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Política

Eleições 2018: Cinco fatos que provam que Brasil vai às urnas para disputa sem precedentes

BBC News Brasil pediu a especialistas que elencassem os fatores que, na visão deles, tornam este pleito diferente dos anteriores; entre esses elementos está o possível fim do ciclo PSDB-PT nas disputas presidenciais.

7 out 2018 - 06h30
(atualizado às 07h38)
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Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil elencaram cinco fatos que, na visão deles, tornam essas eleições sem precedentes. Um deles é a extrema polarização
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil elencaram cinco fatos que, na visão deles, tornam essas eleições sem precedentes. Um deles é a extrema polarização
Foto: REUTERS/Gustavo Graf / BBC News Brasil

Neste domingo (8), 147 milhões de brasileiros são esperados às urnas para escolher um novo presidente, depois de uma campanha sem precedentes em vários sentidos.

Chamaram a atenção os discursos violentos nas redes sociais e comícios, o fato de um dos candidatos ter sido esfaqueado em plena campanha, e a ampla movimentação de mulheres na campanha do "EleNão".

Mas, segundo especialistas, esses episódios estão por trás de transformações mais profundas na realidade política brasileira. A BBC News Brasil perguntou a cientistas políticos que fatores tornam essa eleição diferente de todas as outras:

Fim do ciclo PT-PSDB na eleição presidencial

Há 24 anos, desde 1994, o Brasil observava uma alternância no poder entre PT e PSDB. Apenas candidatos desses dois partidos pareciam ter real chance de vencer uma eleição presidencial- a disputa em segundo turno sempre acaba ocorrendo entre petistas e tucanos.

O PSDB assumiu dois mandatos consecutivos com Fernando Henrique Cardoso, e o PT, quatro mandatos (sendo o último interrompido por um impeachment), com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

No primeiro turno da eleição de 2014, Marina Silva, na época filiada ao PSB, chegou a crescer a ponto de superar, por alguns momentos, as intenções de voto de Aécio Neves, do PSDB. Mas a candidatura dela se desidratou e o segundo turno acabou sendo novamente entre PSDB (Aécio Neves) e PT (Dilma Rousseff).

Um dos elementos novos dessa eleição é o fim do ciclo PSDB-PT, que dominou as disputas presidenciais nos últimos 24 anos. O atual candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, não conseguiu deslanchar e aparece em quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto
Um dos elementos novos dessa eleição é o fim do ciclo PSDB-PT, que dominou as disputas presidenciais nos últimos 24 anos. O atual candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, não conseguiu deslanchar e aparece em quarto lugar nas pesquisas de intenção de voto
Foto: DANIEL RAMALHO/AFP / BBC News Brasil

Para os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o fim do clico "PT-PSDB" é uma das principais características dessas eleições. Fernando Haddad, do PT, está em segundo lugar nas pesquisas de opinião, atrás de Jair Bolsonaro (PSL), mas o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, está estagnado em quarto lugar.

"A primeira coisa que a gente nota é a quebra do padrão de competição em torno da dupla PT e PSDB. Embora o PT continue como um dos players mais competitivos, eu não conheço ninguém na ciência política que apontasse o PSDB com um desempenho tão baixo", afirma a cientista política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPES) da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

"O PSDB sai de cena e entra uma outra força bem mais à direita, que é o Bolsonaro, de um partido pequeno. E o centro está muito fragmentado, com a distribuição de votos entre Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Marina Silva e Ciro Gomes, numa disputa que levou a um alto grau de imprevisibilidade", completa a professora de Ciência Política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Maior nível de polarização da democracia moderna

A eleição de 2014 já demonstrava um alto grau de polarização entre antipetistas e simpatizantes do PT. Nessas eleições, essa divisão assumiu o maior nível da recente história democrática, segundo as especialistas ouvidas pela BBC News Brasil.

Segundo a pesquisa Datafolha divulgada neste sábado (6), Bolsonaro e Haddad chegariam ao segundo turno com percentuais maiores de rejeição do que de votos. O candidato do PSL, que aparece com 40% das intenções de voto no primeiro turno, tem 44% de rejeição. Já Haddad tem 25% das intenções de voto e 41% de rejeição.

