De aborto à privatização: o que pensa o conselheiro para assuntos econômicos de Bolsonaro
Economista Adolfo Sachsida, do Ipea, tem participado de encontros semanais com o pré-candidato à Presidência para discutir temas como Bolsa Família, privatização, impostos e inflação; relação com a China é um dos únicos pontos de discórdia entre os dois, afirma.
Adolfo Sachsida, de 45 anos, é doutor em economia pela Universidade de Brasília (UnB) e advogado. Trabalha como pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento, e se transformou numa espécie de conselheiro para assuntos econômicos do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
O economista diz ter mantido encontros semanais com o presidenciável, nos quais, segundo afirma, Bolsonaro "ouve bastante". Nas conversas, falam em descomplicar o sistema tributário, privatizar para melhorar a competitividade das empresas nacionais, independência do Banco Central, revisar a política de subsídios e créditos e ampliar o comércio internacional, bem como os programas sociais.
Sachsida se define como um "liberal econômico com valores conservadores" que compartilha os ideais de Edmund Burke (1729-1797), considerado um dos fundadores do pensamento "conservador moderno". Mas o que isso significa na prática?
Ele explica que é veemente contra o aborto. Também é contrário à liberação do consumo de drogas, ainda que afirme entender os argumentos de quem pensa diferente dele.
Sobre união homoafetiva, diz, não há o que opinar, porque já é permitida por lei. É a favor da Escola Sem Partido, movimento que critica a "doutrinação ideológica" nas escolas.
Em termos econômicos, Sachsida é a favor da abertura e da ampliação do comércio internacional. "O Brasil ainda é um país muito fechado", avalia.
Anti-China
E é a relação comercial com outros países, em especial a China, um dos poucos pontos de discórdia com Bolsonaro.
O parlamentar, diz o economista, é anti-China - ele tem, de fato, usado as redes sociais para criticar as relações do Brasil com o país asiático.
Em outubro, por exemplo, Bolsonaro publicou no Twitter: "Terras agricultáveis, subsolo, hidrelétricas, portos, frigoríficos… a China está comprando não NO Brasil, mas O Brasil…"
Sachsida, por sua vez, acredita que a China é um parceiro comercial fundamental nos tempos atuais para qualquer país. "Ele (Bolsonaro) tem uma visão mais geopolítica, mas é a favor dos acordos bilaterais", afirma.
Outro tópico de discórdia que surgiu nas conversas foi o sistema de tributação brasileiro. O presidenciável queria, assim como o presidente americano Donald Trump prometeu em sua campanha, reduzir os impostos pagos no Brasil.
Sachsida, contudo, argumentou que a situação fiscal do país é grave. E, apesar de também ser a favor de uma redução da carga tributária, defende que a medida não pode ser tomada de imediato.
O economista diz nunca ter discutido taxar mais os mais ricos, mas diz que ele e Bolsonaro concordam sobre a necessidade de reduzir a complexidade do regime tributário. "Não significa tributar mais, mas manter o nível atual. Se possível, lá na frente, reduz", explica.
Bolsa Família e privatização
Uma das propostas que Sachsida apresentou a Bolsonaro foi rever os programas de subsídios e créditos que impactam em cerca de R$ 700 bilhões os cofres públicos.
"Temos que avaliar esses programas para manter somente o que está dando certo, e o restante poderia ser usado para fortalecer os programas sociais, como o Bolsa Família", explica, emendando que o deputado gostou da ideia.
Para o conselheiro, o Bolsa Família é um programa com princípios liberais porque dá o dinheiro diretamente ao beneficiário. Ele se diz favorável, por exemplo, aos programas de voucher - o mais comum é o escolar, no qual o governo emite um certificado de financiamento e entrega diretamente aos pais que podem, então, colocar a criança na escola privada que quiserem.
A ideia dos vouchers foi concebida em 1955 por Milton Friedman, economista ganhador do Nobel. Fora dos Estados Unidos, países como Chile e Suécia também adotaram sistemas semelhantes, mas a ideia não é consenso e atrai muita controvérsia.
