Em guerra com o Planalto, Congresso quer Orçamento sem vetos
Notas das consultorias do Congresso dizem que a sanção integral do Orçamento não configuraria crime de responsabilidade
O impasse em torno do Orçamento de 2021 ganhou um novo capítulo nesta sexta-feira, 9, com uma verdadeira guerra de pareceres entre Congresso Nacional e Executivo. Em um movimento estrategicamente alinhado, Câmara e Senado se armaram com notas técnicas de suas respectivas consultorias para mostrar que o presidente Jair Bolsonaro pode sancionar o Orçamento sem vetos às emendas parlamentares. O Ministério da Economia, por sua vez, já prepara seu próprio embasamento jurídico para recomendar veto à proposta como defende o ministro Paulo Guedes, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
Por trás dessa ação estão os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que nos últimos dias já manifestaram contrariedade com a possibilidade de veto às emendas indicadas pelos parlamentares e que beneficiam seus redutos eleitorais. O movimento adiciona pressão sobre o Palácio do Planalto, após Bolsonaro ter sinalizado que fará um veto parcial para afastar riscos de cometer crime de responsabilidade, passível de impeachment.
As notas das consultorias atacam diretamente esse receio do presidente e dizem, com todas as letras, que a sanção integral do Orçamento não configuraria crime de responsabilidade. Mas nenhuma delas foi publicada oficialmente pelas consultorias e circulam no Congresso em caráter não oficial no dia em que continuam as negociações em torno da decisão final do presidente.
Apesar dos pareceres favoráveis à sanção, o Estadão apurou que o entendimento não é unânime e há consultores legislativos que veem risco de Bolsonaro avalizar a lei sem vetos e começar a executar o Orçamento com despesas subestimadas. Se o presidente não sancionar o projeto, não há risco de extrapolar o teto de gastos (a regra que limita o crescimento das despesas à inflação), enquanto a sanção pode ter efeito contrário e gerar consequências para o chefe do Executivo.
A nota da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara, assinada pelos experientes consultores Wagner Figueiredo Júnior e Ricardo Volpe, indica que Bolsonaro poderia sancionar o Orçamento sem vetos e fazer a recomposição posterior das despesas que ficaram subestimadas. Durante a tramitação, o relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), fez cortes em despesas obrigatórias como benefícios previdenciários, seguro-desemprego e subsídios a financiamentos rurais, elevando as emendas parlamentares em R$ 31,3 bilhões.
A recomposição dessas despesas, segundo a nota da Câmara, poderia ser feita por meio de projeto de lei para cancelar gastos relacionados às emendas e restituir as dotações necessárias às obrigatórias. Outra opção seria por meio de decreto, desde que haja o aval do relator às mudanças.
"Para recompor as despesas obrigatórias, o relator pode autorizar por ofício o cancelamento parcial de suas emendas", diz o documento. Bittar já enviou ao governo um ofício autorizando o cancelamento de R$ 10 bilhões em emendas - valor considerado insuficiente pela equipe econômica para reequilibrar o Orçamento. O decreto, segundo os consultores, também poderia cancelar outras despesas que não de emendas parlamentares.
"Nesse caso, o presidente estará adotando todas as medidas necessárias para a execução de todas as despesas obrigatórias e para o cumprimento de todas as regras fiscais, inclusive as referentes ao teto de gastos e a meta fiscal, não incorrendo em crime de responsabilidade", diz a nota da Câmara, elaborada a pedido do deputado Cacá Leão (PP-BA).
A nota técnica da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado é mais extensa e assinada por cinco consultores: Ana Cláudia Castro Borges, Flávio Diogo Luz, Marcel Pereira, Maurício Ferreira de Macedo e Vinicius Amaral.
Segundo o documento, mesmo que haja eventuais divergências em relação às despesas aprovadas no Orçamento, "não se identificou conduta tipificada como crime de responsabilidade em razão de sanção ou veto do projeto de lei". A nota afirma que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que tanto a sanção quanto o veto são "atos do caráter político do processo legislativo", enquanto um crime de responsabilidade passa por julgamento político-administrativo e requer a tipificação de tais infrações em lei federal.
"Desse modo, por se tratar de ato político e, por não constar do rol de tipificações da Lei nº 1.079/1950, a sanção não poderia isoladamente ser considerada crime de responsabilidade, devendo atos seguintes, devidamente tipificados, serem observados na execução orçamentária", diz a nota técnica.
Os consultores do Senado afirmam ainda que, embora a Lei Orçamentária "contenha imperfeições", entre elas a subestimativa de dotações destinadas a despesas necessárias ao cumprimento das obrigações da administração, o Poder Executivo pode adotar diferentes medidas corretivas, como o cancelamento de dotações via decreto, apresentação de projeto de lei para cancelar emendas e recompor despesas obrigatórias, vetar parcialmente determinadas programações (com envio de um projeto de crédito para realocar os recursos) e até mesmo alterar a Lei Orçamentária para ampliar o poder do Executivo para cancelar as emendas, ato que hoje requer aval do relator.
O parecer de hoje da Câmara contrasta com nota técnica "Consistência das Projeções e Cancelamento de Despesas Obrigatórias", publicada no dia 30 de março com uma opinião dura sobre o cancelamento das despesas obrigatórias, que não poderia ter sido empreendido pelo relator.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado também publicou nota em que calcula a necessidade de um corte de R$ 31,9 bilhões no Orçamento deste ano para evitar o rompimento do teto de gastos. O alerta foi de que o contingenciamento nas despesas discricionárias sozinho poderia não resolver o problema. O Tribunal de Contas da União (TCU), que apura a maquiagem nas contas do Orçamento, divulgou parecer preliminar inconclusivo, mas que já aponta inconsistências que terão que ser averiguadas com base em informações que terão de ser enviadas pelo Ministério da Economia e pela Casa Civil.