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Política

Ex-assessor de Trump diz que "importância da eleição no Brasil será enorme", mas nega que trabalhará para Bolsonaro

Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Jason Miller afirmou que a PF fez 'jogo psicológico' ao ouvi-lo no aeroporto de Brasília e que STF agiu de modo 'politicamente motivado'

14 set 2021 - 16h04
(atualizado às 16h38)
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Jason Miller, Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro em Brasília
Jason Miller, Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro em Brasília
Foto: Reprodução/Twitter / BBC News Brasil

"Está bastante claro que a mídia de esquerda quer atacar o presidente Bolsonaro e removê-lo do cargo como forma de derrotar o movimento populista em todo o mundo. A importância da eleição no Brasil vai ser enorme, não só para o presidente Bolsonaro", professa o ex-porta-voz de Donald Trump, Jason Miller, em entrevista exclusiva à BBC News Brasil.

"Veja, por exemplo, a influência do Partido Comunista Chinês no que se refere ao Brasil, que é um país enorme no Hemisfério Ocidental. Então há muitas ramificações a partir do resultado desta eleição", diz, mencionando o principal antagonista dos Estados Unidos no mundo hoje, a China.

Apesar do diagnóstico eleitoral, Miller, que esteve no Brasil há uma semana para participar do seminário conservador CPAC Brasil, organizado por Eduardo Bolsonaro, diz que não se envolverá na campanha de reeleição de Jair Bolsonaro em 2022.

Depois de participar das campanhas do ex-presidente americano em 2016 e 2020, ele agora se apresenta como "um homem de negócios". "Não vou me envolver em nenhum ato de campanha, estou preocupado em aumentar o número de seguidores da minha rede", garante.

Há alguns meses, Miller deixou sua posição como assessor do republicano para se tornar CEO da GETTR, uma rede social recém lançada que se vende como um porto seguro para todos os que temem ter seus perfis banidos ou silenciados por violar os termos de uso de plataformas como Twitter ou Facebook — e que caiu nas graças de políticos e militantes de direita.

O surgimento da rede, que Miller define como uma plataforma "em defesa da liberdade de expressão", parece uma óbvia resposta ao fato de que Donald Trump acabou desprovido de suas contas, com dezenas de milhões de seguidores, após postar mensagens que, segundo Facebook e Twitter, insuflaram ainda mais seu grupo de apoiadores que levava a cabo uma invasão ao Congresso americano, em 6 de janeiro. Miller, no entanto, nega que Trump esteja por trás da iniciativa.

"Não tem nada a ver com ele (Trump), mas esperamos muito que ele entre na plataforma. Tomei conhecimento da GETTR quando estava trabalhando para o presidente Trump na fase de pós-presidência, conversando com várias empresas que estavam falando sobre o desenvolvimento de plataformas ou já tinham começado a desenvolvê-las. E quando eu vi (a GETTR), eu disse pra mim mesmo: 'Ei, este é o futuro, eu quero fazer parte disso'. Então, pedi demissão da minha posição com o presidente Trump para vir pra GETTR", afirmou Miller. Se Trump ainda não criou seu perfil, Bolsonaro e os filhos já são presenças na rede de Miller.

Questionado se o próprio Trump deve embarcar na campanha de Bolsonaro, inclusive com a possibilidade de vir ao Brasil para endossá-lo, Miller afirmou que "o presidente Trump fala muito bem do presidente Bolsonaro" e mencionou que o republicano anunciou no último sábado, em entrevista por ocasião da luta de boxe entre Vitor Belfort e Evander Holyfield na Flórida, que "ama o presidente do Brasil" e que Bolsonaro "trabalha duro pelas pessoas". Não quis, no entanto, ir mais longe. "Não seria apropriado falar em nome do presidente Trump, já que não trabalho mais para ele", disse Miller.

Justiça brasileira "devia fazer sua lição de casa"

A viagem de Miller ao Brasil para promover sua rede social entre conservadores dias antes dos atos organizados pelo presidente Bolsonaro para o 7 de Setembro entrou no radar das autoridades brasileiras.

Como resultado, houve ao menos duas ações distintas do Judiciário em relação ao empresário. A primeira veio no próprio dia 7 de setembro, quando Miller foi parado no aeroporto de Brasília, ao tentar deixar o país, por agentes da Polícia Federal que queriam ouvi-lo nos inquéritos de fake news e atos antidemocráticos, sob comando do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A segunda ocorreu há seis dias, quando o ministro Luis Felipe Salomão, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ordenou que a GETTR interrompesse qualquer repasse a canais bolsonaristas sob investigação.

