Em 7 pontos: os trechos mais importantes da decisão de Moro que condenou Lula
Além de estabelecer as penas contra o ex-presidente, em sua sentença, o juiz explicou a lógica de sua decisão e até rebateu críticas.
O juiz Sergio Moro condenou nesta quarta-feira o ex-presidente Lula a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Na sentença de 218 páginas, além de estabelecer a pena, o magistrado explica os argumentos que o levaram a tomar a decisão, diz que Lula "faltou com a verdade" nos depoimentos e até rebate críticas, defendendo sua imparcialidade.
Moro considerou que Lula ocultava a propriedade do tríplex no Guarujá (SP), o que caracteriza o crime de lavagem de dinheiro. O imóvel e sua reforma teriam sido concedidos pelo grupo OAS ao ex-presidente como um "acerto de corrupção decorrente em parte dos contratos com a Petrobras".
ex-presidente poderá recorrer em liberdade ao Tribunal Regional Federal (TRF). A defesa do petista diz que ele é inocente e que "nenhuma evidência crível de culpa foi produzida".
Veja a seguir, em sete pontos, os trechos mais importantes da sentença.
1) Moro diz que é imparcial
Na sentença, o juiz Sergio Moro defende sua imparcialidade para julgar o caso. Ele menciona os questionamentos da defesa de Lula, para quem Moro toma decisões políticas, e diz que essa é uma "questão já superada".
Moro cita decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que negou pedido de advogados do petista para impedi-lo de julgar Lula.
"Em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontra em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu governo."
O juiz também diz que as "eventuais pretensões futuras" o petista de participar de novas eleições não tiveram qualquer relevância em sua decisão.
Para ele, as críticas sobre sua postura são "mero diversionismo" e fazem parte da estratégia de defesa.
"Na linha da estratégia da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva de desqualificação deste julgador, por aparentemente temerem um resultado processual desfavorável, medidas questionáveis foram tomadas por ela fora desta ação penal."
2) Não importa que o tríplex não esteja no nome de Lula
O juiz diz que a "questão crucial" no caso é determinar se o apartamento no Guarujá foi concedido ao ex-presidente pela OAS sem pagamento do valor integral do imóvel, avaliado em R$ 1,1 milhão.
Caso isso fosse confirmado, ficaria provado que o grupo concedeu a Lula um "benefício patrimonial considerável", de R$ 2,2 milhões - somatório do tríplex e da reforma.
Segundo Moro, para configurar vantagem indevida, não seria necessário que o imóvel tivesse sido transferido para o nome de Lula.
Um dos principais argumentos da defesa é que o apartamento está registrado como propriedade da OAS e, portanto, jamais pertenceu ao ex-presidente. Para o juiz, não é suficiente "um exame meramente formal da titularidade ou da transferência da propriedade".
O magistrado cita a argumentação do Ministério Público Federal, para o qual a manutenção do imóvel em nome da empresa foi feita para "ocultar e dissimular o ilícito".
"Afinal, nem a configuração do crime de corrupção, que se satisfaz com a solicitação ou a aceitação da vantagem indevida pelo agente público, nem a caracterização do crime de lavagem, que pressupõe estratagemas de ocultação e dissimulação, exigiriam para sua consumação a transferência formal da propriedade do grupo OAS para o ex-presidente", conclui.
3) Elementos que baseiam a acusação sobre o tríplex
A decisão de Sergio Moro é baseada em provas documentais, depoimentos de testemunhas de acusação e no que aponta como contradições nas explicações dadas por Lula.
Entre as provas estão documentos de aquisição de direitos sobre uma unidade em um edifício no Guarujá (SP), que pertencia à cooperativa Bancoop e depois passou ao grupo OAS. Nesses papéis, um deles assinado por Marisa Letícia, ex-primeira-dama morta neste ano, já havia anotações rasuradas sobre o apartamento tríplex. Segundo Moro, isso mostra que sempre houve a intenção de destinar o imóvel à família Lula.
A defesa do petista argumenta que quando Marisa comprou uma cota da Bancoop, a intenção era adquirir um imóvel para investimento, e que este seria uma "unidade simples".
Além disso, diz Moro, quando a cooperativa entrou em recuperação judicial e o empreendimento foi transferido para o OAS, os cooperados tiveram um prazo de 30 dias para decidir se fechariam novos contratos com a construtora ou pediriam a devolução dos valores pagos.
O magistrado afirma que não há registros de que Lula e Marisa tenham optado por algumas dessas alternativas. De acordo com a sentença, não existe compra do imóvel com a OAS nem houve a devolução do valor já pago - cerca de R$ 200 mil.
Outros documentos da construtora apontam, segundo a decisão, que o apartamento estava reservado para Lula e Marisa.
Moro segue falando da reforma do tríplex, situação que ajudaria a configurar a vantagem indevida dada pela OAS ao ex-presidente. A fim de embasar essas acusações, ele cita depoimento do ex-presidente do grupo, Leo Pinheiro, responsável pelas modificações no imóvel.
"Repetindo o que disse José Adelmário Pinheiro Filho (conhecido como Leo Pinheiro), 'o apartamento era do presidente Lula desde o dia que me passaram para estudar os empreendimentos da Bancoop, já foi me dito que era do presidente Lula e de sua família, que eu não comercializasse e tratasse aquilo como uma coisa de propriedade do Presidente'. A partir de então, através de condutas de dissimulação e ocultação, a real titularidade do imóvel foi mantida oculta", disse Moro.
