Gestão Bolsonaro mira empréstimo de R$ 3 bi ao Banco Mundial
Ministério da Saúde admite que retomada da economia depende de imunização e planeja pedir verba para compra de vacinas
O Ministério da Saúde planeja pedir um empréstimo de US$ 600 milhões (o equivalente a R$ 3 bilhões) ao Banco Mundial para a compra de vacinas contra a covid-19. Em um projeto elaborado para embasar o pedido de crédito externo, a pasta admite que a retomada da economia depende da vacinação. O texto destoa do discurso do presidente Jair Bolsonaro, que tem minimizado em diversas ocasiões a importância da estratégia de imunização da população como forma de conter a pandemia.
O documento de 18 de junho, obtido pelo Estadão, prevê ainda a possibilidade de ter de ampliar o portfólio de vacinas compradas pela pasta e de produzir nacionalmente o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) diante da alta demanda global. A escassez de IFA já atrasou a produção de vacinas no Brasil.
O projeto de empréstimo solicita "suporte aos esforços de vacinação do governo" durante um período de dois anos. Como ainda não é sabida a duração da imunidade induzida pelas vacinas, cientistas tem discutido a possibilidade de revacinar a população no ano que vem.
Segundo a proposta, o financiamento pode ocorrer por meio do reembolso dos valores já pagos pelo governo brasileiro ou pelo financiamento de despesas futuras. Pelas contas do governo federal, 135 milhões de doses já foram recebidas ou são esperadas até o fim de junho. "Outros 176 milhões de doses são esperadas para o terceiro trimestre, enquanto 310 milhões de doses são esperadas entre outubro e dezembro", informa o documento.
Até domingo, apenas 63,1 milhões de brasileiros haviam sido vacinados com a primeira dose e 24,2 milhões receberam as duas doses. Com ritmo lento de vacinação na comparação com outros países, o Brasil ainda registra alta taxa de transmissão do vírus - só na última sexta-feira, 18, foram quase 100 mil infectados em 24 horas, contingente que deve pressionar o sistema público de saúde e retardar a retomada da economia.
"Está claro que a maneira mais efetiva para minimizar riscos atuais e futuros de aumento na taxa de transmissão do vírus e para a retomada sustentada das atividades econômicas se dará através de uma rápida expansão da cobertura vacinal", afirma a carta do Ministério da Saúde para justificar o pedido de empréstimo. O documento cita ainda que o impacto da covid-19 pode afetar uma década de melhoria constante no Índice de Desenvolvimento Humano.
Na semana passada, Bolsonaro voltou a atacar as vacinas. Ele disse que a Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo paulista, "não tem comprovação científica ainda", apesar de o imunizante ter passado pelos testes e ter sido aprovado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O governo federal também recusou ofertas de vacinas no ano passado: não respondeu a ofertas feitas pela Pfizer e afirmou que não compraria a Coronavac.
O Brasil usa hoje, principalmente, as vacinas Coronavac e a da AstraZeneca. No terceiro trimestre, a previsão é de aumentar a participação do imunizante da Pfizer na estratégia de vacinação da população. E, para o quarto trimestre, contar também com quantidade maior da vacina da Janssen - o 1º lote desse imunizante chegou ao Brasil nesta terça-feira, 22. Só poderão ser financiadas vacinas aprovadas nos parâmetros de elegibilidade do Banco Mundial. Os critérios do banco são alinhados com os da Covax, consórcio internacional sob supervisão da OMS, e outros parceiros multilaterais.
O pedido de crédito também visa a fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), com aquisição de novas tecnologias para acompanhar o avanço da vacinação pelos Estados e municípios. Segundo o projeto, dado o "caráter crítico" da pandemia no Brasil, "o financiamento poderá ser processado de forma acelerada, uma vez que os trâmites do governo brasileiro estejam concluídos".
A carta-consulta com o pedido de financiamento foi elaborada pelo Ministério da Saúde e enviada na sexta-feira, 18, à Secretaria Executiva da Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) do Ministério da Economia. A carta considera que o Brasil está "no seu ponto mais alto na pandemia, em contraste com outras partes do mundo que já verificam uma redução de casos e mortes".
Segundo o Ministério da Economia, a operação deverá passar por um processo de análise na Cofiex, para posterior encaminhamento ao Banco Mundial. Caso aprovado, o empréstimo deverá ser pago em até 20 anos, com cinco anos de carência. "É importante mencionar que o custo desses financiamentos, em geral, é inferior ao custo de captação do Tesouro Nacional", informou a Economia.
Em abril, o Banco Mundial anunciou ter alcançado US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) em financiamentos aprovados para a compra e distribuição de vacinas da covid-19 para 17 países em desenvolvimento. Entre os países apoiados estão Afeganistão, Bangladesh e Etiópia. O banco espera apoiar 50 países com financiamento de US$ 4 bilhões (cerca de R$ 20 bilhões) para vacinas até meados deste ano. No Brasil, outro empréstimo com o Banco Mundial continua ativo: trata-se de US$ 1 bilhão para ampliação do programa Bolsa Família.
A reportagem perguntou ao Ministério da Saúde quantas doses dependeriam do empréstimo e se há o risco de que as vacinas consideradas contratadas pela pasta não tenham verba federal. O Ministério da Saúde não respondeu.