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Política

"Crise entre Poderes mantém risco elevado e afeta preços"

Para Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria Tendências, ao lado do risco fiscal, a instabilidade em Brasília pode fazer com que investidores deixem o País, desvalorizando o real, o que, por sua vez, pressiona a inflação

10 ago 2021 - 13h49
(atualizado às 14h02)
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Após a inflação atingir 0,96% em julho - o maior resultado para o mês desde 2002 -, a consultoria Tendências reviu sua estimativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2021 de 6,1% para 7%. Há, porém, riscos importantes no radar que podem pressionar os preços ainda mais até o fim do ano. Isso porque essa estimativa da consultoria considera que os precatórios não serão retirados do teto dos gastos e que o Bolsa Família não vai passar da casa dos R$ 300. A ala política do governo Jair Bolsonaro defende, no entanto, que o auxílio chegue a R$ 400.

Presidente Jair Bolsonaro em Brasília
31/07/2021
REUTERS/Adriano Machado
Presidente Jair Bolsonaro em Brasília 31/07/2021 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Segundo Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, a crise política também pode elevar a inflação nos próximos meses. Ao lado do risco fiscal, a instabilidade em Brasília pode fazer com que investidores, preocupados com o futuro da economia, deixem o País, desvalorizando o real, o que, por sua vez, pressiona a inflação. "Quando você começa a olhar para 2022 e vê muita tensão entre Poderes, até dúvidas em relação ao processo eleitoral, isso mantém o risco elevado e o câmbio depreciado. Isso afeta os preços na veia", diz a economista.

O mercado já esperava uma inflação alta em julho, elevando o acumulado em 12 meses. Mas que impacto um IPCA nesse patamar pode ter na economia?

A inflação veio um pouco acima do que nós (a Tendências) prevíamos. Nosso número era 0,88%. Estávamos vendo essas pressões, principalmente em energia elétrica e combustíveis, mas mesmo alimentação no domicílio surpreendeu um pouco. As pressões estão mais fortes do que a gente imaginava. Tanto que estamos revisando nossa projeção de IPCA para 2021. Tínhamos 6,1% e estamos revisando para 7%, que é bem acima do que esperávamos há alguns meses. O problema é que essa inflação corrói o poder de compra das famílias. A cesta de bens e serviços está mais cara, e o poder de compra diminui. Isso limita o ritmo de crescimento da atividade econômica, principalmente quando a gente pensa no consumo das famílias. A inflação afeta todo mundo e mais ainda as classes de baixa renda, em que o peso desses itens como alimentação em domicílio têm um peso mais relevante. Uma inflação na casa de 7% é negativa para a economia brasileira. Não é à toa que o Banco Central tem reagindo aumentando a Selic e subindo o tom. Antes, falava em normalizar a política monetária, que seria colocar o juro em patamar neutro. Agora, com a percepção de risco aumentando, o BC está vendo que é necessário elevar o juro acima do patamar neutro. Isso para evitar que a inflação seja um risco também em 2022.

Parte dessa inflação se deve a fatores climáticos, mas tem uma parte que é influência do dólar mais elevado, que eleva os preços dos produtos importados e de commodities. No começo do ano, quando havia uma forte preocupação com a situação fiscal do País, o dólar avançou bastante. Quais fatores estão pensando mais no IPCA?

São três causas. A primeira é um ambiente ainda desafiador por causa da pandemia. Desde o ano passado, ela afetou a produção de vários itens, inclusive industriais. Além disso, com os fortes estímulos fiscais e monetários que foram dados a várias economias, a demanda reagiu muito mais rápido do que a oferta. A pandemia afetou a oferta de muitos produtos. Vemos vários setores tentando normalizar a produção, mas, quando faltam insumos e bens, o preço vai para cima. Então ainda existe esse efeito em vários segmentos. Outra parte da inflação decorre da questão climática. Ela está afetando tanto a produção de alimentos como a de energia elétrica. A terceira explicação tem a ver com os riscos fiscais e o ambiente político. A gente vem desde o ano passado com essa percepção de risco fiscal bastante elevada. Não é só a pandemia justificando gastos excepcionais. Há pouco comprometimento (do governo) com as regras fiscais. Quando começam a tirar gastos da regra do teto dos gastos, essa percepção de risco fica muito elevada. Preocupa a ideia de reforçar programas sociais tendo em vista a reeleição em 2022 ou a de tirar precatório do teto. É uma combinação de preocupação fiscal com ambiente político. Quando você começa a olhar para 2022 e vê muita tensão entre poderes, até dúvidas em relação ao processo eleitoral, isso mantém o risco elevado e o câmbio depreciado. Isso afeta os preços na veia.

 

O governo está com novas medidas que aumentam os gastos públicos e a preocupação com a situação fiscal do País. Isso pode interferir mais na inflação?

A gente (a Tendências) sempre foi cauteloso em relação ao ambiente político e à questão fiscal. Estamos olhando com cuidado o que vai sair no Orçamento para 2022 e esse imbróglio da questão dos precatórios. Mas, pensando na manutenção do teto dos gastos, o Bolsa Família, ou Auxílio Brasil, precisa ficar na casa dos R$ 300. Estamos trabalhando com esse cenário base, em que a regra do teto é respeitada. Assim, temos ainda um câmbio de R$ 5,20 no fim do ano. Se mudar esse cenário - sai, por exemplo, um Bolsa Família de R$ 400, tiram precatórios do teto dos gastos e não pagam uma parcela relevante deles -, aí pode ter um câmbio mais elevado, afetando certamente a inflação.

Mas há uma expectativa de que a inflação termine o ano em um patamar mais baixo, na casa dos 7%, apesar desses vários riscos. O que permitirá isso?

Se você comparar a inflação mês a mês com o mesmo período do ano passado, os números de abril, maio e junho de 2020 foram muito baixos. Aí, nessa métrica de 12 meses, a base de comparação estava fraca, o que contribui para os atuais números altos. Quando você vai para setembro e outubro de 2020,já havia uma inflação mais alta, ao redor de 0,6% ou 0,9%. Esse efeito é super importante e explica parte da desaceleração. Para os próximos meses, vemos a alimentação ainda pra cima, muito por conta do preço dos alimentos. Por outro lado, a não ser que se tenha novos ajustes nas bandeiras de energia, o preço da energia elétrica deve se moderar. Já os serviços, com a reabertura das atividades e a recuperação do fluxo de pessoas, devem continuar puxando a inflação para cima.

Estadão
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