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Política

"Gabinete do ódio" do Ceará mira grupo de Ciro Gomes

Grupo ideológico do Planalto, alvo de inquérito no Supremo, conta com 'filiais' nos Estados

31 mai 2020 - 05h10
(atualizado às 10h01)
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BRASÍLIA -Na mira do Supremo Tribunal Federal (STF), o "gabinete do ódio" instalado no Palácio do Planalto se espalhou pelos Estados. As células mais avançadas desse grupo ideológico mantêm a militância digital inflamada e atuam no Ceará, no Paraná, em Minas Gerais e em São Paulo. Numa espécie de franquia, cada núcleo regional conta com assessores lotados em gabinetes da Câmara dos Deputados e em Assembleias Legislativas para movimentar páginas de disseminação de fake news e linchamentos virtuais de adversários do governo.

Delegado Cavalcante diz que servidoras do gabinete prestam ‘assessoria’
Delegado Cavalcante diz que servidoras do gabinete prestam ‘assessoria’
Foto: AL-CE / Divulgação / Estadão Conteúdo

Um dos núcleos mais estruturados, o "Endireita Fortaleza" tem amigos até na assessoria especial do presidente Jair Bolsonaro, no terceiro andar do Planalto. A célula não foi alvo da operação da Polícia Federal na quarta-feira passada, mas entrou na mira das investigações pelo grau de engajamento nas redes sociais e por ligações com figuras influentes do governo.

O fundador do "Endireita Fortaleza", o cearense Guilherme Julian, trabalha no gabinete do deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), o Hélio Negão, e tem cargo comissionado com remuneração mensal de R$ 6,1 mil. Fiel escudeiro de Bolsonaro, o parlamentar ainda emprega o cearense Henrique Rocha, colega de Julian na mesma célula. Na movimentação de páginas e grupos de ataques a líderes regionais, Julian e Rocha atuam em parceria com assessores lotados em gabinetes da Assembleia. Cely Duarte e Manuela Melo trabalham para o deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL).

No Planalto, a célula cearense conseguiu empregar José Matheus Sales Gomes, que há sete anos criou, em Fortaleza, a principal página do grupo no Facebook, a "Direita Vive 3.0". Antes batizada de Bolsonaro Zuero, a página atualmente tem 620 mil seguidores. Com salário de R$ 13,6 mil, José Matheus foi nomeado assessor especial da Presidência, em janeiro de 2019, depois de chamar a atenção do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) - filho do presidente e comandante do "gabinete do ódio" - pelo engajamento nas redes sociais. Também ligado à organização de Fortaleza, Mateus Matos Diniz recebe R$ 10,3 mil mensais como comissionado.

O servidor público Adriano Duarte, atual presidente da "Endireita Fortaleza", é casado com a assessora Cely Duarte. "Nosso fundador (Julian) hoje está em Brasília. Todo trabalho, as informações, a conexão das páginas está tudo com ele. É como se fosse nosso moderador, está entendendo? Como é o fundador, ele é vitalício, para que mantenhamos a identidade do grupo", afirmou Duarte, que é engenheiro civil.

À reportagem, o deputado Hélio Lopes negou que seus funcionários tenham atividade que não seja relacionada com o mandato parlamentar, mas evitou dizer quais atribuições deu a Julian e a Henrique. Questionado sobre como conheceu os assessores e por que resolveu contratá-los, ele não respondeu. "Tenho uma galera lá. Se for lembrar como é que chamou, se por causa disso ou daquilo…", desconversou.

O modus operandi da célula cearense é seguido por outros núcleos do "gabinete do ódio". Os operadores mantêm páginas e grupos para defender Bolsonaro, promover linchamentos virtuais de adversários locais e incentivar a violação do lockdown imposto pelo governador do Ceará, Camilo Santana (PT), como medida de combate ao avanço do novo coronavírus.

Nos anúncios lançados nas redes para atrair interessados, o núcleo apresenta conferências de "estratégias de inteligência e pressão popular para a retomada do poder pela sociedade civil organizada" e também de "militância profissional". Prega, ainda, ações contra as famílias do ex-ministro Ciro Gomes e de seu irmão, o senador Cid Gomes (PDT), adversários de Bolsonaro.

"Há a clara reprodução, no Ceará, do modus operandi do gabinete do ódio instalado na Capital Federal e comandado por um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro. Baseia-se na construção e disparo de notícias mentirosas e na tentativa de destruir reputações e demonizar a política", disse Ciro ao Estadão.

Bolsonaristas 

No último dia 20, o movimento saiu das páginas de Facebook e dos grupos de WhatsApp e foi às ruas em carreata contra o decreto estadual que impôs o confinamento total na capital cearense. O Estado é o terceiro em número de mortes provocadas pelo novo coronavírus, mas aliados de Bolsonaro classificam como "ditatorial" a medida adotada pelo governo petista.

Para furar o isolamento, militantes bolsonaristas alegaram que eram da "imprensa alternativa" e estavam nas ruas para fazer uma reportagem. A desculpa não convenceu a polícia e 25 pessoas foram parar na delegacia. Entre os envolvidos no tumulto estavam Cely Duarte e Manuela Melo, as duas funcionárias parlamentares. Elas emprestam a imagem para vídeos, textos e montagens que são distribuídos em uma série de páginas e grupos administrados pelo movimento.

