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Política

Frustração com 'deboche' chavista e desgaste político fizeram Lula autorizar cobrança a Maduro

Reação de Caracas é vista em Brasília como esperada e feita para consumo interno na Venezuela; Planalto e Itamaraty tentam manter canais de diálogo com ditador e embaixadora já falou com chavistas

27 mar 2024 - 18h22
(atualizado às 21h47)
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Lula e Maduro durante reunião da Celac no Caribe, em março
Lula e Maduro durante reunião da Celac no Caribe, em março
Foto: Estadão/Instagram/Nicolás Maduro / Estadão

A reação crítica do governo Luiz Inácio Lula da Silva à exclusão de opositores do processo eleitoral na Venezuela foi determinada pelo próprio petista, disseram fontes do Planalto e do Itamaraty ao Estadão.

A decisão foi tomada em razão da frustração com a falta de compromisso da ditadura chavista com a realização de eleições livres no país e do desgaste político provocado pelo apoio de Lula a Nicolás Maduro desde o início do seu mandato. O comunicado de ontem, respondido com acidez pela chancelaria venezuelana, marca uma inflexão nos seguidos gestos de apoio político e votos de confiança no regime.

O texto foi redigido pelo Itamaraty, em coordenação com o Palácio do Planalto, e revisado pessoalmente por Lula nesta terça-feira, dia 26, na Base Aérea de Brasília, antes de se tornar público, naquela tarde. O presidente endossou o conteúdo, redigido sob sua instrução na véspera, e não pediu mudanças, segundo embaixadores.

Em seguida, o petista embarcou com seus auxiliares, inclusive o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores), a Belém (PA), onde recebeu o presidente francês, Emmanuel Macron. O ex-chanceler Celso Amorim (chefe da Assessoria Especial) integrou-se à comitiva presidencial nesta quarta-feira, dia 27, no Rio.

Desgaste político

Integrantes do Planalto já admitiam o desgaste político para Lula por seguidas declarações de confiança em Maduro, seu aliado político. Um interlocutor de Lula lembrou à Coluna do Estadão que a defesa da ditadura venezuelana teve peso na perda de popularidade do presidente, indicada em ao menos três pesquisas. Para essa fonte, não há mais espaço nem político nem diplomático para relativizar os "abusos" de Maduro.

Desde que voltou ao Planalto, o petista recebeu Maduro com pompas de chefe de Estado em Brasília, durante um encontro de líderes sul-americanos, o que foi duramente criticado por governos à esquerda e à direita da região, como Chile e Uruguai. Em dezembro, o Itamaraty teve de agir para intermediar uma crise provocada por Caracas ao tentar anexar uma parte da Guiana.

Na última declaração pública, ele sugeriu que deveria haver "presunção de inocência" com Maduro, apesar da prisão de opositores e de coordenadores da campanha de María Corina Machado, a principal líder antichavista.

Por fim, a declaração de que a oposição deveria "escolher outro candidato em vez de chorar" causou constrangimento no governo e foi uma das que repercutiu mal para a imagem de Lula. Corina Machado, num gesto considerado "genial" no governo, escolheu uma homônima como substituta.

'Deboche' com acordo de Barbados

Interlocutores do Itamaraty e da assessoria internacional de Lula relatam que a medida foi discutida na tarde de segunda-feira, dia 25, durante conversa entre Lula, Vieira e Amorim no Palácio do Planalto.

Naquele instante, Lula decidiu que "não dava mais" para deixar de se posicionar e a nota deveria ser preparada, mas pediu que seus auxiliares aguardassem o fim do prazo de registros de candidatura, dentro do calendário previsto para as eleições convocadas para 28 de julho, data do aniversário de Hugo Chávez.

Segundo o petista, se o registro da principal candidatura oposicionista não fosse solucionado, não haveria outro caminho a não ser abandonar a postura de "cautela" e denunciar a violação ao acordo.

O momento era considerado como data-chave, um "marco importante" porque a partir daí ficaria claro quem seria habilitado a participar ou não da disputa eleitoral. Aguardar permitira a Lula manter seu argumento de não "pré-julgar" os acontecimentos em Caracas. Sem a principal força política contrária ao governo, o pleito perdeu completamente a credibilidade internacional.