Considerada tabu por muitos, a privatização não é, segundo Sachsida, tema proibido nem rejeitado. "A gente está bastante alinhado nesse tema. O importante é gerar competição."
Questionado sobre ser necessário privatizar, por exemplo, a Petrobras, ele diz: "Tecnicamente, a Petrobras não é só uma, mas dezenas de empresas", admitindo a possibilidade caso haja alguma alguma companhia do grupo alcançasse uma performance melhor ao abrir o capital ou ser vendida. "É necessário ter estratégia para isso, para privatizar da melhor forma."
Na opinião do economista, é fundamental manter o tripé macroeconômico que combina uma política de câmbio flutuante com metas fiscais e metas de inflação.
Para isso, o ideal, diz ele, seria ter um presidente do Banco Central escolhido pelo presidente com mandato fixo. "Ele só seria destituído do cargo se não cumprisse as metas."
Sachsida afirma ainda que a atual equipe do Ministério da Fazenda e do Banco Central "é muito boa", e deveria ser mantida. Ele já verbalizou isso a Bolsonaro que, segundo conta, não aparentou ter objeções.
"Para ser honesto, o bom tem que ser mantido", justifica.
Cargo em um eventual governo
Questionado sobre almejar algum cargo na Fazenda ou se faria parte da equipe econômica de algum governo, o pesquisador afirma que o cargo exige um perfil discreto - e admite não ter esse perfil.
"Minhas opiniões são muito claras, algumas pessoas gostam e outras odeiam. Para ser da Fazenda, não pode ter blog. Eu tenho, tenho canal no YouTube..."
Em julho do ano passado, Sachsida chegou a ser nomeado como assessor especial do ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE). A indicação acabou cancelada horas depois, antes que ele - que também é filiado ao DEM - tomasse posse. Em debates realizados em seu canal no Youtube, o economista já questionou o que chama de "doutrinação ideológica" feita por professores.
"A esquerda quer doutrinar os nossos alunos. O professor de português, ao invés de dar aula de português, fica falando que tal partido é bom, tal partido é ruim. (...) Mas eles falam que tudo tem ideologia. Como se o aluno fosse obrigado a ser doutrinado desde pequeno", disse em um dos vídeos.
O economista conta que se aproximou de Bolsonaro a pedido de um amigo, Bernardo Santoro, do Instituto Liberal. Isso aconteceu quando o PEN (Partido Ecológico Nacional) começou a flertar com o parlamentar e, a pedido dele, mudou de nome, passando a se chamar Patriota.
A pedido de Santoro, Sachsida montou um grupo de 11 economistas que semanalmente trocam ideias sobre economia com o deputado. O plano agora é organizá-las por escrito.
Ele diz que não cobra para conversar sobre economia com Bolsonaro, com quem diz se encontrar fora do expediente. Afirma ainda não ser "professor" do deputado. "Quero debater ideias. Tenho obrigação de devolver para a sociedade o que aprendi", justifica.
O pesquisador do Ipea tem doutorado em economia pela UnB, e fez pós-doutorado na Universidade do Alabama (EUA). Lecionou economia na Universidade do Texas e foi consultor, por um curto período, do Banco Mundial para Angola.
Críticas
Bolsonaro tem sido criticado por não dominar assuntos econômicos. Em diferentes ocasiões, ele disse que, em um eventual governo seu, "quem vai cuidar da economia será o futuro ministro da Fazenda".
Em entrevista recente à jornalista Mariana Godoy, da RedeTV, o deputado foi questionado sobre tripé macroeconômico. "Quem vai falar de economia por mim é minha equipe econômica no futuro", respondeu. "Se exigem de mim a questão da economia, então teriam de exigir entendimento de medicina, (pois) eu vou indicar o ministro da Saúde."
Perguntado se já transformou o parlamentar num liberal, Sachsida responde: "Ele está no caminho".
Para o economista, o estilo de Bolsonaro se parece com a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher: "Ela era dura, clara em relação ao que pensava e tinha uma pauta econômica liberal".