Flávio Bolsonaro quebra silêncio sobre morte de miliciano
Senador ligado a Adriano da Nóbrega diz que cremar o corpo seria descartar evidências e pede que caso seja elucidado
O senador Flávio Bolsonaro se pronunciou pela primeira vez nesta quarta-feira (12) sobre a morte do ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de comandar uma milícia no Rio de Janeiro e fazer parte de um grupo de assassinos profissionais.
Adriano estava foragido há mais de um ano e foi localizado pelas autoridades de segurança da Bahia num imóvel na cidade de Esplanada, no interior do estado. Segundo a Secretaria de Segurança Pública baiana, o ex-PM resistiu a uma tentativa de prisão no último domingo, disparou contra os policiais e acabou sendo morto durante a troca de tiros.
Em mensagem no Twitter, Flávio sugeriu que Adriano foi "brutalmente assassinado" durante a operação policial. Ele pediu que seja impedida a cremação do corpo e que as circunstâncias da morte sejam esclarecidas pelas autoridades.
"DENÚNCIA! Acaba de chegar a meu conhecimento que há pessoas acelerando a cremação de Adriano da Nóbrega para sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia. Rogo às autoridades competentes que impeçam isso e elucidem o que de fato houve", escreveu.
Flávio se referia ao pedido da mãe e das irmãs de Adriano para que o corpo dele fosse cremado. Uma cerimônia chegou a ser marcada para as 10h00 (hora local) no crematório do Memorial do Carmo, no Rio, mas foi cancelada depois que uma juíza rejeitou o pedido. A Justiça precisa autorizar a cremação do corpo em caso de morte violenta.
Em sua decisão, a juíza Maria Izabel Pena Pieranti justificou que a morte do ex-policial "não se deu por causas naturais" e que faltam documentos indispensáveis para a cremação, como a Guia de Remoção de Cadáver e o Registro de Ocorrência.
Também afirmou que a cremação impossibilitaria a realização de exames que podem esclarecer as circunstâncias da morte. "O interesse público na cabal elucidação dos fatos tem preponderância sobre o desejo de seus familiares", declarou a magistrada.
A fala de Flávio foi a primeira manifestação pública da família Bolsonaro sobre a morte do miliciano. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o presidente Jair Bolsonaro evitou falar com a imprensa no dia seguinte à morte e tampouco comentou o caso em suas redes sociais.
O jornal lembra que a atitude difere do comportamento que é usual por parte de Bolsonaro, de celebrar operações policiais cujos alvos são capturados - e até quando acabam mortos.
A ação policial que terminou com a morte do miliciano, da qual participaram cerca de 70 agentes, foi alvo de controvérsias. O que se sabe até agora é a versão oficial das autoridades, de que ele foi morto durante uma troca de tiros, após reagir à ordem de prisão.
A mulher de Adriano, por outro lado, fala em execução com intuito de "queima de arquivo". Em entrevista à imprensa brasileira, o advogado do ex-policial, Paulo Emílio Cata Pretta, corroborou essa hipótese, afirmando que Adriano temia se entregar à polícia por acreditar que seria morto, e não preso. Autoridades baianas chamaram a versão de "estapafúrdia".
Em meio à polêmica, a Corregedoria-Geral da Secretaria de Segurança Pública da Bahia abriu na segunda-feira uma investigação para apurar as circunstâncias da morte.
Acusações contra o ex-PM
Adriano Magalhães da Nóbrega tinha mandado de prisão emitido no âmbito da Operação Intocáveis. Ele era réu, acusado de comandar um esquema de agiotagem, grilagem de terras e construções ilegais em Rio das Pedras, no estado do Rio de Janeiro, envolvendo pagamento de propina a agentes públicos.
O ex-capitão também era suspeito de cometer diversos homicídios e de comandar o chamado Escritório do Crime, um grupo de extermínio formado por membros da "banda podre" da polícia que comete assassinatos por encomenda, muitas vezes a mando da milícia.
A polícia também investiga a suspeita de participação desse grupo no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, por encomenda da milícia que controla a favela de Rio das Pedras. Em 2011, Adriano já fora preso numa operação de grande repercussão no Rio, por suspeita de atuar como segurança de um bicheiro. Em 2014 foi expulso da Polícia Militar (PM).
Ligação com Flávio Bolsonaro
Ele também é citado na investigação que apura um esquema de "rachadinha" (divisão de salários de funcionários) no gabinete de Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Adriano trabalhou no 18º Batalhão da PM com Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj, que é investigado por lavagem de dinheiro na prática da "rachadinha". Segundo o Ministério Público, Adriano participava do esquema. Contas bancárias controladas pelo miliciano teriam sido usadas para abastecer Queiroz.
Além disso, a mãe e a esposa de Adriano trabalharam no gabinete de Flávio na Alerj, supostamente contratadas por Queiroz, que é amigo de décadas de Jair Bolsonaro. Parte do salário das duas ficava com o ex-PM, segundo aponta o Ministério Público.
Mas os caminhos de Flávio Bolsonaro e do miliciano já se cruzaram de maneira mais pública no passado. Em 2003, quando iniciou seu primeiro mandato na Alerj, Flávio propôs uma homenagem a Adriano. Na moção de louvor, o então deputado disse que "o policial militar desenvolvia sua função com dedicação e brilhantismo, desempenhando com absoluta presteza e excepcional comportamento as suas atividades".
Em 2005, Adriano recebeu a medalha Tiradentes da Alerj a pedido de Flávio. Em abril de 2018, Marielle Franco recebeu postumamente a mesma honraria - e o filho do presidente foi o único deputado da Alerj que votou contra a concessão.
Nesta terça-feira, o Psol anunciou que entraria com uma representação no Conselho de Ética do Senado contra Flávio, por quebra de decoro parlamentar relacionada ao vínculo entre o senador e os ex-policiais Adriano da Nóbrega e Fabrício Queiroz.
"Já não é mais possível que Flávio Bolsonaro não responda pelas graves suspeitas que o envolvem. Essa blindagem ao filho do presidente precisa ter fim. Os crimes são evidentes, só não vê quem não quer", afirmou o presidente do Psol, Juliano Medeiros.