Dino defende federalizar investigação da morte de Marielle Franco
Família já se opôs à proposta quando foi defendida pelo então ministro Sérgio Moro
BRASÍLIA - O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou nesta segunda-feira, 2, que avalia federalizar a investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, hoje sob cuidados da Justiça estadual do Rio de Janeiro. No governo de Jair Bolsonaro, a família da parlamentar era contra levar o caso para a esfera federal por desconfianças sobre interferência política na Polícia Federal.
Flávio Dino disse que discutirá o tema com o governador do Rio, Cláudio Castro, e que a federalização é uma possibilidade. "Inicialmente haverá uma análise no ministério. Um dos caminhos possíveis é retomar a ideia, se for o caso, da federalização. Haverá diálogo com autoridades locais. Como todos sabem, só é possível federalização se for demostrada ineficácia, morosidade ou omissão das autoridades locais", disse.
Em 2019, a família da vereadora se manifestou publicamente contra a proposta aventada pelo então ministro Sérgio Moro e reconheceu avanços na investigação realizada no Rio de Janeiro. Naquele ano, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a federalização da apuração ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro obteve avanços importantes e por isso somos favoráveis a que a instituição permaneça responsável pela elucidação caso. Sergio Moro sempre demonstrou pouco interesse pelas investigações do crime. Somente após a menção ao presidente da República, Jair Bolsonaro, no inquérito, o ministro começou a se declarar publicamente a favor da federalização", dizia o comunicado da família.
No primeiro discurso feito na sede da pasta, o ministro prometeu respostas ao crime. "É uma questão de honra do Estado brasileiro de empreender todos os esforços possíveis e cabíveis. E a PF assim atuará para que esse crime seja desvendado. Nós saberemos quem matou Marielle e quem mandou matar", afirmou.
Terrorismo. O novo diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, recebeu a missão de cobrar "regular andamento" de inquéritos abertos por atos de terrorismo, contra o Estado Democrático de Direito e de incitação das Forças Armadas contra Poderes. Segundo Dino, o delegado revisará todos os acontecimentos ocorridos desde o segundo turno das eleições presidenciais. A orientação é abrir novas investigações para casos que ainda não são objeto de apurações.
Questionado sobre a execução do trabalho, Passos disse que não poderia comentar. O ministro diz esperar um balanço em até 10 dias. "É dever constitucional da PF apurar crimes contra a ordem política e institucional. E a apuração tem dimensão preventiva para que não haja compreensão errada de que em razão da subida da rampa tudo foi esquecido. Não pode ser, seria omissão criminosa da atual equipe. Não há orientação para vingança ou retaliação", disse.
Apesar da investida, o ministro da Justiça disse que não se trata de vingança ou perseguição. "Esse será o ministério da paz, da pacificação nacional. Paz, contudo, com conteúdo, contexto, prioridades", frisou. Ele apresentou os eixos que diz nortear a sua gestão. Entre eles, o combate à desigualdade social, proteção à Constituição e defesa da democracia. "Ponderação não significa leniência, omissão. Significa defesa da lei, significa fazer que cada um responda pelas suas ações omissões".
Na primeira solenidade à frente da pasta, Flávio Dino reafirmou que o Poder Judiciário garantiu a manutenção da democracia e fez com que a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, fosse aplaudida de pé.
Em uma provocação aos apoiadores do ex-presidente da República, ele disse lamentar por quem "apostou contra e hoje está pagando a aposta, patrimonial ou não". "O presidente Lula subiu a rampa e está governando a nossa nação", disse, para aplausos dos convidados.
Dino também disse que o governo, no primeiro dia de funcionamento, começou a rever o "liberou geral" da política armamentista. Um decreto assinado por Lula no pacote de "revogaço" do primeiro dia de governo suspendeu novos registros de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), que cresceram significativamente na gestão Bolsonaro.
Além do congelamento de novos registros, os atuais CACs precisarão recadastrar os armamentos no sistema da Polícia Federal. A previsão é que a instituição discipline os procedimentos nos próximos dias. O objetivo do governo é detectar quais armas não estão mais em posse dos proprietários originais. "As armas que não forem recadastradas se tornarão ilegais. Portanto, teremos eventualmente a configuração do crime de porte ilegal de armas. As penas podem chegar a seis anos", destacou.
O total de CACs registrados saltou de 117.467, em 2018, para 673.818 em julho de 2022, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O montante supera todos os 406 mil policiais militares da ativa que atuam em todo o País e os cerca de 360 mil homens das Forças Armadas.
O ministro da Justiça ainda fez um aceno aos policiais, onde o ex-presidente da República consolidou uma forte base de apoio. Em dado momento da pré-campanha eleitoral, houve temor de que Jair Bolsonaro estimularia as tropas estaduais para uma ruptura constitucional.
"Queremos que cada policial considere este ministério como seu. Não importa o voto de ontem ou o de amanhã. O que importa é cumprir o dever funcional e atuar de acordo com a lei, com a hierarquia e com disciplina", frisou.
Além da recomendação à PF, Dino também pediu para que o secretário nacional do consumidor, Wadih Damous, atue junto aos Procons para averiguar o aumento no preço da gasolina depois da prorrogação da desoneração dos combustíveis. "Tínhamos uma situação de benefício tributário. Foi prorrogado por Lula e não houve aumento na Petrobras. Não há base empírica para essa descoordenação referente a preços", declarou.
Presenças. Além de Rosa Weber, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski compareceram à solenidade de Flávio Dino. O ministro da Justiça é um dos nomes cotados para uma vaga futura na Suprema Corte. Além de representantes do Judiciário e dos demais Poderes, o evento contou com lideranças do PSB, partido de Flávio Dino, e do PCdoB, ex-partido do ministro. O governador do Maranhão, Carlos Brandão (PSB), que era o vice de Dino na administração local, também compareceu.