Gleisi Hoffmann, a 'ex-estrela em ascensão' que virou braço direito de Lula e enfrenta julgamento no STF
Para desafeta política, atual presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e senadora 'é corajosa, porque defende o indefensável'; a exemplo de seu mentor, Hoffmann é acusada de corrupção e lavagem de dinheiro.
O enredo que conta a história de poder e penúria do Partido dos Trabalhadores (PT) se repete, com algum mimetismo, na trajetória de um dos nomes do núcleo principal da sigla: senadora Gleisi Hoffmann.
Após uma escalada promissora em 2011, de senadora a ministra da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff, a curitibana assumiu, em 2017, a presidência de um partido já muito diferente daquele que fez Hoffmann, 52 anos, dar seus primeiros passos em ambiente palaciano.
O PT viu sua força eleitoral minguar significativamente nas eleições municipais de 2016, sua correligionária mais ilustre, a presidente do país, Dilma Rousseff, sendo retirada do poder pelo Congresso e seu fundador e líder histórico, o ex-presidente Lula, sendo preso após condenação por corrupção e lavagem de dinheiro.
E agora é Hoffmann, uma das vozes mais contundentes do PT a reagir contra o processo criminal contra Lula, que se vê na mesma posição de seu mentor: de réu levado à Justiça pela Operação Lava Jato.
Ela enfrenta, nesta terça-feira, um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), resultado de uma denúncia feita em 2016 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A Segunda Turma da corte avaliará uma ação penal que tem como réus também o marido de Hoffmann, o ex-ministro petista Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Rodrigues.
Segundo a denúncia, um esquema de corrupção irrigou com R$ 1 milhão a campanha de Hoffmann ao Senado em 2010. Paulo Bernardo teria pedido o valor ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, e Rodrigues teria sido o responsável por receber a propina. A denúncia se baseia em delações premiadas de Costa e do doleiro Alberto Youssef, além de dados de ligações telefônicas entre os envolvidos e anotações na agenda de Costa.
De acordo com delação do ex-senador Delcídio do Amaral, cujo depoimento complementa a denúncia, Paulo Bernardo sempre foi visto como um "operador de muita competência" da mulher.
Além desta ação na qual é ré acusada de corrupção e lavagem de dinheiro, Hoffmann foi alvo de outra denúncia pela PGR - que ainda será acatada ou não pelo STF. Nela, a senadora e também seu marido são investigados por suposta participação em organização criminosa durante os governos do PT. É possível que haja outros inquéritos em tramitação que não puderam ser mapeados pela reportagem por estarem sob segredo de Justiça.
Em nota, a senadora afirmou ter recebido com "serenidade" a notícia do julgamento da ação penal em que ela diz ter sido "injustamente denunciada, sem qualquer prova ou indício de crime".
"Trata-se de acusação forjada nos subterrâneos da Lava Jato, onde criminosos condenados negociam benefícios penais e financeiros em troca de delações mentirosas, que servem à perseguição política contra o PT e os nossos dirigentes", disse a senadora.
"Há quatro anos, aguardo o desfecho dessa trama. Nada vai apagar o sofrimento causado a mim e à minha família, os danos à minha imagem pessoal e política, mas vejo com alívio o dia em que a Justiça terá a oportunidade de me absolver e restaurar a verdade".
Homenagem a Grace Kelly
Descendente de alemães, Hoffman nasceu em Curitiba e foi batizada com uma homenagem equivocadamente grafada à atriz Grace Kelly. Estudou em um colégio católico e costuma contar que desejou ser freira, mas foi contida pelo pai - já que a ida ao convento implicaria uma mudança para o Rio Grande do Sul.
Foi ainda na escola que ela passou a participar de atividades sociais e do movimento estudantil.
Já formada em Direito e especializada em Gestão de Organizações Públicas e Administração Financeira na Escola Superior Administração Fazendária (Esaf), Hoffmann assessorou nomes do PT e compôs o secretariado de gestões da sigla no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Ela é filiada ao partido desde 1989.
Foi como assessora da bancada petista na Câmara que Hoffmann conheceu, na década de 90, Paulo Bernardo - então deputado federal. Eles são casados há mais de duas décadas e têm dois filhos.
Em 2006, veio a estreia na disputa por um cargo eletivo: Hoffmann foi derrotada na disputa ao Senado pelo Paraná; em 2008, foi derrotada nas eleições para a prefeitura de Curitiba. Finalmente, em 2010, foi eleita senadora pelo Paraná.
'Estrela em ascensão'
Mas o período na Casa foi curto: ainda no primeiro semestre de mandato da recém-eleita presidente Dilma Rousseff, Hoffmann assumiu o ministério da Casa Civil. Foi o apagar de um incêndio causado por denúncias de enriquecimento ilícito que recaíram sobre o então titular da pasta, Antonio Palocci, que pediu demissão do cargo.
"Eu a via como uma estrela em ascensão da bancada governista", diz à BBC News Brasil um assessor da bancada governista no Senado no período, que preferiu não se identificar. "Foi uma pessoa que assumiu as grandes teses do governo, se colocava no debate público, ia ao plenário. Em geral, é a oposição que fala muito e a situação vota, mas ela se jogava no debate. Isso fez ela se destacar, tornando-a uma líder natural."
Na época, o nome do próprio marido da petista, Paulo Bernardo, foi aventado para o cargo. Mas ele continou como titular do Ministério das Comunicações, formando um casal de ministros na Esplanada.