"A eleição de 2014 já mostrava uma polarização e havia um discurso mais rancoroso, mas não com a força e a centralidade que assumiu no pleito desse ano", afirma Lara Mesquita, da FGV.

Andrea Freitas, professora de ciência política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), destaca que a divisão entre dois polos é tão acentuada que pode ser observada em termos gênero, cor e renda.

"Temos rico contra pobre, Sul contra Nordeste, mulheres contra homens, mais educados contra menos educados. Existe uma estratificação muito mais explícita", diz.

As pesquisas de intenção de voto mostram que Jair Bolsonaro encontra maior apoio entre homens, brancos, do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, com alta escolaridade e renda. É o perfil oposto de simpatizantes de Fernando Haddad (PT) - a maioria de negros e pardos, mulheres, baixa renda e escolaridade e do Nordeste.

Segundo as especialistas, a crise econômica brasileira, com a duplicação da taxa de desemprego, aliada aos escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato, contribuíram para gerar esse clima de polarização.

De um lado, há os que se ressentem da prisão do ex-presidente Lula e culpam as forças de direita pelo impeachment de Dilma Rousseff. De outro, os que acreditam que o declínio econômico e a corrupção sistêmica no Brasil são responsabilidade do PT.

A mobilização das mulheres

O terceiro aspecto citado pelos especialistas como marcante nessas eleições é o protagonismo das mulheres durante a campanha
O terceiro aspecto citado pelos especialistas como marcante nessas eleições é o protagonismo das mulheres durante a campanha
Foto: REUTERS/Andres Stapff / BBC News Brasil

O terceiro aspecto citado pelos especialistas como marcante nestas eleições foi o protagonismo das mulheres durante a campanha, principalmente em oposição ao candidato Jair Bolsonaro. Entre o público feminino, a rejeição do candidato doPSL alcança 50%, segundo Ibope e Datafolha.

Durante a campanha, mulheres contrárias à agenda do deputado Jair Bolsonaro organizaram o movimento #EleNão, nas redes sociais, e fundaram, no Facebook, o grupo "Mulheres contra Bolsonaro".

O mote era tentar impedir a eleição do candidato do PSL e viabilizar alguma das outras alternativas. No sábado 29 de setembro, milhares tomaram as ruas de 114 cidades para protestar contra Bolsonaro. Em resposta, mulheres defensoras do candidato do PSL criaram a campanha EleSim e também organizaram atos em 16 cidades.

Segundo as especialistas ouvidas pela BBC News Brasil, as mulheres são quem estão segurando uma escalada ainda maior de Bolsonaro, dificultado as chances de o ex-capitão do Exército vencer em primeiro turno.

"A gente não teve, nas eleições passadas, um candidato com uma diferença tão grande entre homens e mulheres. Como as mulheres são maioria entre os indecisos, se essa diferença se confirmar, se o padrão não mudar, elas terão segurado uma vitória no primeiro turno", diz Lara Mesquita, da FGV.

Para a professora de ciência política Luciana Veiga, da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), independentemente do resultado eleitoral, a mobilização das mulheres durante essa campanha é sem precedentes.

"Essa atuação proativa das mulheres, tanto no Facebook quanto nas ruas, foi significativa, independentemente do peso que vai ter na eleição. Na sequência do movimento do EleNão, apareceu o EleSim, mas é a primeira vez que temos uma mobilização dessa. Em 2014, tivemos duas mulheres entre os principais candidatos e a gente não teve essa reação."

Peso do 'medo' e o temor de retrocessos democráticos

As especialistas ouvidas pela BBC News Brasil mencionaram o temor de um retrocesso democrático como um dos aspectos dessa eleição.

"Em nenhum momento, desde a redemocratização, a gente teve uma eleição em se que se sentisse que algum candidato pudesse representar uma ameaça à democracia. Não se achava que Lula não respeitaria as regras do jogo. Mesmo (Fernando) Collor não se apresentava como ameaça à democracia", disse Lara Mesquita, da FGV.

Eleitores contrários à candidatura de Bolsonaro mencionam as propostas de aumentar a participação do Exército, o elogio à ditadura e a declaração do deputado do PSL de que não aceitará qualquer resultado das urnas que não seja a sua vitória, como indicadores de riscos à democracia.

