Indicação agrava crise na base e Bolsonaro sai como traidor
Bolsonaristas ficaram descontentes com a indicação do presidente para a vaga no STF e aumentam as críticas a Bolsonaro
A indicação do desembargador Kassio Marques para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) fez aumentar o número de antigos bolsonaristas que partiram para o confronto aberto com Jair Bolsonaro, acusando o presidente de "traição" aos compromissos assumidos na campanha de 2018. O anúncio para a Corte provocou fortes críticas e uma onda de descontentamento, com ameaças de debandada e pressão para que Bolsonaro mude o nome do indicado.
O grupo dos desiludidos, já integrado por ex-ministros, como Sérgio Moro - que no passado chegou a ser cotado para uma vaga no STF -, tem aumentado. Os ataques vêm agora de todos os lados, principalmente da ala "raiz" do bolsonarismo, e a hasthag #BolsonaroTraidor desponta com força nas redes sociais.
Empresários, militares, evangélicos e ativistas ideológicos apontaram a escolha de Marques como "grave erro" e uma oportunidade perdida de nomear um "conservador" para a cadeira do ministro do STF Celso de Mello, que se aposentará no próximo dia 13. Nesta segunda, 5, Bolsonaro comparou a escolha do ministro à escalação da seleção brasileira. O encontro de Bolsonaro na casa do ministro do STF Dias Toffolli, no sábado, com a presença de Marques e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), agravou a situação.
O movimento Vem Pra Rua, que liderou manifestações pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), passou a criticar o presidente. "Na campanha, Bolsonaro prometeu enfrentar o sistema. No poder, Bolsonaro negociou a indicação de Kassio Nunes com Gilmar, Toffoli e Davi Alcolumbre. Existe traição maior que essa?", perguntou o Vem Pra Rua em post publicado nas redes, também citando o ministro do STF Gilmar Mendes.
O movimento começou a entoar a palavra de ordem "Fora, Bolsonaro" e está sugerindo protestos em todo o País, no próximo dia 25. "Falando sério. Precisamos pensar numa forma de acolher quem desembarca dessa canoa furada do bolsonarismo", disse outra mensagem do Vem pra Rua.
No Congresso, deputados como Joice Hasselmann - que foi líder do governo no Congresso e hoje é candidata do PSL à Prefeitura de São Paulo -, Alexandre Frota (atualmente no PSDB) e o senador Major Olímpio (PSL-SP) fazem parte do time dos desiludidos com Bolsonaro. Ex-juiz da Lava Jato, Moro virou inimigo.
Bolsonaristas ligados ao mercado também deram sinais de desembarque. O tom mais forte veio de um dos responsáveis por apresentar ao presidente o ministro da Economia, Paulo Guedes, até pouco tempo atrás um dos pilares do governo. "Hora de desembarcar. Acabou. Um erro dessa envergadura não se faz por acaso", reagiu Winston Ling, empresário e investidor sino-brasileiro, partidário da causa conservadora e do liberalismo.
Sabatina
Antes de ser nomeado, Kassio Marques ainda precisa passar por uma sabatina no Senado. Ontem mesmo, ele começou a pedir apoio em visita ao Congresso. Ao mesmo tempo, aliados de Bolsonaro cobram que ele recue da decisão. "A escolha do novo integrante do STF pelo presidente pode ser revertida se houver pressão da base ativista conservadora. Bora pressionar?", postou Ling no Twitter.
Porta-voz do grupo "300 do Brasil", a ativista de extrema-direita Sara Giromini, que chegou a ser presa em junho, acusada de organizar atos antidemocráticos, usou de ironia para subir o tom contra Bolsonaro.
"Que inveja eu tenho do Toffoli. Ele pelo menos ganhou um abraço do Bolsonaro", disse Sara, em mensagem nas redes. "Não reconheço Bolsonaro. Não sei mais quem ele é", emendou a militante, afirmando ter sofrido pressão do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para não atacar o Supremo nem o Congresso. O general admitiu ter pedido ao grupo para moderar suas posições, mas disse não ter havido "qualquer tipo de discórdia, reprimenda ou ameaça".
Bolsonaro também se queixou ontem de uma "autoridade" do Rio, por quem "prezava muito", que protestou contra a indicação de Marques. "Estou chateado, sim. O pessoal que me apoia virando as costas, (dizem que) não votam mais", admitiu Bolsonaro. "Essa autoridade do Rio de Janeiro queria que indicasse o dele. Fez vários vídeos, uma autoridade que diz que tem Deus no coração."
O recado era endereçado ao pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que criticou a indicação de Marques para o STF.
"Sou aliado, mas não sou vaquinha de presépio", disse Malafaia ao Estadão. Horas depois, o pastor divulgou um vídeo contando que levou a Bolsonaro uma lista com três nomes aprovados pela frente parlamentar evangélica: Jackson Di Domenico, José Eduardo Sabo Paes e William Douglas. "Como eu queria impor alguém meu? Isso é querer desviar o foco", disse Malafaia, irritado.
Até mesmo o bolsonarista Allan dos Santos, do programa Terça Livre, criticou a escolha do presidente. "Há uma enorme diferença entre bajular e compreender as circunstâncias, entre confiar e aceitar calado decisões ruins. Não trate como seita quem acreditou em você como um ser humano, Jair Bolsonaro. Explique sem exigir fé. Exija a razão e seus eleitores decidem", afirmou.
Presidente defende encontros com Maia e Toffoli
O presidente Jair Bolsonaro defendeu ontem seus encontros com autoridades do Legislativo e do Judiciário criticadas por parte dos seus apoiadores. No sábado, ele se reuniu com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o que gerou reclamações nas redes sociais. Ontem, esteve com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
"Com quem eu tomei café agora, alguém sabe? Rodrigo Maia. E daí? Estou errado? Quem é que faz a pauta na Câmara?", disse Bolsonaro a apoiadores, no Palácio da Alvorada, quando um deles questionou se era difícil governar com o STF. "Não entro no detalhe. É um Poder que respeito", afirmou o presidente.
Sobre a indicação de Kassio Marques ao STF, disse que é como escalar a Seleção Brasileira. "Todo mundo tem seu nome, e aquele que não entrou o nome reclama, aí começa a acusar o cara de tudo."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.