Gil, 45 anos depois do AI-5 e prisão: 'foram momentos de muita agonia'
Dezembro de 1968, dia 23. Dez dias depois da edição do Ato Institucional número 5, que entraria para a história do Brasil como o famigerado AI-5. No Rio de Janeiro, Gilberto Gil e Caetano Veloso, expoentes, usinas e pontas de lança do movimento celebrizado como Tropicalismo são presos pela ditadura. Neste dezembro de 2013, os 45 anos do AI-5. Na terça, dia 23, véspera do Natal, 45 anos da prisão de Gil e Caetano. Sobre aquele tempo, a prisão, e sobre o Brasil e o mundo de hoje, Gilberto Gil falou ao Terra.
Final da tarde da terça-feira, 17. Por telefone, a caminho da quadra da Unidos da Tijuca onde, em companhia de Caetano, faria show em comemoração aos 20 anos da ONG Viva Rio, Gilberto Gil busca recordar a prisão:
“Foram momentos de muita agonia, de muita aflição, mas a emoção se dilui no tempo, tudo isso, desse ponto de vista, já foi...”
Gil recorda também o cenário daquele dezembro de 68, dos antagonismos políticos e estéticos:
“...era um tempo de uma efervescência danada, de muita música, muita vontade de contribuir, de atuar (...) um tempo que tinha a ditadura e tinha a reação à ditadura...”
“(...) tinha toda uma confrontação... uma música mais arrojada, temáticas contemporâneas, o rock and roll, o elétrico, toda a nova linguagem, e tinha os estudantes, as passeatas, os protestos, a atuação estudantil no mundo inteiro, tudo isso... no Brasil, mas também no mundo inteiro, assim era o mundo naquele tempo... no Brasil, com ditadura, isso tinha uma representação muito forte...”
O AI-5, a ditadura, as prisões, não se perderam na poeira do tempo, diz Gil. Ao contrário:
“(...) tem a memória, não se esquece, tem o legado, a acumulação de energias que ainda abastece a sociedade moderna, impulsiona o país pra frente, tudo aquilo vivido, tudo isso, leva à fase popular da história se consolidando, uma fase de participações populares importantes no Brasil...mas também em quase todo o mundo...”
Quarenta e cinco anos depois do AI-5, da prisão que empurraria ele e Caetano Veloso para o exílio em Londres no ano seguinte, Gilberto Gil conclui:
“... o Brasil é um país fundamental para a civilização contemporânea...”
Abaixo, a íntegra da conversa com Gilberto Gil:
Terra - Quarenta e cinco anos depois, o que lhe vem à cabeça quando perguntado sobre o AI-5, sobre a sua prisão e de Caetano no Rio de Janeiro a 23 de dezembro de 1968, antes do exílio a partir do ano seguinte?
Gilberto Gil - Aquele foi... aquele era um tempo de uma efervescência danada, de muita música, muita vontade de contribuir, de atuar, isso em várias áreas, por exemplo no campo das artes, um tempo que tinha a ditadura e tinha a reação à ditadura, senão geral ao menos de uma parte da sociedade...
Terra - E nisso...
Gilberto Gil - ...nisso o universo musical era importante para essa reação e, ao mesmo tempo, esse universo da música vivia uma renovação, com quadros novos, repertórios novos, a música chegando à tevê, algo que foi importantíssimo, impactante naquele cenário todo...
Terra - Nesse universo musical, das artes, havia a reação para fora, contra ditadura, e havia também as reações internas, digamos assim, um choque de concepções, de visões...
Gilberto Gil - ...sim, eram várias as visões, correntes...
Terra - ...desde o como reagir à ditadura até a essência dos grupos... de um lado um modo, o das esquerdas tradicionais, e de outro uma nova reação, também estética, representada pelo tropicalismo, pelos tropicalistas... algo assim como a “velha” e a nova estética... seria isso?
Gilberto Gil - Grosso modo, sim, pondo no preto e branco era basicamente isso, tinha toda uma confrontação. Uma música mais arrojada, temáticas contemporâneas, o rock and roll, o elétrico, toda a nova linguagem, e tinha os estudantes, as passeatas, os protestos, a atuação estudantil no mundo inteiro, tudo isso... no Brasil, mas também no mundo inteiro, assim era o mundo naquele tempo... no Brasil, com ditadura, isso tinha uma representação muito forte...
Terra - Do ponto de vista emocional, o que você lembra daqueles dias, da sua reação na hora da prisão?
Gilberto Gil - Foram momentos de muita agonia, de muita aflição, mas a emoção se dilui no tempo, tudo isso, desse ponto de vista, já foi... fica a memória...
Terra - Quarenta e cinco anos depois... preto no branco, como você diz, o Brasil é um País melhor, pior? Claro, não estamos nisso falando da ditadura, porque ela mesma se define, digo de todos os outros aspectos...
Gilberto Gil - O Brasil é como o mundo, melhor muito em muitos aspectos... do ponto de vista da sociedade as democracias vieram, avançaram, isso quase que no mundo inteiro, as populações avançaram muito. No Brasil, nos últimos anos, as grandes populações passaram a ter um papel importante...
Terra - ...a tecnologia...
Gilberto Gil -...a tecnologia mudou tudo... mudou o conhecimento, em muitos sentidos passou a trabalhar em beneficio das massas, em benefício da saúde pública, da medicina...
Terra - E os aglomerados urbanos?
Gilberto Gil - ...que, ao mesmo tempo, facilitam mas complicaram mais, com as superpopulações nas cidades, no Brasil, mas também no mundo inteiro, com problemas no meio ambiente, no abastecimento...
Terra - ...avanços, mas também grandes dificuldades...
Gilberto Gil - ...sim, e as dificuldades também no campo político, no sentido de continuar sendo intérpretes fiéis da vontade popular...então, no geral são muitos prós, também tem muitos contras, muitos problemas novos, mas o Brasil avançou muito em meio a tudo isso...
Terra - Sem que se esqueça, que se perca a memória, mas pergunto: tudo aquilo já teria se perdido na poeira do tempo?
Gilberto Gil - Não... tem a memória, não se esquece, tem o legado, a acumulação de energias que ainda abastece a sociedade moderna, impulsiona o país pra frente, tudo aquilo vivido, tudo isso leva à fase popular da história se consolidando, uma fase de participações populares importantes no Brasil...mas também em quase todo o mundo inteiro...O Brasil é um país fundamental para todo esse deslocamento, o Brasil é um país fundamental para a civilização contemporânea...