Governador do CE em 83: 'Fui o 1º a levantar a bandeira de Tancredo'
Gonzaga Mota rompeu com o governo Figueiredo e apoiou Tancredo Neves na disputa à Presidência da República de 1984
O professor universitário, consultor de empresas e escritor Gonzaga Mota, 70 anos, não pensa em se aposentar. O economista, apaixonado por futebol, ostenta em seu escritório bandeiras do time do coração, o Flamengo, e não nega o bem querer pelo time cearense Ferroviário. Reconhecido por muitos pela sua atuação como governador do Ceará, Gonzaga vive ainda a ignorância de alguns, que não associam sua atuação política a dois fatos que marcaram os últimos 25 anos do século XX: a redemocratização do Brasil e a relatoria do projeto que criou Plano Real. Veja a seguir os principais trechos da entrevista ao Terra, neste especial sobre os 30 anos da posse dos primeiros governadores eleitos diretamente após o golpe de 1964.
Terra - Como o senhor se tornou governador do Ceará?
Gonzaga Mota - Por sugestão do então ministro Mário Henrique Simonsen ao governador eleito Virgílio Távora fui convidado e aceitei coordenar o Segundo Plano de Metas Governamentais (1979-1982). Após a conclusão do texto – realizado por uma equipe de técnicos cearenses – assumi a Secretaria de Planejamento do Estado. Saí da pasta para me candidatar a deputado federal, mas em meados de março, de 1982, vi que minha candidatura era inviável porque não tinha condições logísticas para fazer uma campanha de deputado federal. Então, desisti. Comuniquei ao governador Virgilio Távora. E retornei a minha carreira de origem, que era de técnico do Banco do Nordeste. Antes disso, havia uma disputa muita intensa na candidatura ao governo do Ceará pelo Partido Democrático Social (PDS) entre Adauto Bezerra e Aécio de Borba - dois homens de bem, mas a disputa estava muito grande. Depois de reuniões em Brasília, com o ministro Leitão de Abreu, então chefe da Casa Civil, foi constatada a necessidade de um tércius para unir o partido. Esse tércius fui eu.
Terra - Acordos políticos foram firmados para sua campanha?
Mota - Passei a trabalhar com as três forças políticas do Ceará: a do governador Virgílio Távora, de Adauto Bezerra (meu vice) e do ministro César Cals. Durante a campanha, trabalhei normalmente, comecei a fazer viagens, principalmente com Virgilio, que era candidato ao Senado. Em 15 de novembro de 1982, fui eleito com a maior votação relativa do Estado do Ceará, com apoio das três lideranças do PDS.
Terra - Quais foram suas principais dificuldades durante o governo?
Mota - Minha grande dificuldade foi administrar as três tendências, de tal maneira que não contrariasse as bases de cada um. Mas tive uma assessoria de um grande amigo, Aldenor Nunes Freire – já falecido – que foi de uma amizade e lealdade fantástica. Eu era neófito em política, com 38 anos, e me saí bem. Consegui contornar - com muita dificuldade – com ajuda do Aldenor.
Terra - Como foi sua atuação no início da campanha das Diretas?
Mota - Eu era muito ligado ao vice-presidente Aureliano Chaves. Fui o único governador ao lado dele no início do processo de redemocratização que teve a coragem de ir à Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) defender o nome de Tancredo (Neves) para presidente da República. Nessa época, tive uma boa amizade com Ulysses Guimarães. Fomos eu e Aureliano que criamos a dissidência do PDS. A partir daí, foi criada a Aliança Democrática, oriunda dos dissidentes do PDS com o PMDB, que depois passou a ser chamada de Frente Liberal. Fui o primeiro governador do PDS a levantar a bandeira de Tancredo Neves. Até hoje recebo manifestações de carinho pela minha atuação há 30 anos.
Terra - Como era sua relação com o presidente João Figueiredo?
Mota - Rompi com o regime militar, chefiado pelo general João Figueiredo, ao negar apoio ao candidato do PDS, Paulo Maluf, e paguei um alto preço por essa destemida e republicana decisão. Minha relação com Figueiredo era muito boa, mas depois que fui para dissidência do partido com seu vice, Aureliano Chaves, nossa relação ficou estremecida.
