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Política

Fachin enfrenta 'sabatina mais difícil' em décadas

Inidicado ao STF, Luiz Edson Fachin recebeu o apoio de reitores e juristas

12 mai 2015 - 07h29
(atualizado às 11h52)
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Foto: BBC Mundo / Copyright

Há mais de um século o Senado não rejeita uma indicação presidencial ao Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, apesar do histórico francamente favorável à sua aprovação, a expectativa é de que o mais recente indicado ao cargo de ministro, Luiz Edson Fachin, terá pela frente uma dura sabatina nesta terça-feira, cujo desfecho é imprevisível.

"Sem dúvida, o risco de rejeição aumentou dessa vez", afirma o professor de Direito Constitucional da USP, Conrado Hubner. "Quando a relação entre Executivo e Legislativo torna-se tão volátil assim, quando as premissas que cimentam a cooperação se desmontam, e tudo passa a ser negociado caso a caso, o nível de incerteza sai do controle", analisa.

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Hubner refere-se ao atual contexto de crise na relação entre o governo federal e o Congresso. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), considerado um aliado confiável quando foi reeleito para o cargo em fevereiro, assumiu logo em seguida uma postura de embate com a presidente Dilma Rousseff e mesmo com seu vice, o peemedebista Michel Temer.

A insatisfação teria origem na decisão da Procuradoria-Geral da República de investigar Renan dentro da Operação Lava Jato e se agravou após Dilma desalojar seu aliado Vinicius Lages do Ministério do Turismo.

Marcada para 10h, a sabatina é realizada pela CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Se a indicação for aprovada, após votação secreta, o nome de Fachin ainda terá que ser submetido ao plenário da casa.

Mais seriedade

O professor de Direito da FGV-Rio Diego Werneck nota uma tendência de aumento da seriedade das sabatinas dos indicados nos últimos anos e, por isso, espera um interrogatório difícil hoje.

Ele lembra que a sessão que aprovou a indicação do ministro Luís Roberto Barroso, último a tomar posse, em 2013, durou sete horas e teve perguntas duras.

"Acho que aumentou muito a possibilidade de uma sabatina séria, e isso independe da probabilidade de rejeição, que é muito difícil de medir. Ficarei muito surpreso se essa não for a sabatina mais difícil, mais ativa da parte dos senadores nos últimos anos, talvez desde a redemocratização (1985)", afirma Werneck.

A indicação de Fachin - que preenche a vaga aberta pela saída por aposentadoria, há oito meses, de Joaquim Barbosa - provavelmente será a última da presidente. Na semana passada, o Congresso aprovou uma emenda constitucional elevando o prazo de aposentadoria compulsória dos atuais ministros de 70 para 75 anos.

Com isso, Dilma só poderá fazer novas nomeações se ministros optarem voluntariamente por deixar a corte antes da idade limite, ou no caso de falecimento. A mudança - vista como uma ataque direto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao governo petista - desagradou a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e recebeu críticas de diversos juristas.

Como o novo limite deve valer também para tribunais regionais, terá o efeito de engessar a composição dessas cortes, reduzindo a renovação das jurisprudências, dizem os críticos.

Polêmicas

Alguns elementos da trajetória de Fachin devem gerar questionamentos duros da oposição e de senadores mais conservadores, como o apoio que ele manifestou à candidatura de Dilma Rousseff à presidência em 2010, sua proximidade com movimento sociais como o MST e declarações favoráveis ao casamento gay – que, aliás, já foi considerado constitucional pela maioria do STF.

Outro ponto que tem sido alvo de polêmica é o fato de Fachin ter atuado simultaneamente como advogado e procurador do Paraná. O indicado, hoje professor da universidade federal daquele Estado, divulgou vídeos no Facebook se defendendo das diversas acusações neste fim de semana.

"Intervenções pontuais episódicas que fiz não definem 35 anos de uma trajetória pautada pelo diálogo, pela serenidade, para construção do consenso", disse o Fachin. Quanto à dupla atuação profissional, afirmou que tinha autorização da OAB para advogar, desde que não fosse contra o Estado.

Qualificação

Se por um lado a atual instabilidade política joga contra Fachin, por outro, sua reconhecida qualificação jurídica eleva a probabilidade de que seu nome seja aceito pela maioria dos senadores, nota o professor da FGV.

Sua indicação tem recebido elogios dentro da comunidade jurídica e acadêmica. A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e os 63 reitores de universidades federais do país estão entre os grupos que emitiram notas de apoio ao candidato.

"Pelo menos nos EUA, os estudos mostram de forma muito clara que a qualificação do candidato e o apoio da comunidade jurídica afetam a capacidade do Senado de rejeitar mesmo um nome com que os senadores não concordem com seu mérito. Um nome qualificado sempre torna o trabalho de rejeitar mais difícil, mais custoso", nota Werneck.

Em toda a sua história, o Senado só recusou cinco indicações ao Supremo, todas no governo do Marechal Floriano Peixoto (1891 a 1894), segundo presidente do país.