O juiz também menciona depoimentos de uma funcionária da OAS e do zelador do prédio que acompanharam as visitas de Marisa Letícia e de Lula ao imóvel em 2014. De acordo com as testemunhas, o objetivo das visitas era verificar o andamento das obras, e eles não escutaram negociação de valores, indicando que os custos não estavam sendo pago pela família Lula.
Para Moro, as evidências deixariam claros os benefícios concedidos ao ex-presidente.
Já a defesa do petista diz que ele não pediu nem foi avisado de qualquer modificação no apartamento e que foi até lá apenas uma vez, em fevereiro de 2014, a convite de Leo Pinheiro, mas desistiu de imediato da aquisição do imóvel.
O magistrado também aponta contradições nos depoimentos de Lula à Polícia Federal em 2016, quando foi conduzido coercitivamente ao aeroporto de Congonhas, e em maio deste ano, em Curitiba.
Segundo a sentença, no primeiro interrogatório, Lula contou que decidiu recusar o apartamento após a segunda visita de Marisa Letícia, em agosto de 2014: "Eu tomei a decisão de não ficar com o apartamento", disse. Neste ano, ele afirmou que refutou a compra já na primeira visita.
Moro também falou de mudanças de versão sobre a reforma.
"No interrogatório policial, declarou que, após apontar defeitos no apartamento, José Adelmário lhe disse que apresentaria um 'projeto' ('vou tentar pensar um projeto para cá'). Já no interrogatório judicial, José Adelmário lhe disse apenas que 'eu vou dar uma olhada e depois falo com você', não tendo afirmado que faria alguma reforma ou no imóvel, nem isso tendo a ele sido solicitado", escreveu.
O juiz diz que a "única explicação disponível" para as inconsistências é que o ex-presidente "faltou com a verdade dos fatos".
4) O que Moro diz sobre as testemunhas de defesa
Ao falar sobre as testemunhas de defesa do ex-presidente, Moro diz que elas não tinham "conhecimento específico sobre o apartamento 164-A, tríplex, no Guarujá".
Ele cita "de passagem" vários nomes que "descreveram aspectos do trabalho da OAS Empreendimentos, mas afirmaram não ter conhecimento" sobre o imóvel.
O mais relevante das falas, segundo o juiz, é um argumento que conta contra o ex-presidente: a afirmação de que a OAS não tinha por praxe realizar reformas personalizadas nos apartamentos que vendiam, "salvo em situações bem excepcionais e máxime sem cliente definido".
5) A relação com o esquema da Petrobras
Segundo a sentença, os valores gastos pela OAS com o tríplex, no total de R$ 2.252.472, foram debitados de uma conta de propina que a empreiteira mantinha com o PT, e que teria sido abastecida por meio do esquema de corrupção na Petrobras.
Onde entra Lula? Segundo a sentença, diretores da Petrobras eram responsáveis por viabilizar o desvio de recursos públicos ilicitamente para partidos e políticos. E cabia a Lula, em seus anos como presidente, "indicar os nomes dos diretores ao Conselho de Administração da estatal".
Onde entra a OAS? A empreiteira faz parte do consórcio de construção da Refinaria Abreu e Lima, contratado pela Petrobras. É em relação a essa obra que Moro considerou haver crime de corrupção.
"Somente eles (contratos da Abreu e Lima) geraram parcela de propina destinada pela OAS a agentes do Partido dos Trabalhadores e à conta geral de propinas", escreve o juiz na sentença.
6) Lula teria recebido vantagens por atos que cometeu na Presidência
Parte dos benefícios da OAS para Lula teria sido disponibilizada em 2009 e parte em 2014, de acordo com a sentença.
Em 2009, a OAS assumiu o empreendimento Condomínio Solaris. Já em 2014, foi realizada a reforma no tríplex. Os acertos de corrupção remontariam a 2009, durante a contratação pela Petrobras do consórcio da Refinaria Abreu e Lima. Mas só em 2014, ano em que a operação Lava Jato foi deflagrada, os valores do imóvel e da reforma teriam sido "abatidos da conta corrente geral da propina".
Assim, Moro considera que o "acerto de corrupção" foi concluído em 2014, quatro anos após Lula ter deixado a Presidência da República, em 2010. Segundo o juiz, "não importa" que Lula já não exercia o mandato, "uma vez que as vantagens lhe foram pagas em decorrência de atos do período em que era presidente".
De acordo com a sentença, "os créditos de propina (...) visavam estabelecer uma relação vantajosa do grupo OAS com o governo federal". A sentença não cita, contudo, atos específicos de Lula, enquanto presidente, para favorecer a OAS.
7) Por que a sentença foi de nove anos e meio
A sentença foi dada por dois crimes: corrupção passiva e lavagem. Para o primeiro, Moro estabeleceu pena de seis anos de reclusão, justificada pelo recebimento de "vantagem indevida em decorrência do cargo de presidente da República". Já em relação ao segundo, por ter "ocultado e dissimulado vantagem indevida" ou seja, a propriedade do tríplex, o juiz determinou pena de três anos e meio.
No total, são nove anos e seis meses de reclusão.
Moro determinou a pena seja inicialmente cumprida em regime fechado, mas pediu a prisão imediata de Lula, que poderá recorrer em liberdade.
"Considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação (Tribunal de Justiça da 4ª Região) antes de se extrair as consequências próprias da condenação", justificou.
Devido à condenação por lavagem de dinheiro, Lula também ficaria impedido de exercer cargo público pelo dobro do tempo da pena de reclusão. É uma determinação prevista em lei. Não está claro, contudo, se o cálculo é feito apenas em relação aos três anos e meio referentes à pena de lavagem ou ao total da pena. No primeiro caso, a interdição seria de 7 anos. No segundo, de 19 anos.