Bolsonaro discursando em São Paulo; em sua fala, presidente falou de 'cidadão americano interceptado'
Bolsonaro discursando em São Paulo; em sua fala, presidente falou de 'cidadão americano interceptado'
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Embora não tenha sido formalmente preso, Miller acusa os policiais de ter restringido sua liberdade - "não estou preso, mas não posso partir sem responder perguntas, então o que isso quer dizer?". Diz ainda que os agentes usaram de "jogo psicológico" e vazaram a informação de que ele estava sendo ouvido à imprensa.

"Havia definitivamente algum jogo psicológico que estava sendo jogado. Os agentes estavam usando táticas básicas de deixar a pessoa sentada sozinha, imaginando o que está acontecendo. Havia definitivamente essa aura de filme B de detetive ou de um episódio de Law and Order", afirmou o ex-porta-voz de Trump.

Ainda segundo Miller, nenhum dos agentes envolvidos na ação falava inglês. Ele não fala português. "Eles (os policiais) acabaram recorrendo à concierge do aeroporto, a mulher que estava nos ajudando meio que a chegar ao nosso avião. Ela foi muito legal e profissional, mas estava literalmente usando seu colete reflexivo amarelo para não ser atropelada na pista do aeroporto", descreve Miller, no que considerou uma conduta "pouco profissional" da PF. A corporação não comentou as ações.

Em entrevista ao programa War Room, do ideólogo do trumpismo Steve Bannon, Miller qualificou a Polícia Federal de "Gestapo", em referência à polícia nazista. Ele não repetiu o termo à BBC News Brasil, mas afirmou que "o Supremo Tribunal Federal usa sua polícia secreta" para agir com motivação política.

"Não tenho ideia de qual é o objetivo, acho que o que eles estão tentando fazer é apenas um esforço politicamente motivado para tentar nos assustar. Acho que é só isso. Mas uma coisa que sei é que eles são muito hábeis em vazar informações intencionalmente para a mídia, na tentativa de tentar enquadrar uma história em uma determinada direção", diz Miller.

Segundo ele, essa seria a intenção com as suspeitas lançadas sobre quem pagou o jatinho que o americano usou para vir a Brasília por quatro dias. Há alguns dias, o jornal Valor Econômico afirmou que as autoridades brasileiras queriam esclarecimentos sobre o assunto.

Consultado pela BBC News Brasil, Miller afirmou que "o avião foi fretado pela nossa empresa, a GETTR. Ela fretou a aeronave e está pagando por ela. Então é simples assim. Tanto a polícia secreta da Suprema Corte quanto a Corte brasileira em si são muito habilidosas para atuar com a mídia, mas não há nada em relação ao aluguel do avião. E isso é realmente básico, é apenas uma tentativa deles de tentar causar mistério ou confusão onde não há nada".

Por fim, Miller ainda acusou o Judiciário brasileiro de ser "desinformado ou não fazer sua lição de casa" por determinar a desmonetização de canais bolsonaristas da GETTR. A determinação do TSE segue na mesma linha da vedação feita de repasses a canais bolsonaristas sob investigação em outras plataformas, como Youtube e Facebook.

"É importante dizer que não há nenhuma monetização da GETTR agora. Não há nenhuma maneira de alguém monetizar o GETTR no momento. E então (a decisão do TSE de barrar repasses da plataforma) parece estar um tanto mal orientada e desinformada quanto ao que o que GETTR realmente fornece. Parece haver um grande grau de falta de entendimento sobre o GETTR porque trazer algo assim à tona sem saber que, neste momento, não dá para monetizar nada no GETTR, parece que eles (tribunais) estão terrivelmente mal informados ou simplesmente não estão fazendo seu próprio dever de casa sobre isso. É realmente estranho. Nós estamos ativos há algo em torno de 60 dias e essa opção de obter repasses sequer está disponível na plataforma."

De acordo com Miller, a plataforma ainda estuda maneiras de remunerar produtores de conteúdo, provavelmente com um modelo de gorjeta digital do qual o site recolheria uma porcentagem, "mas menor que a de nossos concorrentes, como YouTube".

A GETTR também ainda não trabalha com anúncios, "resolvemos não entulhar a rede nesse começo", o que deve fazer apenas em 2022. O modelo de como esses anúncios seriam postados aos usuários, no entanto, não está claro. Segundo Miller, "nós já declaramos publicamente que nunca venderemos ou compartilharemos os dados do usuário".

"Até o Lula pode entrar"

Embora diga que ser citado por Bolsonaro no discurso de 7 de setembro foi uma das "maiores honras da vida", Miller procura descaracterizar sua rede social como reduto exclusivo da direita.

"Francamente, essa plataforma é aberta para a esquerda e para a direita. Se o Lula quiser entrar na GETTR, o Lula pode entrar. Está aberto a todos. Nossos princípios são de apoio à liberdade de expressão e oposição à cultura de cancelamento. Temos pessoas da esquerda política, temos pessoas da direita política, qualquer pessoa pode desfrutar da plataforma. É uma plataforma de liberdade de expressão", afirmou à BBC News Brasil.

