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Política

Estado brasileiro é Robin Hood ao contrário, diz MTST

23 set 2015 - 13h11
(atualizado às 14h59)
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Manifestantes de movimentos sociais ocupam o prédio do Ministério da Fazenda, em Brasília
Manifestantes de movimentos sociais ocupam o prédio do Ministério da Fazenda, em Brasília
Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

Em meio à instabilidade política e econômica que cerca o governo Dilma Rousseff, a presidente enfrenta desgaste também junto aos movimentos sociais, tradicional base de apoio do PT. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizou na manhã desta quarta-feira manifestações em mais de dez capitais – entre elas São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – contra os cortes dos gastos sociais, especialmente a redução de recursos para o Minha Casa, Minha Vida.

As contratações para construção de novas moradias na faixa 1 do programa – a que atende as famílias de menor renda e exige subsídios maiores do governo – estão paralisadas e sem previsão de retomada. Em entrevista à BBC Brasil, Guilherme Boulos, principal liderança do MTST, diz que os mais pobres não aceitam pagar a conta da crise e cobra mais impostos sobre os segmentos de maior renda da sociedade.

Ele defende, por exemplo, a taxação de grandes fortunas e dos lucros e dividendos das empresas. Por outro lado, critica os gastos do governo com a dívida pública, que consomem mais de 40% do Orçamento. "A carga (tributária) é ridícula em relação a quem de fato pode pagar. O grande problema é a má distribuição (da cobrança de impostos). O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública", afirma.

Segundo Boulos, o movimento repudia as tentativas de impeachment da presidente, não vê ganhos em um eventual governo do atual vice Michel Temer, mas nem por isso deixará de criticar a política econômica. "O MTST não aceita esta política, independentemente de quem esteja aplicando, seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados, como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco. Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável", disse.

Os protestos desta quarta-feira contam com o apoio de funcionários públicos, que convocaram uma paralisação nacional por meio do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais. O MTST não deve voltar às ruas no dia 2 de outubro, quando outros movimentos estão convocando uma manifestação "contra o golpe" para retirar Dilma da Presidência.

Manifestantes de movimentos sociais ocupam o prédio do Ministério da Fazenda, em São Paulo
Manifestantes de movimentos sociais ocupam o prédio do Ministério da Fazenda, em São Paulo
Foto: Peter Leone / Futura Press

Leia abaixo a entrevista concedida à BBC Brasil por email e telefone.

BBC Brasil - Qual a motivação dos protestos?

Guilherme Boulos - As mobilizações desta quarta ocorrem pela opção do governo em cortar mais investimentos sociais, particularmente em moradia, como forma de responder à crise.

O orçamento do Minha Casa, Minha Vida enviado para o Congresso, de R$ 15,6 bilhões em 2016, já seria muito insuficiente. Os novos cortes (anunciados em R$ 4,8 bilhões) comprometem ainda mais. Já dissemos e repetimos: não aceitamos pagar a conta da crise. Há outras saídas possíveis.

BBC Brasil - Os protestos são contra o governo? Por quê?

Boulos - São contra a política de austeridade e cortes, que está sendo implementada pelo governo Dilma e também pelos governos estaduais.

O MTST não aceita essa política, independentemente de quem esteja aplicando - seja o governo liderado pelo PT, na esfera federal, ou pelo PSDB em Estados como São Paulo. Pau que bate em Chico bate em Francisco.

BBC Brasil - Em meio à instabilidade política e às tentativas de impeachment contra a presidente, o movimento não teme enfraquecer mais o governo com os protestos?

Boulos - Veja, achamos que o que enfraquece este governo é sua definição de aplicar um programa oposto em relação ao que foi eleito pela maioria.

O que enfraquece este governo é, a cada grito da banca (mercado financeiro), da mídia ou do PMDB, anunciar novas medidas de austeridade. Fica refém e perde base de apoio na sociedade. Se o governo quer ser defendido, ele precisaria primeiro tornar-se defensável.

BBC Brasil - O governo parece cada vez mais fraco. Os processos contra a presidente têm avançado no TCU e no TSE. O movimento está preocupado com uma possível queda da presidente?

Boulos - O MTST repudia qualquer saída à direita para a crise política. Acreditar que (o vice-presidente Michel) Temer representaria algum avanço para os interesses populares é de uma cegueira impressionante. Surfar na onda do impeachment achando que os trabalhadores podem ganhar com isso é tolice ou oportunismo.

MTST, liderado por Guilherme Boulos (foto), irá às ruas em mais de dez capitais nesta quarta
MTST, liderado por Guilherme Boulos (foto), irá às ruas em mais de dez capitais nesta quarta
Foto: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas)

Não caímos nessa e vemos que a tentativa do PSDB e de setores amplos do PMDB, articulados com figuras como (o ministro do STF) Gilmar Mendes no Judiciário, querem derrubar Dilma para implantar algo ainda mais agressivo à maioria popular.

