Estados atrasam investimentos e podem 'desperdiçar' R$ 370 milhões de fundo de segurança pública
Prazo para uso de verba federal para investimentos na área se encerra em dezembro, e gestores têm dificuldade para dar vazão ao recurso
BRASÍLIA - A seis meses do fim do ano, os 26 Estados e o Distrito Federal correm o risco de perder R$ 370 milhões repassados pela União, desde 2019, por atraso na aplicação da verba em políticas de segurança pública.
O valor corresponde ao saldo em conta dos repasses, feitos por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), cujo prazo vence em dezembro. São R$ 131 milhões empoçados referentes ao repasse feito em 2019 (houve 93% de execução do total repassado desse ano) e mais R$ 239 milhões do total repassado no exercício de 2020 (do qual, 84% foi executado).
O orçamento transferido do FNSP aos Estados deve ser usado para custear políticas para segurança pública, com base em critérios definidos pelo governo federal. As prioridades devem ser a redução de homicídios, combate ao crime organizado, defesa patrimonial, enfrentamento à violência contra a mulher e melhoria da qualidade de vida das forças de segurança.
O fundo foi criado em 2018, sob o governo de Michel Temer, para apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência. Administrado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o dinheiro do fundo deve ser destinado a programas de reequipamento, treinamento e qualificação das Polícias Civis e Militares, Corpos de Bombeiros e Guardas Municipais, sistemas de informações, de inteligência e investigação, modernização da Polícia Técnica e Científica e programas de policiamento comunitário e de prevenção ao delito e à violência.
Assim, essa verba não pode ser usada para pagar salários e benefícios e nem transferida para outros Estados e entidades do terceiro setor, por exemplo. Uma equipe técnica do MJSP analisa a destinação dos recursos antes de aprová-la.
De 2019 a 2023, a União repassou R$ 4,4 bilhões, dos quais quase metade (R$ 2,8 bilhões) ainda está em saldo para executar. Em 2024, a previsão é de que o repasse seja de R$ 1,1 bilhão.
Se os Estados não usarem os recursos até dezembro, os R$ 370 milhões referentes aos anos de 2019 e 2020 terão de ser devolvidos e irão para o pagamento da dívida pública. Agora, o MJSP articula para estender esse prazo e dar maior tempo para os governadores executarem 100% desse dinheiro.
O empoçamento desses valores se tornou uma das preocupações da nova diretora do fundo, Camila Pintarelli, que assumiu o posto em março. A pasta identificou que as secretarias estaduais de Segurança Pública vinham apresentando dificuldades técnicas para fazer esse gasto de forma eficiente.
Nomeada pelo ministro Ricardo Lewandowski, Camila criou a Rede Interfederativa do FNSP, que consiste em reforçar o diálogo e o apoio aos gestores estaduais, para ajudá-los na execução da verba. São feitas reuniões mensais com as autoridades competentes de cada Estado em que são tiradas dúvidas a respeito do processo.
"Pode parecer bobo, mas isso tem um efeito prático transformador. Ao colocar todos na mesma mesa, eles percebem que conseguem aprender com a experiência uns dos outros. Com essa rede, a gente consegue tirar dúvidas em escala", diz Camila.
Desde que foi implementada há quatro meses, essa rotina de acompanhamento ajudou os Estados a destravarem cerca de R$ 800 milhões dos R$ 2,8 bilhões repassados - que estão reservados pelos governos estaduais para execução.
A ideia da Secretaria Nacional de Segurança Pública, sob o comando de Mario Sarrubbo, é permitir que os Estados consigam, daqui em diante, usar com mais facilidade esse orçamento, de modo a livrá-los da necessidade de um acompanhamento constante como o que está sendo feito.
"A gente tinha muito problema com entraves burocráticos para que esses investimentos pudessem ser feitos. Nossa missão é deixar políticas estruturantes, que sirvam para sempre, qualquer que seja o governo que assuma aqui", afirma Sarrubbo.
Existe uma discrepância na execução dessa verba entre os Estados: enquanto uns investiram quase todo o montante recebido, outros pouco o usaram. São Paulo aparece no topo do ranking, tendo executado 85% dos R$ 168,8 milhões transferidos de 2019 a 2022. Em seguida vêm Rio Grande do Sul (85% dos R$ 130,9 milhões) e Paraná (71,4% dos R$ 132,6 milhões).
Na outra ponta, Santa Catarina ocupa a última posição, tendo gasto apenas 34,2% dos R$ 100,9 milhões recebidos nesse período. Questionada da razão no atraso desses investimentos, a Secretaria de Segurança Pública catarinense informou, por meio de nota, que "dificuldades como a mudança da lei de licitações, onde todos os processos em Santa Catarina haviam ficado suspensos até readequação, já foram superadas e, neste ano de 2024, os recursos referidos estão em vias de contratação e execução em sua totalidade".