O caso mais emblemático foi o de Cândido Barata Ribeiro - figura ilustre, ex-prefeito do Rio de Janeiro, não passou no crivo dos senadores porque não tinha "notável saber jurídico" por ser médico.

Outros dois militares foram rejeitados sob a mesma justificativa – os generais Innocencio Galvão de Queiroz e Ewerton Quadros, conta Maria Ângela Oliveira, doutora em Direito pelo Graduate Institute de Genebra, em um artigo sobre o tema.

Já o subprocurador da República Antônio Caetano Seve Navarro e o então Diretor-Geral dos Correios, Demosthenes Lobo, teriam sido rejeitados por razões políticas, provavelmente sob o argumento de não terem "notável reputação", um dos critérios da seleção.

Como as sessões eram sigilosas naquela época e as atas se perderam, é difícil saber exatamente os motivos, explica Oliveira, que já presidiu a associação de assessores de ministros do Supremo (AASTF).

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Fraqueza?

O fato do Senado nunca mais ter rejeitado qualquer indicação poderia dar a impressão de fraqueza da instituição. Mas os especialistas ouvidos pela BBC dizem que uma coisa não tem nada a ver com a outra e que, na verdade, é positivo que as rejeições sejam raras.

"Na constância do regime democrático, a confirmação pelo Senado das indicações feitas pelo Executivo ao STF reflete a existência de consenso político quanto à alta qualificação dos indicados para o cargo", opina Oliveira.

"Por outro lado, a recusa de uma indicação oficial feita pelo Executivo demonstraria a existência de um conflito entre os poderes, o que não é necessariamente benéfico, uma vez que a qualificação dos indicados é uma garantia do seu profissionalismo."

Para a pesquisadora, a mudança de postura do Senado revela uma amadurecimento da democracia brasileira.

"O final do século 19 foi um período de instabilidade política. O próprio Senado encontrava-se bastante dividido internamente. Passado esse estágio inicial do regime republicano, é natural que o processo de aprovação também tenha deixado de ser tão conturbado e as relações entre os Poderes tenham se tornado mais harmônicas."

Separação de poderes

A prática de sabatinar os indicados à mais alta corte existe em vários países e serve como mecanismo de separação de poderes, ao limitar a livre escolha da presidente, explica Werneck, da FGV.

Segundo ele, o fato de os senadores historicamente aceitarem as indicações não significa que a instituição não esteja exercendo seu poder. Nos Estados Unidos, a rejeição também é rara: foram doze casos em mais de duzentos anos.

"O Senado exerce com certeza uma limitação sobre quem o presidente pode indicar. A questão é que esse poder não é exercido na sabatina, mas antes. Ou seja, o presidente tipicamente já indica alguém que ele acredita que vai passar pelo Senado, que já foi sondado (quanto ao apoios dos senadores)".

Segundo Werneck, a sabatina tem outra função fundamental, que é a de gerar informação pública sobre o futuro ministro. E é nesta tarefa, ele diz, que os senadores mais têm falhado, pois os interrogatórios costumam ser fracos.

Werneck considera importante que o ministro sejam questionado sobre seu passado, para que fique claro a que instituições ele foi ligado e estaria impedido de julgar em eventuais processos. Na sua avaliação, a sabatina também é o momento de questionar os apoios políticos recebidos para conquistar a indicação à vaga.

"É fundamental que a sabatina sirva para lançar luz sobre esse processo interno de indicação: como o senhor chegou até à presidente Dilma? Ninguém imagina que a indicação caiu do céu. A gente sabe que as pessoas conversam, que houve apoio político. É importante que isso seja trazido a público."

Outras questão que deve ser abordada, na opinião do professor da FGV, é a opinião de Fachin sobre o funcionamento atual do STF, por exemplo no que se refere às críticas de que o tribunal tem se sobreposto ao Congresso em alguns assuntos.

A princípio, o indicado não deve antecipar seus votos em casos que pode julgar em breve, mas Werneck defende que ele seja questionado sobre assuntos jurídicos importantes que tenham sido julgados recentemente, para que "as pessoas tenham uma noção de que áreas do Direito serão impactadas pela indicação e em que sentido".

"A sabatina deve sujeitar o candidato a expor sua visão geral de Constituição, sua visão sobre problemas concretos do país, e sua biografia profissional. É um importante momento para estabelecer os termos em que ele poderá ser chamado a prestar contas no futuro", diz Hubner, da USP.

"Não se trata apenas de um teste de confirmação (da indicação), mas de uma agenda de diálogos futuros."

Pela primeira vez, a sabatina terá participação popular. Antes e durante a sessão, os cidadãos podem enviar aos senadores informações sobre o indicado ou perguntas a serem feitas a ele, por meio do portal e-cidadania do Senado. Todas as mensagens serão encaminhadas ao relator da indicação na CCJ, senador Alvaro Dias (PSDB-PR).

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