Mas, ao mesmo tempo, isso não vai nos deixar imobilizados ante os ataques que têm vindo do governo. O governo tem tomado a opção de repactuar com o PMDB e setores da direita a qualquer custo. Essa opção tem um preço.

BBC Brasil - Como o movimento vai reagir no caso de um impeachment?

Boulos - O MTST está e estará mobilizado contra os ataques aos direitos sociais e também contra qualquer saída mais à direita para a crise.

BBC Brasil - A terceira fase do Minha Casa, Minha Vida aumentou o valor das prestações para as famílias mais pobres. Além disso, as concessões para faixa 1, destinadas aos mais pobres, estão paralisadas. Qual a avaliação do movimento sobre o MCMV 3?

Boulos - O anúncio do Minha Casa, Minha Vida 3 no dia 10 pela presidenta incorporou pautas importantes do MTST e dos movimentos de luta por moradia, como maior prioridade ao Entidades (modalidade em que as moradias subsidiadas no programas são erguidas pelos movimentos sociais, e não por construtoras), aumento do limite da faixa 1 (teto da renda familiar nesta faixa subiu de R$ 1.600 para R$ 1.800), recurso para equipamentos públicos (escolas, postos de saúde, etc), entre outros pontos.

Houve essa redução do subsídio, que de fato prejudica a capacidade de pagamento das famílias que ganham entre R$ 800 e R$ 1.800 (ao elevar as prestações). Mas, além disso, o que é pior é que criou-se uma situação de "ganhar e não levar". Não adianta melhorar pontos no programa e não dar orçamento, não ter meta de contratação. Esse é o principal problema e é por isso que estaremos nas ruas nesta quarta.

BBC Brasil - Como foi a reunião com a presidente para discutir o programa na semana passada?

Boulos - A reunião em si, como disse, atendeu pautas dos movimentos. Mas quatro dias depois lá estava o governo em cadeia nacional anunciando novos cortes. Aí não dá!

BBC Brasil - Já que o movimento se opõe aos cortes de gastos, quais medidas o MTST defende para resolver o problema do Orçamento?

Boulos - O movimento defende que quem pague a conta da crise seja o andar de cima, não o andar de baixo. Você não tem imposto sobre grandes fortunas, você não tem imposto sobre distribuição de lucros e dividendos.

Um recurso inacreditável da União é destinado a juros e amortizações da dívida pública (mais de 40% do Orçamento). A Constituição de 88 prevê uma auditoria da dívida pública que nunca foi feita nesses quase 30 anos. O movimento defende esse tipo de medida para equacionar o preço da crise.

Boulos, na foto com Lula, diz que Minha Casa, Minha Vida é importante, mas precisa melhorar
Boulos, na foto com Lula, diz que Minha Casa, Minha Vida é importante, mas precisa melhorar
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

BBC Brasil - O movimento não entende que a carga tributária no Brasil já é alta, como dizem muitas pessoas?

Boulos - Alta para quem, né? Mais de 50% da carga incide sobre consumo. Imposto sobre a renda é 20% no total, imposto sobre propriedade é 4%. Então, a carga é ridícula em relação a quem de fato pode pagar.

Você pode inclusive reduzir imposto sobre consumo e aumentar a taxação sobre capital financeiro, especulativo e sobre propriedade, sobre imóveis, tanto rurais quanto urbanos.

A carga do Brasil é alta para os mais pobres e até para os setores médios. Quem ganha até dois salários mínimos deixa 54% de seus gastos em impostos. Já quem ganha mais de 30 salários deixa 29%.

Ou seja, o grande problema é a má distribuição. O Estado brasileiro funciona como um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres pelos impostos e dá aos ricos pelos juros da dívida pública.

BBC Brasil - Qual balanço faz do Minha Casa, Minha Vida?

Boulos - O programa Minha Casa, Minha Vida é importante na medida em que o Brasil ficou 20 anos, desde o BNH (Banco Nacional da Habitação, extinto em 1986), sem programa habitacional. Mas é um programa cheio de contradições. Ele precisa ser alterado, precisa ser modificado.

A questão do papel das empreiteiras em produzir habitação de baixa qualidade e tamanho ruim precisa ser revisto. Quem ganha mais hoje com o programa são as empreiteiras.

Agora, mais do que isso, precisamos de uma política urbana de combate à especulação imobiliária. Combater essa lógica de cidade que na prática é uma máquina de criar novos sem-teto.

Você constrói novas habitações pelo Minha Casa, Minha Vida, mas tem novos despejos a cada dia, especulação imobiliária crescendo, as pessoas sendo expulsas das regiões por conta do valor proibitivo do aluguel e da especulação imobiliária.

BBC Brasil - A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada uma Medida Provisória que permite que unidades do Minha Casa, Minha Vida sejam disponibilizadas para profissionais envolvidos na Olimpíada antes da entrega para os usuários. Agora, segue para votação no Senado. O movimento vê algum problema?

Boulos - Achamos que deveriam utilizar os imóveis novos de alto padrão na Barra da Tijuca para isso...

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