Diplomatas envolvidos na redação do texto dizem que a falta de explicações públicas por parte de Maduro sobre as claras dificuldades e as supostas e alegadas "falhas" na internet, que teriam impedido o registro virtual de Corina Yoris como candidata oposicionista em nome da Plataforma Unitária, foram percebidas como "requintes de deboche" no governo. Também não houve possibilidade de registro presencial da candidatura dela junto ao Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo chavismo.

Lula, Celso Amorim, e o secretário de Estado americano Anthony Blinken, em fevereiro em Brasília: chavismo acusou Itamaraty 'de agir sob interesses americanos'
Lula, Celso Amorim, e o secretário de Estado americano Anthony Blinken, em fevereiro em Brasília: chavismo acusou Itamaraty 'de agir sob interesses americanos'
Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

Amorim ignorado por Maduro

A reação do governo Lula ocorreu depois de uma semana de avaliações e contatos feitos principalmente pela equipe chefiada por Amorim, com membros do governo chavista, da oposição e da Noruega, outro país envolvido na mediação.

No Itamaraty, há algumas semanas a avaliação já era de que desde a assinatura dos Acordos de Barbados - testemunhada por Amorim como enviado por Lula -, o que se viu foram retrocessos em série, com atos do governo contrários ao compromisso firmado por Maduro.

Ainda segundo assessores, o Palácio do Planalto já admitia "preocupação" com a repressão aos opositores do regime e as dificuldades para registrar a candidatura de Corina Yoris.

Mas o governo decidira aguardar e não engrossar o coro de adversários de Maduro e países alinhados à direita, que já denunciavam os obstáculos, pelo menos desde a sexta-feira passada.

Antes de a nota vir a público, Amorim tentou fazer telefonemas para conversar com integrantes do governo venezuelano, mas não foi atendido. O assessor de assuntos internacionais é o principal interlocutor designado por Lula para o tema, e seguirá nessa posição.

Já para explicar o tom adotado pelo governo Lula, após a publicação do conteúdo, entrou em cena a embaixadora do Brasil em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira. A diplomata recém enviada pelo Itamaraty manteve contatos políticos com nomes do primeiro escalão do chavismo.

Reação agressiva de Maduro

Para diplomatas e assessores do presidente, a reação da chancelaria chavista, que alegou intromissão em assuntos internos e influência dos Estados Unidos sob o Itamaraty, era previsível dentro da retórica comumente usada em Caracas e foi calculada para ter repercussão doméstica na Venezuela.

Apesar disso, o Itamaraty avalia que o governo entende que tem o direito de se posicionar por ter sido convidado a participar dos Acordos de Barbados. Um embaixador afirma que "quem assinou junto tem o direito de cobrar".

Integrantes da assessoria especial de Lula viram um tom excessivamente "agressivo" e uma "provocação desnecessária" para falar chamar atenção do PT e da esquerda ao citar os EUA. Falam ainda em jogo duplo dos chavistas de centrar fogo apenas o Itamaraty e preservar canais diretos com o presidente.

Posição insustentável de Lula

Para analistas, a recusa de Maduro em cumprir acordo eleitoral tornou posição de Lula insustentável. "A aposta do governo era tentar trazer Maduro para perto novamente para de, alguma maneira, ajudar a costurar uma transição pacífica porque não interessa enquanto País que a situação na Venezuela degringole ainda mais", afirma a professora do Departamento de Relações Internacionais da Unifesp Carolina Pedroso. Para ela, o governo esperou enquanto foi possível por uma sinalização de que o Palácio de Miraflores estaria disposto a colaborar.

Agora, esse cenário não existe mais. Para Mauricio Santoro, cientista político, professor de relações internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, ficou muito claro que a eleição de julho se transformou em um 'ritual de consagração' de Maduro, o que pode dar ainda mais prejuízos políticos para Lula.

"O senso comum diz que diplomacia não dá voto, mas o mundo mudou. Pode até não dar voto, mas tira voto. É um dos elementos da formação da identidade política em um ambiente tão polarizado", afirma. "Parte considerável do eleitorado rejeita esse defesa de regimes autoritários, sobretudo Venezuela e Rússia. Isso tem impacto. E esse impacto é ainda maior porque muitas pessoas que votaram em Lula votaram menos por uma adesão ao programa político e mais porque viram nele uma alternativa a um projeto autoritário. Essas pessoas se frustram com a defesa ideológica a regimes autoritários". / COLABOROU JÉSSICA PETROVNA

Estadão
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