Dilma mais austera e conciliadora começa a dar resultados
Presidente deu autonomia para Joaquim Levy e Michel Temer controlarem economia e articulação política, respectivamente
A “nova Dilma” está começando a dar resultados. Ao se curvar aos acordos de partilha de poder e aos cortes orçamentários que evitou no primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff começou a aliviar a crise econômica e política que atinge o Brasil, segundo economistas e parlamentares.
A decisão de Dilma desta semana de entregar formalmente a responsabilidade de negociar com o Congresso ao vice-presidente, Michel Temer, do PMDB, foi um marco que deve ajudar a aliviar as tensões com o maior partido da base aliada e dissuadi-lo de sabotar sua agenda econômica, como fez no início do ano, afirmaram legisladores.
Os mercados de ações e de câmbio do País se animaram, e os investidores torcem para que mais adiante o clima político fique mais estável, além dos novos sinais de que Dilma está se inclinando a políticas mais favoráveis ao mercado, e ajude a maior economia da América Latina a se recuperar do que se prevê como uma recessão moderada este ano.
Observadores alertam que a trégua no conflito de Dilma com o PMDB ainda é um ensaio, e que pode ser revertida. Mesmo no melhor cenário, não se espera uma recuperação econômica até o final deste ano ou o início de 2016, e que ficará muito aquém do crescimento vigoroso que o Brasil usufruiu na última década.
Na quinta-feira (9) a agência de classificação de riscos Fitch advertiu para um possível rebaixamento da nota de crédito do País devido à dívida governamental crescente e às perspectivas econômicas sombrias, um lembrete dos desafios que ainda são esperados.
Entretanto, aliados afirmam que Dilma merece crédito por fazer concessões que teriam sido impensáveis poucos meses atrás – embora, com a popularidade no nível mais baixo de qualquer presidente brasileiro em duas décadas e a inflação e o desemprego aumentando, alguns questionem se ela tinha muita escolha.
“Às vezes a gente quer que seja de outro jeito, mas assim é a vida da gente”, declarou a senadora petista Gleisi Hoffman (PR), que foi ministra-chefe da Casa Civil no primeiro mandato de Dilma.
“Ela teve que fazer algumas correções de rumo. Isso acontece com todas as presidências”, acrescentou a candidata derrotada ao governo do Paraná.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que encabeçou a insurreição do PMDB contra Dilma no mês passado, foi ainda mais longe, declarando aos repórteres na quarta-feira que ela está tomando atitudes “ousadas” e “dando uma virada em seu governo”.
"Carta alta"
A desavença do PMDB com Dilma veio à tona depois que alguns de seus líderes, incluindo Renan, foram incluídos na lista de políticos investigados na operação Lava Jato, que apura a corrupção na Petrobras.
Alguns congressistas dizem que o partido reagiu para convencer Dilma a retirar seus integrantes da lista, o que os aliados da presidente afirmam que ela não tem poder de fazer.
Outros dizem que a legenda governista simplesmente se sentiu desprestigiada no novo gabinete de Dilma após o início de seu segundo mandato – uma queixa que eles dizem ter sido tratada agora que Temer ganhou novas responsabilidades. Essa decisão, porém, foi difícil de Dilma engolir.
Alguns assessores presidenciais haviam declarado à Reuters anteriormente que ela não confia em Temer, político de carreira de 74 anos que brilha nas negociações de bastidores que Dilma normalmente detesta. Apesar de ser seu colega de chapa em duas eleições, Temer jamais fez parte de seu círculo íntimo.
Já tendo entregado o controle da política econômica em janeiro ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, muito mais ortodoxo que ela, Dilma se expôs a insinuações de que estaria delegando todo seu poder.
O senador Aécio Neves (PSDB-MG), que perdeu a disputa presidencial no ano passado, acusou-a na quarta-feira de fazer uma “renúncia branca”.
Ainda assim Dilma cedeu, declarando na quinta-feira que Temer terá “autonomia”. Ele também terá poder para indicar nomes para cargos federais, outra exigência crucial do PMDB.
"Foi uma carta alta a jogada, porque o vice-presidente da República assumiu diretamente a interlocução política. Evidentemente, isso obriga necessariamente o governo a ter sucesso. Se não tiver sucesso nisso, quem pode substituir o vice-presidente? Ninguém", afirmou o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), líder peemedebista na Câmara.
Sinais de progresso
Aliados de Dilma esperam que, com o PMDB apaziguado, o governo possa se beneficiar dos primeiros sinais de estabilidade econômica. Levy fez progresso obtendo no Congresso cortes orçamentários e aumentos de impostos que, somados, devem poupar ao governo cerca de R$ 100 bilhões.
As chuvas recentes no Sudeste reduziram a possibilidade de racionamento de energia ou água, que ainda em fevereiro eram tidos como quase certos.
A decisão da agência de classificação de riscos Standard & Poor's de confirmar a nota de crédito do Brasil em março também diminuiu a chance de o País perder seu grau de investimento.
Os principais riscos associados ao Brasil “parecem estar se dissipando em certos aspectos”, opinou Arthur Carvalho, economista-chefe para o Brasil do Morgan Stanley. Ele declarou que a melhora no cenário aparenta “ter chegado para ficar”.
O real subiu 7% desde que atingiu seu valor mais baixo em 12 anos no dia 20 de março, e o índice Bovespa subiu cerca de 5% desde então.
Outros observadores notaram sinais ainda tímidos de que Dilma está recuando de algumas de suas políticas econômicas intervencionistas.
Como exemplo, dizem que autoridades do governo pediram conselhos a diplomatas sobre como atrair mais empresas estrangeiras para projetos de concessões de infraestrutura – e prometeram que Dilma não tentará ditar as taxas de retorno de tais projetos, como fez em seus quatro primeiros anos.
“É uma nova filosofia, uma nova Dilma”, afirmou um diplomata de alto escalão em Brasília. “A mudança é impressionante”.