Entenda como funciona nos EUA o gabinete da primeira-dama almejado por Janja no governo Lula
Nos Estados Unidos, primeira-dama tem função reconhecida pelo código de leis americanas; Janja quer gabinete formal no Palácio do Planalto
A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, afirmou que deseja ter um gabinete próprio no Palácio do Planalto, onde seu marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), despacha com auxiliares. Em entrevista ao jornal O Globo, neste domingo, 5, a socióloga cita as funções e atribuições exercidas pela primeira-dama dos Estados Unidos como exemplo ao defender a ampliação das responsabilidades da posição no Brasil.
"Falam muito de eu não ter um gabinete, mas precisamos recolocar essa questão. Nos EUA, a primeira-dama tem. Tem também agenda, protagonismo, e ninguém questiona. Por que se questiona no Brasil? Vou continuar fazendo o que acho correto. Sei os limites. Eu quero saber das discussões, me informar, não quero ouvir de terceiros", justificou.
Nos Estados Unidos, a primeira-dama tem as atribuições definidas pelo US Code (código de leis dos Estados Unidos), de 1978. De acordo com a mestre em Direito do Estado Maís Moreno, embaixadora da Harvard Kennedy School Women's Network no Brasil, apesar de uma regulamentação escassa e de exercer uma função simbólica, a primeira-dama americana tem acesso a um gabinete, direito de fazer viagens internacionais em nome dos interesses do Estado e defender causas públicas.
De acordo com o US Code, o presidente é autorizado a fornecer à primeira-dama "assistência e serviços".
"O presidente está autorizado a fornecer ao cônjuge a assistência prestada ao presidente no desempenho dos deveres e das responsabilidades da Presidência. Se o Presidente não tiver cônjuge, essa assistência e esses serviços poderão ser prestados para tais fins a um membro da família do presidente designado por ele", diz o código americano.
Apesar da citação no código de leis americanas, a norma que traça as diretrizes sobre a atuação da primeira-dama dos Estados Unidos é bastante flexível. De acordo com Maís, cada primeira-dama moldou a sua atuação de acordo com as suas predileções. As metas são apontadas por memorandos emitidos pela Casa Branca.
"A atuação da primeira-dama se dá de acordo com o perfil de cada uma. As diretrizes são estabelecidas por meio de alguns memorandos e normas internas que determinam o que será feito naquele mandato. É uma função simbólica, o arcabouço de regulamentação é escasso, e a primeira-dama não é remunerada. Na prática, é necessário a alocação de orçamento e recursos humanos para atender agendas, compatibilizar rotinas, mesmo em situações em que a primeira-dama não tenha uma atuação política", explicou Maís.
Brasil pode ser pioneiro no debate sobre funções da primeira-dama
O País pode ser pioneiro na discussão sobre a regulamentação da função de primeira-dama, caso o debate avance do ponto de vista normativo - que teria que ser apreciado pelo Congresso Nacional. A influência de Janja sobre Lula tem motivado ataques de opositores e preocupação no governo, que, por ora, vetou a instalação de um gabinete para ela no Planalto, onde o presidente despacha. Uma das críticas recorrentes é que ela extrapola os limites da atuação de uma primeira-dama e tenta influenciar em decisões que caberiam a políticos eleitos.
"A regulamentação pode ampliar a transparência e permitir um maior controle das atribuições. As primeiras-damas sempre implicam em algum tipo de gasto público. Algumas primeiras-damas ficaram alijadas da discussão política, enquanto outras assumiram uma posição de destaque, como foi Ruth Cardoso durante o governo FHC. Se existe essa atuação, é melhor que a gente saiba exatamente os limites dessa competência", disse Maís Moreno.
Um artigo da pesquisadora Ashlee A. Paxton-Turner, da Universidade de Massachusetts, explica que o próprio Congresso americano regulamenta o uso de fundos pela primeira-dama na execução de funções de Estado.
"O Congresso concede fundos à primeira-dama quando ela auxilia o presidente no desempenho de suas funções. Além disso, dispõe que se o presidente não é casado, ele pode selecionar outro parente para preencher esta função. Curiosamente, não especifica o sexo do parente ou do presidente, nesse caso. Mais importante ainda, esta disposição contempla ocupar o cargo mesmo que o presidente seja solteiro", disse a pesquisadora.
Para a advogada Maís Moreno, em artigo publicado sobre o tema, apesar de aumentar a transparência e expor com clareza as atribuições da função, a regulamentação pode fomentar uma exploração política do cargo.
"Há também os riscos de uma atividade pública regulamentada. Consta que, recentemente, foi desaconselhada a regulamentação da atividade de primeira-dama presidencial justamente por isso abrir flanco para uma exploração política do chefe do Poder Executivo. Bem, sem ônus, sem bônus. Sem regulamentação, é difícil sustentar, por exemplo, a manutenção de uma equipe destinada a atingir os objetivos determinados por uma primeira-dama. O procedimento de regulamentação, se feito com debate público ampliado, poderia ajudar a traduzir, ao menos, o que a sociedade enxerga e espera desse papel", disse.