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Política

Governantes combinam viés antiprivado e populismo barato

Parece haver, em nosso País, um incompreensível viés contra qualquer tipo de investimento privado na área de infraestrutura

11 mar 2021 - 04h10
(atualizado às 07h38)
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Em meio à crise atual que, sem vacinas disponíveis, ameaça até mesmo alcançar 2022, cabe proteger as camadas mais vulneráveis e também garantir a sustentabilidade da dívida pública. Nesse contexto, é surpreendente a atuação de alguns governantes ao tomar decisões que já seriam equivocadas em contexto de normalidade, mas em plena pandemia se tornam ainda mais absurdas.

Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto
10/03/2021
REUTERS/Ueslei Marcelino
Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto 10/03/2021 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

Tenho aqui mesmo destacado a importância do investimento privado no provimento de infraestrutura, onde um programa de concessões bem desenhado permite aproveitar ganhos de eficiência e liberar recursos públicos para outros gastos. Em tempos de fortes desequilíbrios fiscais e da necessidade de aumento de gastos para mitigar os impactos da covid, qualquer recurso adicional é obviamente bem-vindo.

Infelizmente, parece haver, em nosso País, um incompreensível viés contra qualquer tipo de investimento privado na área de infraestrutura. Seguindo aquilo que a literatura denomina de "oportunismo do regulador", o governo espera as concessionárias assinarem os contratos, fazerem pesados investimentos (o que normalmente ocorre nos primeiros anos), para, posteriormente, alterar regras e reduzir a rentabilidade dos projetos. À concessionária, uma vez tendo incorrido em elevados "custos afundados", só resta minimizar danos e aceitar as condições impostas, procurando posteriormente seus direitos na Justiça. No curto prazo, ganha o governante ao se mostrar como aquele político capaz de "enfrentar o grande capital" e garantir tarifas baixas para os serviços públicos, mas essa prática não se sustenta e gera consequências a longo prazo, como discutirei adiante. Combina-se, assim, viés antiprivado com populismo barato.

Exemplo recente do comportamento oportunista é o da Linha Amarela, via expressa que liga a zona oeste à norte do Rio de Janeiro, e cujo contrato de concessão deve ir até 2037. Em 2018, o então prefeito Crivella, desrespeitando as normas contratuais, suspendeu a cobrança de tarifas de um trecho da via e chegou até a utilizar tratores para destruir praças de pedágio. Um crime sem punição cujo custo será cobrado do próprio usuário. Desde então, instalou-se uma batalha judicial para defender o óbvio direito da concessionária de cobrar pelos serviços prestados. Mesmo sem poder cobrar pelo pedágio, a concessionária manteve algumas de suas obrigações contratuais, como a prestação de socorro e guincho a vítimas de acidentes.

O processo evoluiu até o município do Rio decidir encampar a concessão, decisão confirmada em 20 de fevereiro último pelo atual prefeito. Felizmente, por decisão liminar do STF de 8 de março, a encampação está suspensa.

A encampação, per se, é possível, mas requer que o poder concedente indenize antecipadamente a concessionária pelos investimentos ainda não amortizados. Indenização justa, contudo, é o cenário menos provável na atual situação de crise fiscal e de necessidade de maiores gastos para mitigar os impactos da covid.

Sem uma solução via Judiciário, o cenário mais provável é o município encampar a concessão sem indenizar devidamente a concessionária ou impor uma tarifa aquém daquela contratualmente acordada.

Obviamente isso vai reverberar em futuros contratos, reduzindo a atratividade dos investimentos em infraestrutura, com os licitantes passando a incorporar esse risco jurídico na equação financeira do projeto e a exigir maior remuneração pelo empreendimento. Ou seja, essas ações vão se refletir em tarifas mais altas. Ademais, o problema não fica circunscrito ao Rio de Janeiro. Afinal, o que está ocorrendo lá não é visto como exceção ou como capricho de um prefeito excêntrico, mas, sim, como manifestação do viés antiprivado a que me referi anteriormente, e que compromete o investimento em qualquer ente da Federação.

Seria importante que os governantes se conscientizassem da importância de respeitar os contratos de concessão e concentrassem seus esforços naquilo que é mais importante no curto prazo, qual seja, mitigar os impactos da covid-19.

*CONSULTOR ECONÔMICO

Estadão
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