Especialistas apontam temor de 'retrocesso democrático' que não existiu na mesma medida nas eleições anteriores
Especialistas apontam temor de 'retrocesso democrático' que não existiu na mesma medida nas eleições anteriores
Foto: EVARISTO SA e NELSON ALMEIDA/AFP / BBC News Brasil

Já o grupo contrário ao PT teme que, para governar num ambiente de alta rejeição e crescimento da direita, o partido possa lançar mão de propostas para fortalecer o Executivo e reduzir a autonomia de Legislativo, Judiciário e Ministério Público.

"Temos um candidato entendido como uma ameaça à democracia, na avaliação dos cientistas políticos. E há quem advogue que o segundo candidato nas pesquisas também possa representar uma ameaça à democracia, diante do contexto atual de polarização", afirma Lara Mesquita.

Preocupam os analistas a defesa, pelas chapas de Bolsonaro e Haddad, de uma nova Constituição Federal.

Enquanto o programa de governo do candidato do PT, Fernando Haddad, propõe a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, o candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), general Hamilton Mourão, defende nomear uma comissão de "notáveis" para reescrever a Constituição.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello vê essas propostas com preocupação. Para ele, o objetivo dos políticos deveria ser cumprir a Constituição que existe, e não substituí-la.

"O que precisamos é de homens públicos que observem a ordem jurídica constitucional. De homens que cumpram e amem mais a Constituição, que tenham apego pelo que está estabelecido e cumpram o que está estabelecido", disse o ministro ao ser perguntado pela BBC News Brasil sobre as propostas de Haddad e Mourão.

No aniversário de 30 anos da Constituição, o conjunto de leis mais importantes do Brasil virou alvo das duas principais candidaturas à Presidência; Fernando Haddad e o vice de Bolsonaro defenderam fazer uma nova Carta Magna
No aniversário de 30 anos da Constituição, o conjunto de leis mais importantes do Brasil virou alvo das duas principais candidaturas à Presidência; Fernando Haddad e o vice de Bolsonaro defenderam fazer uma nova Carta Magna
Foto: Senado / BBC News Brasil

Especialistas em política e direito constitucional ouvidos pela BBC News Brasil também afirmaram que, num momento de divisão e polarização do Brasil, a Constituição é uma das úncias garantias de que os direitos do grupo derrotado na futura eleição não serão atropelados. Portanto, as propostas dos dois primeiros candidatos de substituir as normas constitucionais acende um sinal de alerta.

"Você tem um país polarizado, conflagrado, não é um momento de consenso. Abrir um processo constituinte nesse momento traz a possibilidade de um resultado não democrático", avalia o diretor da faculdade de direito da FGV, Oscar Vilhena.

"Nós tendemos a associar a Constituição com o regime em vigor. E há uma grande correlação entre democracia e a Constituição de 1988. Se você faz uma Assembleia Constituinte, você estará de certa forma argumentando por uma ruptura", completa o cientista político Timothy J. Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Peso das redes sociais, especialmente do WhatsApp

Pela primeira vez em mais de 20 anos, o candidato que está à frente das pesquisas é, também, um dos que teve menos tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão. Por integrar um partido com baixa representação no Congresso Nacional, Bolsonaro contou só com 8 segundos diários no horário eleitoral gratuito.

Geraldo Alckmin, que tinha o maior tempo de TV (5 minutos e 32 segundos), não deslanchou nas pesquisas de intenção de voto, figurando até agora em quarto lugar. Segundo a professora de ciência política da Unirio, Luciana Veiga, as redes sociais e, sobretudo, o WhatsApp assumiram destaque como estratégia de campanha.

"Em 2014, o Brasil tinha 20 milhões de usuários de WhatsApp e agora são 120 milhões. Como o brasileiro entrou na era do smartphone e WhatsApp, a internet se tornou uma grande ferramenta, explorada principalmente pelos grupos apoiadores do Bolsonaro", diz.

Mas junto com a transmissão de propaganda via WhatsApp e redes sociais veio, também, a avalanche de fake news que, conforme cientistas políticos, alimentaram o peso do "medo" nessas eleições.

"Essa eleição está toda pautada pelo medo, dos dois lados. De um lado, há um medo enorme que o PT volte ao poder e de outro, o medo enorme da agenda do Bolsonaro. As pessoas estão lidando com a eleição com o fígado", avalia Andrea Freitas, da Unicamp.

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