O papel de Cely e Manuela, segundo o deputado Delegado Cavalcante, que as emprega, é prestar a ele o serviço de "assessoria sobre conservadorismo". Mesmo não tendo carga horária específica na Assembleia, a dupla trabalha por horas a fio. "A gente trabalha de segunda a segunda. Se fosse pagar hora extra para as meninas, não tinha como", afirmou o deputado.

Outro destacado integrante da rede cearense com acesso ao Planalto é Alex Melo, ex-assessor de Delegado Cavalcante. Entre junho e novembro de 2019, Melo esteve nove vezes em agendas no terceiro andar do Planalto, onde funciona o "gabinete do ódio". Em seus perfis, ele se exibe circulando em áreas restritas da sede do governo. "Mais BSB. Contribuindo com o governo e desarmando bombas", escreveu Alex como legenda de uma selfie tirada em frente ao Congresso, em outubro. Procurado, ele não se manifestou.

Os alvos dos ataques costumam acompanhar a agenda de frituras e ofensivas definida pelos rumos do governo federal. Em outubro, por exemplo, o vídeo compartilhado por Bolsonaro, comparando o Supremo Tribunal Federal a hienas, viralizou. Já em novembro, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a prisão, o grupo postou um vídeo antigo de Dias Toffoli - que hoje comanda o STF -, como se o ministro estivesse comemorando a soltura do "patrão". Mais recentemente foi a vez de Sérgio Moro - o ex-titular da Justiça que foi juiz da Lava Jato - se tornar personagem de montagens depreciativas.

Origem

O funcionamento da rede bolsonarista foi relatado pela primeira vez em reportagem do Estadão. Em 25 de fevereiro de 2017, quase dois anos antes de Bolsonaro assumir a Presidência, a reportagem revelou que o grupo político ligado a ele, então deputado federal do PSC, esteve na linha de frente da comunicação e da logística do motim que parou a Polícia Militar do Espírito Santo e levou pânico à população daquele Estado.

Para incentivar a paralisação, a organização em torno de Bolsonaro divulgou em grupos de WhatsApp imagens antigas de tiroteios em morros de Vitória. Na lista de nomes que lideravam o apoio ao movimento estavam o do agora deputado federal Capitão Assumção (PSB) e o do ex-deputado Carlos Manato, aliados de Bolsonaro no Espírito Santo.

O Estadão registrou pela primeira vez também o termo "gabinete do ódio" e o funcionamento do grupo. Em reportagem publicada em 19 de setembro do ano passado, o jornal relatou que o núcleo liderado por Carlos Bolsonaro estava instalado dentro do Planalto, era responsável pelas redes sociais da Presidência e adotava estilo beligerante nas mídias digitais, causando desconforto interno no governo. A atuação do "gabinete do ódio" está sob investigação do inquérito das fake news tocado pelo STF, da CPI das Fake News no Congresso e na mira do Tribunal de Contas da União (TCU).

Parlamentares têm conexões com o Palácio do Planalto

O deputado Delegado Cavalcante (PSL) está na mira do Ministério Público do Ceará em uma investigação sobre uso de funcionários, no horário do expediente, para colher assinaturas endereçadas ao "Aliança pelo Brasil", partido que o presidente Jair Bolsonaro quer tirar do papel. A 24ª Promotoria de Justiça de Fortaleza informou que também deverá chamar o deputado André Fernandes (PSL) para prestar esclarecimentos.

Fernandes é um fenômeno da política e da internet. Eleito deputado aos 20 anos, ele se tornou célebre no YouTube, plataforma na qual tentou, primeiro, enveredar pelo ramo do humor. Não deu certo. Mudou a chave para a política, começou a incensar o então pré-candidato Bolsonaro e virou um dos mais influentes bolsonaristas na internet.

No início deste mês, ele comeu um cachorro-quente com o presidente, no Palácio da Alvorada. O cearense também tem canal aberto com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Logo que foi eleito, Fernandes empregou no gabinete militantes para administrar páginas com conteúdos problemáticos. Um deles é Inspetor Alberto, que deixou o cargo em janeiro para, mais uma vez, tentar virar vereador.

O Judiciário está na mira de Alberto faz tempo. No fim de 2019, a Justiça determinou que fosse retirado do ar um vídeo no qual ele aparecia descarregando uma arma num retrato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Alberto costuma movimentar as redes sociais alegando, por exemplo, que o governo do Ceará obriga a polícia "a coagir pessoas que usarem a bandeira do Brasil". O inspetor já participou de eventos na sede do governo e de encontros com Bolsonaro ao lado de Tancredo dos Santos, outro assessor de André Fernandes. Fã de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, e ativo militante virtual, Tancredo já usou as redes para lançar suspeitas sobre o Supremo Tribunal Federal ao escrever que "o maior esquema de corrupção" da História no Brasil seria "em breve revelado". "Nunca foi tão fácil advogar para o crime, muito dinheiro está em jogo, STF irá cair", postou ele.

O Estadão procurou os gabinetes onde estão lotados os assessores. A equipe de Fernandes pediu os questionamentos por escrito, mas não respondeu. Delegado Cavalcante negou as acusações de uso indevido dos servidores.

Estadão
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