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Política

'Há uma grande operação abafa em curso', diz economista

PEC da Blindagem, proteção a Flavio Bolsonaro e reformas marcam retrocessos no combate à corrupção

27 fev 2021 - 15h21
(atualizado às 15h44)
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PEC da Blindagem, derrubada da quebra do sigilo fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro na Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, revisão da Lei de Improbidade e do nepotismo, proposta de reforma da Lei Orgânica das Polícias... A lista de episódios recentes que marcam retrocessos no combate à corrupção no Brasil é enorme, alerta a economista Maria Cristina Pinotti. "Há também o desmonte da Lava Jato e o aparelhamento de órgãos de controle e partes do Judiciário, entre outros fatos que demonstram uma tendência", disse ela ao Estadão. Coautora e organizadora do livro Corrupção: Operação Mãos Limpas e Lava Jato, (2019, Portfolio-Penguin), Maria Cristina sustenta que o País está "no meio de uma avalanche de legalização da corrupção" e que há "uma grande operação abafa em curso".

Qual o significado da decisão que derrubou a quebra de sigilo do senador Flávio Bolsonaro?

Essa decisão faz parte de uma tendência no País: o enfraquecimento do combate à corrupção. Há ciclos no enfrentamento da corrupção. Vivemos hoje uma fase de refluxo, ou, como diz o ministro (Luís Roberto) Barroso, "a fase do abafa". Temos uma grande operação abafa em curso no Brasil, com duas vertentes: tentativas de legalizar a corrupção e de aparelhar a maior parte possível dos órgãos de controle e do próprio Judiciário. As revelações do mensalão e da Lava Jato marcam a fase vitoriosa do ciclo de combate à corrupção. Leis foram alteradas ou criadas para enfrentar os desvios, houve melhora institucional para punir crimes de colarinho-branco, acordos internacionais para facilitar a troca de informações e permitir o rastreamento de recursos ilícitos. Aumentaram as penas. A definição do que é uma organização criminosa foi revista e instituída a possibilidade de colaboração premiada, o que é essencial, pois, assim como acontece na máfia, a corrupção não passa recibo.

Moro pede que depoimento presencial de Bolsonaro seja mantido
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Foto: Reuters

Quais são os principais exemplos desses avanços?

A Lei Anticorrupção, a Lei da Ficha Limpa, a Lei das Estatais. Houve um avanço institucional determinante a partir do escândalo do mensalão, que permitiu que a Lava Jato existisse. Parece contraditório, mas mesmo que em menor grau, desde o mensalão passamos a viver uma fase intermediária de avanços e retrocessos, com tentativas de desmontar as estruturas de controle, como foi o debate que suspendeu a possibilidade de prisão em segunda instância no meio das investigações do mensalão. Isso foi aumentando até cairmos nessa fase atual e aguda. Ainda estamos muito perto dos eventos para poder citar marcos específicos do ponto de vista histórico, mas, a partir do governo Bolsonaro, começamos a ver algo muito mais consistente nessas linhas: o aparelhamento de órgãos de controle e partes do Judiciário e legalizar a corrupção.

O que significa exatamente "legalizar a corrupção"?

É descriminalizá-la, desmontar as normas legais que a definem. Simplesmente a corrupção deixa de ser crime. Há vários exemplos que demonstram esse fenômeno, sendo os mais recentes, além da decisão sobre as rachadinhas, a chamada PEC da Blindagem, a revisão das regras que configuram o nepotismo e outras mudanças na Lei de Improbidade Administrativa. No mundo inteiro, o nepotismo é um dos primeiros itens da lista de mecanismos possíveis de corrupção.

Qual é o ponto de inflexão?

Ainda é difícil identificar, mas certamente acontece sob o governo Bolsonaro. A eleição do presidente da Câmara (Arthur Lira) e a aproximação do governo com o Centrão, assim como a interferência do presidente na disputa pelo comando do Congresso. Mas a inflexão talvez seja anterior, só teremos certeza com tempo e distanciamento histórico. A saída do ministro Sérgio Moro do governo também pode ser considerada. Não significa que antes de Bolsonaro não tenha havido ataques contra o combate à corrupção, vide a atuação da Segunda Turma do STF, antes da eleição de 2018, e episódios no governo Temer. Não interessa à grande maioria dos políticos combater a corrupção. A história de outros países deixa claro o que é preciso para reduzi-la. Existe uma cartilha reconhecida, sabemos quais as áreas críticas.

O que é necessário para colocar essa cartilha em prática?

Vontade política. E aí houve um grande engano, porque Bolsonaro personificou esse desejo da população em 2018. Mas a prática foi bem diferente. Depende dos políticos e do apoio da população. É necessária a sociedade civil e uma imprensa livre e atuante. Hoje, com a digitalização das informações e da gestão do Estado, é mais simples seguir o dinheiro. Todo mundo sabe o que precisa fazer. Não sai porque afeta os interesses daqueles que estão ganhando com o status quo.

Qual o legado da Lava Jato?

Independentemente dos crimes punidos, a grande virtude da Lava Jato é que a população soube o que estava acontecendo, acompanhou o caminho do dinheiro pela televisão e ficou muito irritada. E aqui preciso chamar atenção para um ponto delicado: a democracia tensionada ao extremo.

Como assim?

Qual o apoio à Lava Jato? Dizem as pesquisas que ela tem apoio de 80% da população e que Sérgio Moro aparece bem posicionado para as próximas eleições. Se os institutos estão corretos, é isso o que pensa a população, que está trancada em casa por causa da pandemia. É difícil ir às ruas protestar. O medo da morte faz com que as pessoas se sintam vulneráveis, sem coragem de reagir. A pandemia tem contribuído para que essa operação abafa ganhe uma proporção inusitada. E ela passa pela tentativa de tornar Moro inelegível. Temos um sistema político minoritário na contramão da vontade das pessoas. Onde vamos parar do ponto de vista da qualidade da democracia, da legitimidade do voto? Há um crescente divórcio entre a vontade popular e as práticas políticas.

Como esse movimento se reflete no Judiciário?

O Executivo tem o poder de nomear pessoas para postos-chave que vão acentuar ou minimizar os desvios. E não há interesse em nomear pessoas determinadas a enfrentar a corrupção. Basta olhar o que está havendo na Procuradoria-Geral da República, na Advocacia-Geral da União, nas Cortes superiores. Nossa sorte é que temos uma imprensa livre e competente e a sociedade está alerta, mas estamos no meio de uma avalanche de legalização da corrupção. Isso também aconteceu na Itália. O país está entrando numa fase de esperança depois de enfrentar um revés grande na esteira da Mãos Limpas. Mas a corrupção não foi eliminada. Não existe bala de prata. É um trabalho constante.

Qual a perspectiva de mudança, sem tratar de eleições?

A única esperança possível para o Brasil é a mobilização da sociedade civil, e a preservação das regras democráticas. Cada um de nós que não concorda com o estado atual das coisas precisa encontrar maneiras de agir politicamente. Com a pandemia isso fica mais difícil, assim como o ambiente para legalizar a corrupção foi facilitado. Mas vai passar e todo esse sofrimento nos dará coragem para continuar lutando a favor da integridade e de um país mais justo e próspero. O sistema político brasileiro é um feudo. Cada um precisa continuar a fazer o que pode, assim como a imprensa. Acredito que vamos resistir e superar esses tempos sombrios.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Estadão
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