Entenda a proposta de Dilma para a reforma política
Presidente, que havia sugerido plebiscito, já admite referendo como forma de consulta popular; conheça os temas que podem ser alvo da reforma, como o financiamento de campanha
Depois de insistir em uma proposta de plebiscito para dar início à reforma política no País, a presidente Dilma Rousseff (PT) admitiu nesta terça-feira, pela primeira vez, que a consulta popular sobre o tema pode ser feita via referendo.
"Todos defendem a consulta popular. Seja na forma de referendo ou plebiscito. Eles desaguam em uma Assembleia Constituinte. Acho muito difícil não ser uma discussão interativa. Não sei a forma que vai ser, mas acho difícil não ser com consulta popular”, disse Dilma em entrevista à TV Band.
No referendo, a população confirma ou rejeita mudanças elaboradas, discutidas e já aprovadas pelo Congresso Nacional. Foi o que aconteceu no Brasil em 2005, quando a maioria dos eleitores rejeitou a proibição da venda de armas de fogo e munições. No plebiscito, por sua vez, a população é consultada primeiro, antes da criação de uma lei sobre determinado tema. Em 2011, os eleitores do Pará rejeitaram a divisão do Estado em três unidades territoriais por meio de plebiscito.
Resistência
Embora seja discutida há mais de 20 anos no Congresso, a proposta de reforma política ganhou força depois dos protestos de junho do ano passado, quando Dilma foi a público defender o plebiscito e a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para viabilizar as mudanças. A ideia provocou reação do Congresso e até do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), e a proposta de plebiscito acabou sendo enterrada.
Dilma voltou a insistir no tema durante a campanha e disse, em seu discurso de reeleita no último domingo, que daria prioridade à reforma política via plebiscito. As dificuldades, então, surgiram já no dia seguinte. Integrantes da base aliada e da oposição defenderam que o próprio Legislativo deve criar as regras, para, se necessário, submetê-las à validação da população por meio de um referendo. Foi o que disseram, por exemplo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Forma X conteúdo
A Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, composta por mais de 100 entidades – entre elas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – defende que a revisão do sistema político brasileiro seja feita por meio de um projeto de lei de iniciativa popular, como foi a Lei da Ficha Limpa. Para representantes da Coalizão, no entanto, a discussão da forma é importante, mas agora é o momento de priorizar o conteúdo.
“Precisamos criar um movimento muito grande no Brasil, algo que seja semelhante ao ‘Diretas Já’. A ênfase que precisa ser dada agora é ao debate do conteúdo”, afirmou Aldo Arantes, secretário-geral da comissão especial de mobilização para a reforma política da OAB.
Alguns temas defendidos pela Coalizão também já foram propostos pela presidente Dilma, seja durante a campanha, seja depois da reeleição, em entrevistas. É o caso, por exemplo, do fim do financiamento empresarial de campanhas (seriam aceitas apenas doações de pessoas físicas), da paridade de gênero nas listas partidárias e da eleição proporcional em dois turnos para deputados.
Para Arantes, da OAB, o sistema eleitoral de hoje, proporcional de lista aberta, favorece a eleição de quem tem dinheiro ou tem poder de influência sobre a população. “Aqui a gente vota em pessoas, e no Brasil ganha quem tem mais dinheiro ou então que é mais influente por ser apresentar de TV, jogador de futebol. Isso fragiliza os partidos. Então nossa proposta é que, no primeiro turno, o eleitor vote em propostas, no programa partidário. Depois, no segundo turno, ele escolherá o candidato de sua preferência. É uma proposta criativa, que assegura ao eleitor aquilo que a cultura política brasileira está acostumada, que é o voto em pessoas”, afirmou Arantes.
Leis que alteram o processo eleitoral só têm validade para a eleição seguinte se forem aprovadas até um ano antes do pleito. Para Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara, a discussão sobre a reforma política deve ser iniciada no primeiro semestre de 2015, para pegar o Congresso renovado e longe das próximas eleições. “O consenso é que isso é assunto para começar a discutir no ano que vem”, afirmou.
Conheça os temas da reforma política:
Financiamento de campanha
Atualmente, as campanhas políticas têm financiamento privado. Para os críticos, esse modelo leva os políticos a criarem vínculos com as empresas que os financiaram, o que tende a provocar o favorecimento de tais empresas durante o governo do eleito. Com o financiamento público, o dinheiro dos cofres públicos seria dividido de acordo com a composição das bancadas na Câmara dos Deputados, sendo ilegal a captação de empresas. Em sua campanha, Dilma defendeu o fim do financiamento empresarial nas eleições – apenas pessoas físicas poderiam repassar dinheiro às candidaturas. A oposição e o aliado PMDB são contrários ao financiamento público.
Sistema eleitoral
Dilma defende a eleição de deputados em dois turnos. O eleitor votaria na lista fechada de um partido e depois escolheria um nome dessa relação. O PMDB defende o voto majoritário para a Câmara, o chamado “distritão”, onde os mais votados seriam eleitos. Já o oposicionista PSDB quer o sistema do voto distrital misto, quando o eleitor vota em um partido e num candidato de seu distrito – os defensores desse modelo acreditam que os custos de campanha seriam reduzidos e que os eleitores ficariam mais próximos de seus candidatos.
Paridade de gênero
Em debates eleitorais, Dilma se disse a favor da paridade de candidaturas entre homens e mulheres, ou seja, defendeu o mesmo número de candidatos de cada sexo. A Coalizão pela Reforma Política pede ainda incentivos à representação das minorias (negros, índios etc), como estímulo econômico a partidos que incluam representantes das minorias em suas chapas.
Coligações partidárias
Atualmente, os partidos fazem coligações entre si tanto para eleições no Executivo (presidente, governadores e prefeitos) quanto no Legislativo (deputados federais, estaduais e vereadores). No entanto, as coligações nacionais não são necessariamente as mesmas dos Estados, gerando alianças diferentes nos planos federal e estadual. As coligações permitem ainda que deputados da mesma aliança sejam eleitos na esteira de outros bem-votados.
Reeleição
Aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a reeleição passou a ser combatida durante a campanha eleitoral pelos candidatos Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), que defenderam um mandato único de cinco anos. Um grupo de trabalho criado na Câmara para elaborar uma proposta de reforma política propôs o fim da reeleição com mandato de quatro anos. Em entrevista durante a campanha, Dilma disse que "não há governo efetivo em quatro anos" e pediu uma discussão clara sobre o mandato de cinco anos.
Suplência no Senado
Diferentemente do que ocorre na Câmara, os senadores são eleitos por voto majoritário, e não proporcional. O suplente é escolhido na chapa do senador e não participa da campanha, ou seja, não recebe votos. Assim, caso o senador eleito se ausente, o suplente assume mesmo sem ter sido escolhido nas urnas. A reforma política, então, discutiria a manutenção ou não da suplência no Senado.