De 2011 a 2014, à frente da Casa Civil, Hoffmann chegou a ser chamada de "Dilma da Dilma" por seguir à risca o estilo da presidente de governar. A curitibana voltou ao Senado em 2014 após uma reforma ministerial que buscou acalmar a base aliada do governo e preparar o partido para as eleições gerais que se aproximavam.
No mandato como senadora, seus projetos giraram em torno de temas de administração pública e economia (7); Justiça e segurança pública (5); gênero (4); e outros (2).
Ainda em 2014, Hoffmann tentou se eleger governadora do Paraná, mas chegou em terceiro lugar. Mas o próprio Senado guardaria à curitibana espaço para alguns dos episódios mais emblemáticos de sua carreira - e da história recente do PT.
O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, quando foi votado e aprovado pelo Senado em 2016, causou turbulência entre os parlamentares e colocou Hoffman sob os holofotes. A afirmação da petista de que o Senado não tinha "moral" para julgar Rousseff rendeu a Hoffmann não só repreensões em plenário pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski e pelo presidente da Casa, Renan Calheiros, como uma representação no Conselho de Ética do Senado.
A representação contra Hoffmann foi solicitada pela senadora Ana Amélia (PP-RS), que argumentou que a petista teria ferido a ética e o decoro parlamentar ao atacar o Senado de forma generalizada. A representação foi posteriormente arquivada pelo conselho.
Embates com Ana Amélia
Nas redes sociais e na imprensa, Glesi Hoffmann e Ana Amélia frequentemente aparecem como opositoras em embates públicos.
"Devo dizer que, intelectualmente, a senadora é uma das parlamentares mais preparadas do PT em matéria econômica e orçamentária", afirmou Amélia à BBC News Brasil, negando que a oposição programática entre elas crie uma animosidade pessoal. "Mas a convivência me mostra que ela é uma pessoa que tem fixação, eu diria radicalizada, a seus princípios ideológicos. Isso a impede de fazer uma autocrítica dos erros cometidos pelos governo do PT com a Petrobras e na Lava Jato, por exemplo. Ela, especialmente pelo conhecimento econômico que tem, deveria reconhecer esses equívocos."
"Eles (os políticos do PT) usam aquela tática de repetir uma mentira até que ela vire verdade. Vêm com um discurso de vitimismo, de perseguição jurídica, insistindo como se o réu não fosse o Lula, mas o Moro (Sergio Moro, juiz federal), o Rodrigo Janot ou a Raquel Dodge (atual procuradora-geral da República). A Gleisi é corajosa, porque para defender o indefensável, tem que ser muito corajosa."
O recorrente argumento dos petistas de que a sigla estaria sendo vítima de uma perseguição no Judiciário foi impulsionado a dimensões extremas diante da situação jurídica do ex-presidente Lula. Já presidente nacional do PT - ela foi eleita em junho de 2017, apoiada por Lula e pela corrente majoritária do partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB) -, Hoffmann afirmou ao site "Poder 360" que, para prender Lula, seria preciso "matar muita gente".
"Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar", disse a senadora, na véspera do julgamento do ex-presidente em segunda instância, após condenação determinada pelo juiz Sergio Moro.
Depois, no Twitter, Hoffmann afirmou que as palavras foram usadas por sua "força de expressão para dizer o quanto Lula é amado pelo povo brasileiro".
Uma vez preso, em Curitiba, Lula fez da petista sua porta-voz fora da cadeia, recebendo visitas rotineiras dela - interrompidas por idas e vindas de decisões judiciais e administrativas que restringiram a entrada de pessoas na sede da PF em Curitiba, onde o ex-presidente está preso.
Enquanto informações de bastidores dão conta de que alguns membros do PT estariam defendendo um "plano B" à candidatura de Lula à presidência da República, a curitibana vem repetindo que esta não é uma possibilidade. Até mesmo seu nome teria sido sondado como alternativa, o que ela negou no início de junho, no Twitter.
"Aviso reto: não sou candidata a presidente, a vice ou pretendente a ser. O PT tem candidato! É Lula!!! Aceitem, dói menos", escreveu a senadora.
A relação entre Hoffmann e Lula é antiga: em 2002, ela fez parte da equipe de transição do então recém-eleito presidente; no primeiro mandato do petista, ela foi nomeada diretora financeira da Itaipu Binacional.
Confrontado com rumores de que Hoffmann, como presidente nacional do partido, estaria sendo rejeitada por correntes internas da sigla - incluindo a CNB -, o coordenador da corrente, Francisco Rocha da Silva, o Rochinha, negou tal diagnóstico. Segundo ele, o julgamento da ação penal contra a curitibana também não coloca dúvidas, no partido, sobre sua continuação à frente da sigla.
"Não existe isso, pelo contrário. Na minha opinião, a Gleisi, que não vinha de uma tradição de direção partidária, tem dado conta do recado em um momento muito difícil da vida partidária. É nota 10", disse Rochinha à BBC News Brasil por telefone. "Em todas as reuniões da CNB, ela tem estado presente. Ela trabalha tanto que não sei como consegue."
À frente do PT, o mandato de Hoffmann vai até 2019; no Senado, até o fim deste ano. Oficialmente, a petista indica a intenção de concorrer à Câmara dos Deputados no pleito deste ano. Mas seu destino político está atrelado à sua situação jurídica: uma eventual condenação no STF pode significar complicações para assumir diante da Lei da Ficha Limpa; já a perda de mandato pode implicar também na perda do foro privilegiado.