Falta Legislativo, sobra convicção no caso Daniel Silveira
Respostas para atenuarmos o conflito entre o parlamentar verborrágico e o STF hiperativo está no Parlamento
Daniel Silveira pode sonhar em virar mártir na vida de quem é radical e se deixa levar por discursos de enfrentamento ao poder instituído. Coitado. A realidade é que ele é apenas mais um caso comum de ausência de Legislativo e abundância de convicção em nossa realidade política. Nada além disso.
As respostas para atenuarmos o conflito entre o parlamentar verborrágico e o STF hiperativo está no Legislativo. Se legisladores não fossem tão cúmplices de suas próprias aberrações e entendessem que toda liberdade tem um limite regulado pela lei, os processos por quebra de decoro teriam menos o caráter inoperante do clientelismo e do corporativismo, e mais o aroma do universalismo de procedimentos. Não é bem assim, e já mostramos isso em texto do blog Legis-Ativo. Essa ação entre pares protetores escamoteados por uma Constituição que fala em proteção quase absoluta à incontinência verbal dos parlamentares garantiu, por exemplo, a Bolsonaro décadas como deputado, até chegar ao Planalto sem nunca ter seu mandato retirado pelos pares.
O problema não acaba aqui. A convicção não caracteriza apenas os parlamentares, mas o brasileiro em geral. É de Buarque de Holanda a percepção de que somos ibéricos, onde cada um é filho de si. No STF não é diferente, e estamos cansados de ouvir que ali não existe um órgão colegiado, mas 11 ilhas de excelência num mar sem fim de crenças e interpretações pessoais e contestáveis da lei - por melhor que a peça de Moraes para justificar a prisão de Silveira possa ser.
Lembremos: ministros do STF são contratados pelo Senado, a partir de indicação do Executivo, assim como em tese só podem ser demitidos por este mesmo Senado de acordo com o artigo 52 da Constituição Federal. Conhece algum pedido formal de demissão de ministro do STF que prosperou? Esse fenômeno é mais raro que punição de deputado por quebra de decoro.
E aqui está a resposta ao caso Daniel Silveira x Alexandre de Moraes: falta Legislativo. Para barrar as convicções. E se falta Legislativo, falta percepção ampla e cultural de Democracia - aos moldes de como a concebemos. A democracia é um cálculo subjetivo, coletivo e, portanto, sofisticado demais para fazer parte do rol de responsabilidades individuais de parlamentares e membros da justiça desse país. E em sendo assim, essa conta nunca vai fechar. A ausência de valor coletivo coloca em xeque uma sociedade pretensamente democrática. Silveira e Moraes são meros agentes dessa história. Apenas mais uma crônica em ampla coletânea de casos.
*DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP E COORDENADOR DO BLOG LEGIS-ATIVO