Defensor de Temer diz que Brasil vive "cultura punitivista"
Ex-presidente está preso sob suspeita de liderar organização criminosa que, em 30 anos de atuação, teria desviado R$ 1,8 bilhão
O criminalista Eduardo Carnelós, defensor de Michel Temer, disse nesta sexta, 10, que o País vive uma era de "cultura punitivista". Depois de passar por cerca de três horas e meia com Temer na sala improvisada que serve de cela para o ex-presidente no prédio-sede da Polícia Federal em São Paulo, desde quinta, 9, Carnelós protestou.
"Eu não sei se é viés político. Me parece claramente que há um viés de caça ao tesouro."
Temer está preso sob suspeita de liderar organização criminosa que, em 30 anos de atuação, desviou R$ 1,8 bilhão de contratos públicos, segundo a Procuradoria da República. Ele é o alvo maior da Operação Descontaminação, desdobramento da Lava Jato no Rio.
Na quarta, 8, por dois votos a um, os desembargadores da Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região cassaram liminar que mantinha Temer em liberdade desde 25 de março e acolheram recurso do Ministério Público Federal, restabelecendo decreto de prisão preventiva do ex-presidente.
Nesta sexta, 10, Carnelós se reportou ao julgamento que culminou na ordem de prisão do ex-presidente. "Eu ouvi, com muita tristeza, aliás, no julgamento de quarta-feira, perante o TRF da Segunda Região, a procuradora regional da República dizer que todos no Brasil perguntavam quando o Temer vai ser preso. É que eu não posso fazer uso da palavra depois dela. Mas eu gostaria de perguntar 'Sua Excelência, quem perguntava quando Temer vai ser preso e com base em quê?' Porque quem conhece, minimamente, os direitos, não pode fazer esse tipo de pergunta. Com todo respeito que eu vou buscar lá no fundo da minha alma."
"Porque não é possível que se admita esse tipo de argumento como se isso fosse argumento jurídico, é isto que eu estou falando", emendou. "Não há 'quando que o Temer vai ser preso?', 'Por que o Temer tem que ser preso?'."
O defensor disse que no pedido de habeas corpus que já impetrou no Superior Tribunal de Justiça - julgamento marcado para a próxima terça, 14 - citou verso de Herivelto Martins e Marino Pinto, 'uma bela canção, que se eternizou, primeiro é preciso julgar para depois condenar'.
"Isto é da sabedoria popular. E nós estamos perdendo esse traço de civilidade. Nós estamos perdendo esse ponto crucial da civilização. Nós estamos condenando antes de julgar", disse Carnelós. "E os grandes letristas não acrescentaram, mas faço eu, para poder julgar é preciso antes direito de defesa. É preciso que, antes, a pessoa conheça na sua plenitude os elementos da acusação. É preciso que ele tenha conhecimento de tudo aquilo que diz e que se alega contra ele e de todos os elementos que supostamente embasam essas alegações. Se nós perdermos isso, vamos voltar à barbárie."
Carnelós visitou Temer na sala 'improvisada' na PF em São Paulo acompanhado do ex-deputado e ex-ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo de Temer). A defesa considera direito do ex-presidente ficar em Sala de Estado Maior em uma unidade militar.
"Se a prisão do presidente é para atender o clamor popular, se é porque ninguém mais aguenta a corrupção, se é porque se pergunta por aqui quando o Temer vai ser preso, então, para que Poder Judiciário?", ele protesta. "Então, cada um que faça justiça de acordo com o que lhe pareça melhor. É isso que nós queremos? É esta segurança que nós buscamos?"
O criminalista condena o que classifica de 'sistema punitivista que hoje atinge alguém que não é do nosso agrado, alguém que é um desafeto, que é até um inimigo e um dia pode se voltar contra você mesmo, contra um familiar, um amigo, um parente'.
"Então é preciso que um sistema de garantias de todos os indivíduos seja fortalecido", defende.
O ex-ministro Carlos Marun, também após ir a Temer 'na condição de advogado', declarou: "O presidente é um homem honrado, é um homem que tem um patrimônio perfeitamente compatível com as seis décadas de trabalho exitoso, que não tem uma conta no exterior, em todos esses processos não existe uma única prova de que ele tenha atuado no sentido de enriquecimento ilícito'.
Segundo Marun, 'agora, o que é importante é que o presidente não tem nenhuma condenação, o presidente não praticou nenhum ato que pudesse sinalizar uma tentativa de fuga, o presidente Temer não oferece risco à sociedade, não oferece risco à economia, nada foi apresentado que sinalizasse algum tipo de tentativa do presidente no caminho da obstrução da justiça'.
"O presidente não poderia estar preso preventivamente porque assim diz a lei. Por isso a indignação dele, a indignação nossa diante dessa prisão ilegal."