Estados contrataram empresa que ofereceu para Abin programa de espionagem investigado pela PF
Nove governos estaduais firmaram contratos com a Cognyte, a maioria com dispensa de licitação; Executivos afirmam que não ilegalidades nas negociações
Nos últimos cinco anos, nove Estados firmaram contratos com a empresa que ofereceu a ferramenta israelense usada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no governo de Jair Bolsonaro (PL), para monitorar jornalistas, políticos e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram mais de R$ 60 milhões em contratos, a maioria com dispensa de licitação, em todas as regiões do País.
Os contratos com secretarias de Segurança Pública e Ressocialização eram para compra de equipamentos para identificação, rastreamento, monitoramento e interceptação telemática e telefônica; bloqueio de sinal de celulares; soluções de tecnologia da informação e prestação de suporte técnico e manutenção da plataforma de busca de dados em fontes abertas. O levantamento foi realizado pela GloboNews. Os serviços são legais se tiverem autorização judicial.
A Cognyte também é fornecedora do programa FirstMile, sistema de monitoramento usado indevidamente por servidores da Abin, capaz de detectar um indivíduo com base na localização de aparelhos telefônicos que usam as redes 2G, 3G e 4G. Para encontrar o alvo, basta digitar o número do seu contato telefônico no programa e acompanhar em um mapa a última posição.
Em São Paulo, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) contratou, sem licitação, os serviços da Cognyte com empenho de R$ 9 milhões em julho deste ano. O uso é pela Diretoria de Tecnologia da Informação e Comunicação da Polícia Militar. No governo de João Doria, em 2021, o Estado também firmou contrato com a empresa de serviços pela Polícia Civil no valor R$ 5,9 milhões.
Por nota, a Secretaria Estadual de Segurança Pública afirmou para a GloboNews que "o sistema citado pela reportagem é utilizado pelas forças de segurança do Estado em operações de combate ao crime organizado, sequestros e demais ações em proteção da sociedade" e disse que não há irregularidade no uso do software.
No Estado do Espírito Santo, a Polícia Militar fez a contratação de soluções de Tecnologia da Informação, sem licitação, no valor de R$ 12,1 milhões, em 2018. A PM informou que as operações de inteligência são realizadas mediante a supervisão do Ministério Público, que não possui a solução tecnológica FirstMile e que o contrato com a empresa "se destinou a adquirir solução de inteligência tática que não possui capacidade de afastar o sigilo de comunicações telefônicas ou telemáticas".
No Alagoas, o contrato foi feito com a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social para compra de recursos essenciais para o equipamento Maleta Tática GI2, no valor de R$ 2,4 milhões em 2020. O governo do Estado afirmou que o contrato foi descontinuado em 2021.
A Polícia Civil do Amazonas firmou contrato de R$ 6 milhões para a "aquisição do equipamento satelital para identificação, rastreamento, monitoramento e interceptação de indivíduos em atividades relacionadas ao tráfico de drogas em ambiente urbano e florestal" em 2022. O governo afirmou que "a solução adquirida pelo Amazonas é legal, auditável e seu uso controlado", e ressaltou que não adquiriu o programa FirstMile.
No Mato Grosso, o contrato de R$ 4,7 milhões foi para compra de equipamento tático de localização de celulares, GI2S, em 2022. Segundo o governo, a aquisição seguiu os requisitos legais, com parecer favorável da Procuradoria-Geral do Estado e dos órgãos de controle, e que a Polícia Civil do Estado de Mato Grosso não adquiriu a solução denominada FirstMile.
Já no no Rio Grande do Sul, os serviços, no valor de R$ 5,4 milhões, contratados em 2023 foram para a Divisão de Operações de Inteligência Policial. O governo informou que o contrato é referente ao empenho para eventual aquisição da ferramenta da GI2, e não para a solução FirstMile.
Em Goiás, o valor do contrato foi de R$ 7,7 milhões para solução de interceptação telefônica e telemática para a Polícia Civil. No Pará, o contrato de 2021, é de R$ 7,8 milhões. O objeto é a compra de equipamento em soluções tecnológicas para aplicação tática pela Polícia Civil, com dispensa de licitação. Também em 2021, Santa Catarina contratou a empresa para "prestação de serviço especializado, de suporte técnico e manutenção da plataforma de busca de dados em fontes abertas" por R$ 490 mil. Houve dispensa de licitação nos três casos. Esses Estados não responderam à reportagem da GloboNews.
Exército e Marinha também contrataram empresa
O Exército e a Marinha também contrataram a empresa, como mostrou o Estadão. Os contratos mais recentes, firmados com dispensa de licitação, foram fechados em 2018 e 2019, conforme registros públicos. No caso do Exército, o acordo se deu por meio do escritório de Washington - um mecanismo de compras que está sob cujas compras estão sob investigação do Tribunal de Contas da União (TCU).
O Exército pagou US$ 10,7 milhões à Verint Systems LTD para "ampliação da plataforma Verint de Inteligência" pelo período entre 23 de outubro de 2018 a 30 de março de 2022. Era uma aquisição atrelada à base do Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército.
Em nota, o Exército disse que não poderia responder às perguntas feitas pelo Estadão porque, conforme a Lei de Acesso à Informação, são consideradas sigilosas informações que afetam "áreas de interesse estratégico nacional" e podem "pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades".
Já o Comando da Marinha fez a compra por meio do seu Centro de Inteligência e pagou US$ 200 mil para "contratação de serviços referentes à aquisição tecnológica do sistema Verint". O acordo também se deu por inexigência de licitação e não tem detalhes divulgados.
A Marinha afirmou que "o contrato citado possui caráter sigiloso, por conter informações sensíveis, relacionadas à atividade de inteligência voltada ao desempenho operacional da Força", mas disse que "desenvolve as referidas atividades em conformidade com a Constituição Federal e com as normas constantes no ordenamento jurídico nacional".