Delegado acha que Bolsonaro usou app que dribla grampo para falar com Ribeiro
O telefonema foi mencionado pelo ex-ministro em conversa com a filha, mas não há registro da chamada no histórico do celular
O delegado federal Bruno Calandrini desconfia que a ligação que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro disse ter recebido do presidente Jair Bolsonaro (PL), para alertar sobre a Operação Acesso Pago, tenha sido feita por aplicativo de mensagem para driblar a interceptação telefônica da Polícia Federal (PF).
O telefonema foi mencionado pelo ex-ministro em conversa com a filha no dia 9 de junho, mas não há registro da chamada no histórico do celular de Milton Ribeiro. "Hoje o presidente me ligou. Ele tá com um pressentimento novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe?", conta o ex-ministro. "Ele (Bolsonaro) acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa."
Em documento enviado à Justiça Federal, Calandrini sugere que a ligação do ex-ministro com o presidente "tenha acontecido por meio de aplicativos de internet como, por exemplo, o WhatsApp". Esses aplicativos usam um sistema de criptografia para proteger as conversas. As ligações também são blindadas, ou seja, não caem na malha fina do grampo telefônico.
A hipótese ganhou força porque o ex-ministro interrompe a chamada com a filha tão logo ela informa que está ligando do "celular normal". "Ah é? Ah, então depois a gente se fala", responde Milton Ribeiro. O comportamento chamou a atenção do delegado, que supõe que eles já estivessem "preocupados com uma possível interceptação telefônica".
Milton Ribeiro era monitorado com autorização do juiz Renato Borelli, da 15.ª Vara Federal do Distrito Federal, que recebeu o processo depois que ele deixou o governo. O então ministro da Educação era o único investigado com foro privilegiado e sua exoneração fez com que o processo descesse para primeira instância. O presidente não era alvo do grampo.
As suspeitas de vazamento levaram a Procuradoria da República no Distrito Federal a pedir o envio do processo de volta ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que seja investigada "possível interferência ilícita" de Bolsonaro, o que foi autorizado por Borelli. A decisão sobre uma eventual inclusão do presidente do rol dos investigados está nas mãos da ministra Cármen Lúcia.
A ligação do ex-ministro com a filha não é a única que sugere uma possível interferência na investigação para vazar informações a Milton Ribeiro. No dia da operação, a mulher do ex-ministro, Miryan Ribeiro, que também foi grampeada, disse que o marido "já estava sabendo". "Ele estava, no fundo, ele não queria acreditar, mas ele estava sabendo. Eu falei: 'Pra ter rumores do alto é porque o negócio já estava certo'", afirmou ao comentar a prisão.
O delegado federal disse acreditar que houve vazamento do inquérito. Para Calandrini, as conversas "evidenciam" que Milton Ribeiro "estava ciente" de que seria alvo de buscas.
"Os indícios de vazamento são verossímeis e necessitam de aprofundamento diante da gravidade do fato aqui investigado", escreveu em manifestação enviada na sexta-feira, 24, à Justiça Federal em Brasília.