Mota - Com problemas de toda ordem, criei com meu secretário da Fazenda, Firmo Fernandes de Castro, as Gonzaguetas - símbolo da resistência democrática. Não tínhamos dinheiro para nada e precisávamos dar assistência à seca. Emitíamos um documento e, com ele, pagávamos contas – inclusive de funcionários - e quando o funcionário comprava, a empresa que fosse pagar o ICMS usava as Gonzaguetas. Acredito que ideia do banco comunitário, que opera sob o princípio de economia solidária surgiu a partir dessa iniciativa.
Terra - Como era sua relação com os militares?
Mota - Tive uma relação muito boa com os militares. Eles me ajudaram bastante, sobretudo, nos períodos de crises naturais, como a seca e 1983 e a enchente de 1985. Nunca houve por parte deles qualquer conflito com relação a minha posição política. Eles já sabiam quem era o (Paulo) Maluf... Houve ofertas de toda natureza para apoiá-lo e recusei.
Terra - Quais foram os momentos mais difíceis do seu governo?
Mota - Enfrentamos duas crises naturais: uma seca cruel, em 1983 e 84 e uma enchente cruel, em 1985. Com isso, demos um apoio substancial à população do Interior. Sempre eu digo que a lógica da Bolsa Família começou nessa época, quando criei frentes de trabalho, dava cestas básicas e pagava salários. A ideia em tese da Bolsa Família começou comigo no Ceará. Associado a isso, houve a participação da minha mulher Mirian na Missão Asa Branca, quando ela mobilizou vários segmentos da sociedade e levava apoio às comunidades carentes do Interior, tanto na seca quanto na enchente. Nos dos eventos cruéis, nenhum cearense morreu de fome.
Terra - Quais ações marcaram sua gestão no Estado?
Mota - Rompi com o regime militar ao negar apoio ao candidato do PDS, Paulo Maluf. Isso foi muito significativo durante meu governo. Além disso, construímos cerca de três mil salas de aula e a maior rede de transmissão elétrica do Ceará; batemos recorde na construção de açudes, onde aproveitávamos a mão de obra da seca; fizemos e reformamos vários hospitais em Fortaleza e no Interior. Na Agricultura, fizemos um bom trabalho na recuperação do algodão e no tocante à agricultura de subsistência. Vejo que, resumindo, foi um grande trabalho de largo alcance social, infraestrutural e econômico. Fui um governador extramente humilde, fiz um trabalho participativo convocando a sociedade para me ajudar sempre. O lema do meu governo era “Participação e Bem-estar”.
Terra - Depois do governo estadual o senhor foi por três legislaturas deputado federal. O que destaca do mandato?
Mota - Sempre realizei campanhas eleitorais com muitas dificuldades em razão de não possuir a necessária estrutura logística para tais. Na Câmara, fui presidente das comissões permanentes de “Finanças e Tributação” e de “Economia, Indústria e Comércio”. Já presidi comissões especiais e fui relator de projetos importantes para o Brasil, como o que previa a criação do Plano Real.
Terra - Aquele foi um período conturbado. Hoje a democracia se consolidou. O que mudou, na prática, na política cearense?
Mota - Não pertenço mais a nenhum partido. Larguei a política e não pretendo voltar. Eu aprendi muito com aquelas pessoas que fiz política há 30 anos. Virgilio Távora, Aureliano Chaves, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Franco Montoro, José Richa, dentre outros. Não sei se hoje não sei se conseguiria aprender algo. Apesar de ser professor, gosto muito de aprender, me considero um eterno aprendiz. Lamentavelmente na política quem manda hoje é o poder e o dinheiro. Sempre digo que os desvios de conduta se ampliaram no nosso País quando as estratégias tendenciosas de “marketing” político substituíram os planos de governo.
Terra - Uma frase ficou famosa no Ceará pelo senhor: “a política é dinâmica”. Essa ideia persiste?
Mota - Sim. Justifico essa frase pela pequena consciência crítica que se tem da democracia. Quero justificar sua dinâmica no sentido de ideias – até o Vaticano hoje é dinâmico. A frase completa é: “a política é dinâmica e a ética é permanente”.
Terra - Como o senhor avalia sua passagem pela vida política?
Mota - Fui vítima de muita inveja, ciúmes. Tancredo chegou a me convidar para ser vice-presidente da República. “Meu filho, você quer ser meu vice?" Eu, com 40 anos, recusei: “Doutor, sou muito novo”, eu disse. Hoje, me encontro aqui com a consciência tranquila, olhando nos olhos de cada cearense. Quem me difamou e teve inveja de mim, eu perdoo. Não tenho raiva de ninguém. Por sua vez, ao longo da minha vida pública, fiz grandes e leais amigos.