a crise sanitária segue, bem como cresce a demanda por assistência a sequelas e de compra de vacinas, seja para doses adicionais ou infantis aprovadas posteriormente.
"Há uma demanda importante de vacinas que não está no orçamento", fala Lorena. "Teríamos que estar debatendo neste momento por que o governo está reduzindo o orçamento de saúde se a demanda para esse tipo de despesa não caiu, só está aumentando", continua.
O que dizem os candidatos
Questionado, por meio de sua assessoria, Haddad destacou que responder a demanda de exames e consultas reprimidas é prioridade do programa do governo. "Já em janeiro vamos pactuar com os municípios ações emergenciais como mutirões, ampliação de oferta em áreas específicas e investimento na telesaúde que possam acelerar o acesso a consultas, exames e cirurgias represadas durante a pandemia. Estas estratégias serão realizadas articulando os serviços estaduais, municipais, filantrópicos e respondendo ao que for prioridade em cada região de saúde", prometeu, em nota.
Também por meio de nota, Tarcísio de Freitas destacou que a criação do "Centro Estadual de Controle de Doenças e Qualidade Assistencial" contempla a prevenção de epidemias e pandemias futuras. As sequelas de covid serão tratadas pelos ambulatórios de especialidades dentro das universidades, afirmou.
Em relação a vacinas, o candidato do Republicanos destacou o foco do plano de governo "na prevenção e na atenção básica". "A melhor estratégia de prevenção é a vacinação, uma das intervenções mais custo-efetivas em saúde pública." Ele prometeu realizar campanhas de vacinação e disponibilizar todos os imunizantes previstos pelo Programa Nacional de Imunizações. Quanto à demanda reprimida de exames e consultas, aposta na telemedicina.
Ao Estadão, o Ministério da Saúde disse que já disponibilizou 1 milhão de doses de vacinas para crianças de 3 a 4 anos e está em tratativas com o laboratório para aquisição de mais doses. "Para o público de 6 meses de idade a menores de 4 com comorbidades, a previsão é de que as doses sejam entregues nos próximos dias, de acordo com o laboratório", informou, em nota.
Quanto ao tratamento da covid-19, a pasta disse ter incorporado ao SUS os medicamentos baricitinibe e tocilizumabe para pacientes hospitalizados e nirmatrelvir/ritonavir para o tratamento na fase inicial.
O Estadão buscou os candidatos Bolsonaro e Lula, que não responderam até a publicação deste texto.
Agenda Estadão: Debates e propostas
Desde julho, o Estadão propõe, em uma série de reportagens, a discussão de soluções para 15 temas que considera fundamentais para a construção de um país mais justo, eficiente e igualitário. Direcionadas aos candidatos à Presidência, as perguntas abrangem temas como saúde, educação, sustentabilidade e livre-iniciativa.