Miller diz que Trump 'fala muito bem' de Bolsonaro, mas evita comentar participação do republicano em campanha de reeleição do brasileiro
Miller diz que Trump 'fala muito bem' de Bolsonaro, mas evita comentar participação do republicano em campanha de reeleição do brasileiro
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Mas Miller sabe que seu grande público no Brasil está entre os conservadores. De acordo com ele, dos cerca de dois milhões de usuários já cadastrados no site, entre 13 e 15% são brasileiros, ou seja, entre 250 mil e 300 mil. Apenas nos dois dias subsequentes a seu depoimento à Polícia Federal, quando os veículos bolsonaristas expressaram solidariedade, a rede teria ganhado 80 mil novos brasileiros, de acordo com o próprio Miller.

"Eu acho que o motivo pelo qual temos visto um crescimento tão grande no Brasil é que, os brasileiros valorizam muito sua liberdade de expressão. No Brasil, o povo está preocupado com as big techs (empresas como Google e Facebook), estão preocupados com os limites que estão sendo impostos à sua liberdade de expressão, e querem ter certeza de que nunca, jamais serão deletados das plataformas. Não querem ser calados politicamente, querem ter a certeza de que há um lugar seguro onde podem ir para expressar suas crenças. E esse é realmente o objetivo, garantir que as pessoas nunca sejam censuradas pela plataforma puramente por suas crenças políticas", argumenta Miller.

Sua explicação ressoa parte da pauta bolsonarista que atraiu centenas de milhares de manifestantes no sete de setembro: a defesa do que vem como ataques à liberdade de expressão daqueles que defendem atos considerados crimes constitucionais, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal.

Dias antes da manifestação, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória que altera o marco civil e veda que empresas como Google, Facebook e Twitter deletem contas ou conteúdos que espalhem desinformação, inclusive sobre o processo eleitoral. A MP foi assinada no mesmo dia em que Miller visitou Bolsonaro no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.

Na entrevista à BBC News Brasil, Miller foi explícito em elogiar a medida, vista por críticos como um anteparo bolsonarista a punições semelhantes às sofridas pelo ex-presidente Trump.

"A GETTR tem o mesmo espírito dos princípios da ordem executiva de Bolsonaro, que ele acabou de assinar: nunca iremos discriminar politicamente as pessoas ou dizer que você não deveria fazer uma postagem simplesmente por causa de suas convicções políticas", disse Miller.

No Brasil, a medida está sendo questionada nos tribunais e a Procuradoria Geral da República pediu que seus efeitos sejam suspensos até que o mérito seja julgado.

Em agosto, o observatório de internet da Universidade Stanford, nos EUA, lançou um relatório em que alertava para os riscos de que a GETTR disseminasse conteúdos abusivos. De acordo com o órgão, "a GETTR mostra dados demográficos culturais semelhantes ao Parler (outra rede social preferida por conservadores e conspiracionistas, como seguidores de QAnon): usuários de extrema direita nos Estados Unidos e no Brasil que foram deletados de grandes sites de mídia social".

O mesmo relatório ainda acrescenta que há "muito poucos - se houver algum - mecanismos para detectar spam, conteúdo violento, pornografia e imagens de exploração infantil. Em vez disso, a GETTR parece estar contando com um modelo de controle pela comunidade, que não se mostrou suficiente".

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal
Foto: STF / BBC News Brasil

Miller rechaça as observações do relatório. Questionado sobre como pretende agir para impedir que a plataforma seja usada para organização de golpes de estado ou qualquer outro crime ou ato antidemocrático, ele afirmou que "temos uma política de moderação muito proativa e robusta, na qual trabalhamos com inteligência artificial e moderadores humanos para monitorar as discussões públicas que estão acontecendo e garantir que não haja nenhuma conversa sobre atividade ilegal. Nossa crença em liberdade de expressão é que seus direitos devem se estender até o ponto em que comecem a infringir os direitos de outras pessoas".

Como prova do engajamento da rede em conter eventuais abusos, Miller afirma que dobrou o time de moderadores da GETTR para os eventos pró-Bolsonaro de 7 de setembro.

"Mas não vimos qualquer tipo de comportamento perturbador ou ilegal (na rede), apenas a mídia sugerindo que as pessoas que se manifestavam no dia da independência fariam algo de errado", afirmou.

De acordo com Miller, ele pretende voltar ao Brasil em breve e explorar eventos como Carnaval e Copa do Mundo para alavancar os números da rede social junto aos brasileiros. Questionado sobre a moderação de tom de Bolsonaro, que depois de chamar Alexandre de Moraes de "canalha", afirmou em nota reconhecer as qualidades do ministro como "professor"e "jurista", Miller se absteve: "Eu não falo pelo presidente Bolsonaro nem quero fingir que sou um especialista em política brasileira".

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