Demissão de Moro: Não se pode 'subestimar Bolsonaro', diz brasilianista
Apesar de impacto negativo que demissão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública representa para o governo, bolsonarismo "continua sendo força orgânica no Brasil", diz Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute, da Universidade King's College, em Londres.
Apesar de o impacto negativo que a demissão de Sergio Moro representa para o governo, "não se pode subestimar Bolsonaro", diz à BBC News Brasil o brasilianista Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute da Universidade King's College, no Reino Unido.
Pereira reconhece, no entanto, que o presidente sai enfraquecido da disputa com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e sua sobrevivência política vai depender de como seu eleitorado vai reagir.
"Não quero subestimar Bolsonaro como fenômeno político. O bolsonarismo é uma força orgânica no país. De fato, Bolsonaro sai enfraquecido e sua sobrevivência política vai depender de como seu eleitorado vai reagir. Ainda é cedo para prevermos esse comportamento. Mas não há dúvida de que o presidente terá um desafio pela frente", assinala.
Moro pediu demissão do cargo na manhã de sexta-feira (24 de abril) após a exoneração de seu braço direito, Maurício Valeixo, da direção da Polícia Federal.
Ao anunciar sua saída, o ex-ministro disparou críticas contra Bolsonaro. Segundo ele, o presidente insistiu na troca de comando da corporação, sem apresentar causas que fossem aceitáveis.
Moro disse que não havia "condições de persistir, sem condições de trabalho" e que indicações políticas "não são aceitáveis".
O ex-titular da Justiça, que largou a carreira de juiz federal para aceitar o cargo de ministro, afirmou também que Bolsonaro queria ter acesso a relatórios e informações confidenciais de inteligência da PF.
E disse ainda que não assinou o decreto de exoneração de Valeixo publicado no Diário Oficial da União (DOU), ainda que seu nome apareça no documento, dando a entender, portanto, que sua assinatura foi usada sem seu consentimento.
Bolsonarismo x Lavajatismo
Pereira lembra que desde o início do governo "sempre houve tensões" entre duas correntes que elegeram Bolsonaro: de um lado, a bolsonarista, "preocupada com questões culturas e ideológicas," e, de outro, a lavajatista, "contra a corrupção, que queria que as investigações continuassem".
"Bolsonaro pode ter ganhado a batalha com Moro ao conseguir demitir o diretor-geral da Polícia Federal, mas não a guerra. Muitas pessoas que apoiavam o governo pelo símbolo que Moro representa, a luta contra a corrupção, vão ficar muito decepcionadas", diz.
No fim da tarde de sexta-feira, Bolsonaro fez um pronunciamento em que rebateu as acusações de seu ex-auxiliar.
O presidente acusou Moro de condicionar a troca na PF a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), o que o ex-ministro negou em sua conta oficial no Twitter.
Bolsonaro também disse que não tinha que pedir autorização para trocar o diretor da corporação. "Não tenho que pedir autorização para trocar um diretor ou qualquer outro que esteja na pirâmide hierárquica do Executivo", disse.
"O dia em que eu tiver que me submeter a um subordinado, deixo de ser presidente da República", acrescentou.
Mas Pereira afirma ter dúvida sobre se os ataques de Bolsonaro a Moro vão minar a imagem que o ex-ministro construiu.
"Não acho que essas acusações vão cair bem entre os apoiadores bem informados do presidente, aqueles favoráveis à letra da lei".
Mais importante, segundo Pereira, são as alegações de Moro de que Bolsonaro tentou intervir politicamente na Polícia Federal o que, segundo ele, faz parecer que "o governo não estava comprometido com a luta contra a corrupção, mas em proteger o clã do presidente. Representa uma derrota para o governo e isso deve ser preocupante para qualquer governante".
"Muitas pessoas veem Moro como representante da imparcialidade e independência, apesar de ele ser uma figura controversa. Moro fala da vontade de o Bolsonaro intervir politicamente na PF. Isso faz parecer que o núcleo do governo está muito mais interessado em usar a corrupção contra os inimigos do que usar por um projeto amplo, multipartidário e imparcial, para investigar todas as pessoas acusadas, todos os suspeitos".
Novo rival político
Pereira lembra que, embora seja difícil prever o futuro, "pode ser que Bolsonaro esteja fortalecendo um grande rival político".
"O vácuo político que Bolsonaro ocupou foi em parte por causa da Lava Jato. Isso criou a situação para Bolsonaro vencer a campanha de 2018. Bolsonaro ganhou mais do que Moro. Adquiriu todo esse prestígio e popularidade do Moro, mas manteve controle do Executivo, inclusive bloqueando iniciativas do agora ex-ministro", diz.
"Agora, Moro está fora do governo. É viável como candidato e opositor do governo atual. E pode ser que no futuro Bolsonaro vai ter remorso sobre essa decisão porque vai criar um novo rival que pode ameaçar seu futuro político", acrescenta.
"Não descartaria a possibilidade dele sair candidato, pois Moro largou a carreira de juiz federal e virou ator político".
Crises combinada
Pereira destaca ainda o que descreve como situação singular do Brasil no mundo, uma vez que o país lida com várias crises ao mesmo tempo.
"O Brasil enfrenta três crises ao mesmo tempo: sanitária, econômica e política. Não vejo nenhum outro país em uma situação tão severa. O país tornou-se sinônimo de instabilidade, uma pecha que antes era associada aos vizinhos, como Argentina".
Nesse "duelo de gigantes", Pereira chama atenção ainda para a "integridade das instituições".
"O que está em jogo não é a sobrevivência política de Bolsonaro, mas a integridade das instituições brasileiras. Isso vai além do próprio governo, da própria conjuntura política. A conquista da autonomia da PF não foi alcançada do dia para noite. Esse é um dos pilares do Estado democrático de Direito. Ninguém está acima da lei. Não vivemos mais na Idade Média nem sob o jugo de monarcas absolutistas", conclui.