Evangélicos têm desempenho eleitoral acima da média no PT em meio a empenho por aproximação
No maior partido de esquerda do País, 243 dos 2.138 candidatos evangélicos se elegeram nas eleições, uma taxa de 11,3%, superior até a católicos petistas
BRASÍLIA - "Obrigada, Jesus, obrigada minha comunidade pelos 5.443 votos de confiança. Vocês são feras, só venci pela vontade do Senhor e pela força e coragem de vocês". A mensagem de agradecimento de Neia Marques, após o resultado das urnas nas eleições municipais, dá o tom do perfil da vereadora eleita em Belém. Petista e evangélica, ela é uma dos 243 candidatos eleitos pelo partido que professam uma denominação religiosa que vive relação conturbada com o partido.
O distanciamento ideológico entre o Partido dos Trabalhadores e evangélicos não impediu que candidatos ligados a igrejas protestantes tivessem desempenho superior à media entre os eleitos pelo partido. Dos mais de 15 mil candidatos lançados petistas que registraram alguma crença religiosa (no total são mais de 32 mil), 2.138 eram evangélicos. Cerca de 11,3% deles se elegeram vereadores e prefeitos no último domingo. O desempenho é superior à média (9,3%) e até mesmo aos petistas católicos (9,6% dos 10.159 candidatos desse segmento se elegeram).
O PT elegeu 3.365 candidatos ao todo pelo País, mas somente 1,4 mil compartilhavam informações sobre a crença religiosa na ficha de filiação. Apesar de haver esse campo para preenchimento no registro partidário do PT desde 2008, ele não é obrigatório. Além dos 243 evangélicos (17,3% dos eleitos com dados de religião), há 977 católicos (69,8%), 49 espíritas (3,5%) e 47 da umbanda e candomblé (3,3%). Outros 82 informavam uma religião diferente (5,8%), fora um budista e um judeu.
Apesar de diaconisa de uma igreja pentecostal, Neia não usou a religião como principal mote de sua campanha. Em suas redes sociais, ela nem mesmo se define como tal. Em vez disso, destaca o fato de ser assistente social e ocupado o cargo de conselheira tutelar de Belém.
O PT também elegeu vereadores nas capitais João Pessoa (Marcos Henriques, 5.420 votos) e Campo Grande (Landmark, 4.022 votos). Por outro lado, houve naufrágios de candidaturas como a do pastor Wellington do Pinheiro, engajado no projeto petista de dar mais visibilidade ao segmento e aposta do PT para a Câmara Municipal de Maceió.
Os dados mostram que o segmento evangélico continua subrepresentado entre as candidaturas do PT, ainda que os dirigentes venham se esforçando para dar espaço ao grupo dentro do partido. Se quase dois em cada dez petistas eleitos no domingo são evangélicos, a proporção na população brasileira supera 30%, segundo estimativas.
"Os evangélicos do campo progressista têm buscado cada vez mais o PT como um partido que se compromete a enfrentar os problemas sociais. Anteriormente, muitos não se viam representados dentro do PT, mas, a partir deste movimento de aproximação, aliado ao rompimento com os preconceitos que viam o partido como distante, essa nova perspectiva tem sido fundamental para o crescimento dessa aliança", afirma Gutierres Barbosa, coordenador do setorial inter-religioso do partido.
Carô Evangelista, diretora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e que tem acompanhado como partidos trabalham a questão religiosa nas eleições, pondera que os dados de autodeclaração por si só são insuficientes para avaliar como esses candidatos mobilizaram sua identidade religiosa na campanha — e se isso foi determinante para seu desempenho. Mas ela vê uma tendência nos partidos de esquerda em adotar essa abordagem.
"Essa mobilização da identidade religiosa aparece mais presente nos partidos de centro-direita e é mais evangélica. Mas desde as eleições de 2020 ela vem aparecendo nas candidaturas de partidos de esquerda. Isso acontece como uma reação do campo progressista ao conservador, visando ter uma aderência mais forte junto à população", diz ela.
A cientista política também vê diferenças na abordagem de ambos os campos ideológicos em relação a essa identidade. "Progressistas tendem a uma postura mais programática, mais no lugar de afirmar que 'sim, eu posso ter essa religião, professar essa fé e mesmo assim defender o Estado laico'. Enquanto na direita (trata-se) mais de comunicar valores", afirma.
Busca pro reaproximação teve trabalho interno
Os números também são interpretados pelos dirigentes como resultado de medidas práticas implementadas neste ano. Na tentativa de se aproximar dos evangélicos, o partido realizou um seminário em agosto para orientar seus candidatos evangélicos a comunicar os feitos dos governos do PT "à luz da Bíblia" e ajudar a rebater ataques contra a esquerda.
Organizado pelo núcleo evangélico e pelo setorial inter-religioso do PT, coordenado por Gutierres Barbosa, o evento virtual ofereceu uma estratégia de comunicação aos candidatos evangélicos. Lideranças protestantes petistas, como o ministro Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), participaram do evento.
A ideia do PT era dialogar com o segmento evangélico, ao mesmo tempo em que alinhava com seus candidatos um padrão de defesa do partido diante de eventuais questionamentos que viessem de dentro dos templos. Em algumas denominações, como a Igreja Universal, de Edir Macedo, pastores pregam que é "impossível ser cristão e de esquerda" — e os dirigentes petistas queriam ensinar seus quadros a rebater as acusações.
Dias depois do seminário, a Fundação Perseu Abramo, entidade vinculada ao PT, lançou uma cartilha para facilitar o diálogo de seus quadros com o eleitorado evangélico. Intitulado "Cartilha evangélica: diálogo nas eleições", o documento trouxe uma série de orientações e sugestões de abordagem para com a comunidade religiosa e até mesmo indicações de salmos.
Assim como as diretrizes repassadas durante o seminário nacional, o PT destacava na cartilha que os governos petistas aprovaram medidas benéficas aos evangélicos, como a Lei da Liberdade Religiosa e a instituição do Dia Nacional da Marcha para Jesus, por exemplo. E também ensinava como lidar com perspectivas adversárias sobre a religião:
"Grupos políticos conservadores têm usado a ideia da perseguição à fé cristã como isca aglutinadora dos evangélicos. Nesse sentido, é essencial afirmar a liberdade religiosa e respeitar as opiniões, de modo a evitar aglutinar os conservadores junto aos fundamentalistas", orienta o texto.