Especialistas: intervenção militar constitucional não existe
Expressão vem sendo utilizada nas redes sociais como meio para destituir o governo eleito
Nos últimos dias, uma expressão curiosa tomou conta das redes sociais: em posts inflamados, alguns internautas bradam pela “intervenção militar constitucional” como forma de destituir o governo eleito. Mas isso, afinal, existe? Advogado e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Fernando Jayme é taxativo: é impossível, simplesmente porque não está, de forma alguma, previsto na Constituição Federal. “Isso é golpe. Não há intervenção militar com consentimento da Constituição, que define as atribuições das Forças Armadas, subordinadas ao Presidente da República, eleito pelo povo e dono do poder”, diz.
Alguns eventos no Facebook divulgam a ideia na rede. Um dos que pedem intervenção, marcado para domingo (15), garante que “se for um pedido do povo não é golpe, é intervenção”. Até o fechamento desta reportagem, dos mais de mil convidados, pouco mais de cem haviam confirmado presença. O evento “Intervenção Militar Constitucional” vai mais longe. Com cerca de 500 confirmações, os organizadores pedem às Forças armadas que convoquem “uma ou mais audiências com cidadãos escolhidos dentre os que assinam para levar até o conhecimento de vossas excelências uma pauta de reivindicações do povo, discutir a situação política, governamental, estrutural e organizacional do nosso país”.
O Terra tentou contato com os organizadores dos eventos citados e com administradores de outras duas páginas sobre o tema, mas, até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.
Jayme explica que o cenário não encontra nenhum amparo na lei brasileira. O artigo 142 da Constituição deixa claro que as Forças Armadas “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
O parágrafo segundo do artigo 15 da Lei Complementar nº 97, de 1999, reforça: “A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.”
Resumindo: elas estão sob comando absoluto da presidência e, portanto, não podem se voltar contra ela - pelo menos não constitucionalmente. “Seria um golpe, e o golpe é a ruptura da ordem institucional e uma agressão ao estado de direito, implementando um estado de exceção”, destaca o advogado.
Diretora geral do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) e professora da PUC-SP, Maria Garcia reforça que há apenas duas vias legítimas para um presidente deixar o poder: impeachment ou renúncia. “As Forças Armadas estão subordinadas ao presidente para manter a ordem, nunca para destituir um governante democraticamente eleito. O melhor remédio é resolver pelas vias constitucionais. A própria Constituição já apresenta a via pacífica”, explica.
A professora aponta que existe, sim, a chamada intervenção constitucional, mas não é militar e não tem nada a ver com Exército, Aeronáutica e Marinha. Ela está prevista nos artigos 34 e 35 da Constituição, que determinam que a União somente poderá intervir nos estados, municípios e no Distrito Federal em casos especificados por lei - como a manutenção da integridade nacional e da ordem pública.
Em nota, o exército explica que “é uma instituição secular do Estado Brasileiro que pauta suas ações conforme o previsto na Constituição Federal. Assim, não cabe à Força Terrestre apresentar juízo de valor em relação aos assuntos políticos da Nação.”