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Julgamento do Mensalão

Com divisão, STF absolve mensaleiros do crime de quadrilha

Ministros ainda discutirão recursos de três réus condenados por lavagem de dinheiro

27 fev 2014 - 12h55
(atualizado às 16h40)
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Joaquim Barbosa
Joaquim Barbosa
Foto: Nelson Jr. / STF / Divulgação

Os votos dos últimos quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na análise dos recursos dos condenados por formação de quadrilha no julgamento do mensalão podem ser resumidos em uma palavra: indignação. Nesse tom, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Joaquim Barbosa criticaram a posição dos colegas que disseram não ter visto a união de pessoas para cometer um crime, um dos fundamentos da acusação de quadrilha.

Último a votar, o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, iniciou sua fala criticando a decisão final a que se chegou na manhã desta quinta-feira. Segundo ele, criou-se uma "maiora de circustância" e "sob medida" para derrubar um "trabalho primoroso" feito durante o julgamento. "Primeiro inventou-se recurso regimental à margem da lei com objetivo de anular a decisão já tomada", disse, referindo-se à possibilidade, acatada pela primeira vez no STF, de se acolher embargos infringentes para votações apertadas. 

"Ouvi argumentos tão espantosos como aqueles que se basearam simplesmente em cálculos aritméticos e em estatísticas totalmente divorciadas da prova dos autos, da gravidade dos crimes praticados e documentados nos autos dessa ação penal. Enfim, totalmente divorciado do individualizado que restou demonstrado no acórdão. Ouvi até mesmo a seguinte alegação: 'Eu não acredito que esses réus tenham se reunido para a prática de crimes. Há dúvidas de que eles se reuniram? E que se associaram? E de que essa associação perdurou por mais três anos? E o que dizer dos crimes que eles praticaram e pelos quais cumprem pena?”, criticou, referindo-se aos votos de outros ministros, em especial de Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski.

Barbosa afirmou ser claro o papel que cada um desempenhava no esquema e citou, um a um, a atuação deles na engrenagem do mensalão. Para o presidente do Supremo, o ex-ministro José Dirceu "se manteve na posição de líder e organizador da quadrilha até que Roberto Jefferson veio a público denunciar a quadrilha”.

”Conforme se demonstrou fartamente, [foi Dirceu] que encaminhou os deputados interessados para que recebessem a propina mediante agendamento com os réus Delúbio Soares e Marcos Valério. Não havia dúvida ainda do papel exercido por José Genoino como preposto de José Dirceu no Partido dos Trabalhadores. Delúbio Soares foi a referência dos parlamentares para saber quanto receberiam, a data e o local. Marcos Valério foi a fonte de todo o dinheiro ilícito, o canal por onde circulou o dinheiro ilícito usado para distribuir aos deputados”, enumerou.

Celso de Mello, o decano da Corte, também foi incisivo em sua críticas. Na opinião do ministro, o grupou agiu como uma "quadrilha poderosa que se apoderou do governo”. Segundo Mello, os réus do mensalão são "delinquentes, agora condenados travestidos então da condição de altos dirigentes governamentais”.

"Os integrantes dessa quadrilha agiram com dolo de planejamento, divisão de trabalho e organicidade. Na verdade, era uma sofisticada organização criminosa. O Supremo não condenou neste processo atores políticos, mas impôs reprimenda pena a protagonistas de sórdidas tramas criminosas. Condenaram-se não atores ou dirigentes políticos ou partidários, mas sim autores de crimes”, afirmou.

O ministro defendeu ainda a atuação do Supremo durante o julgamento em contraponto à tática adotada pelas defesas dos condenados de afirmar que o mensalão foi uma farsa e que o julgamento teria sido feito ao arrepio da lei e de forma política.

"A 'maior farsa da historia política brasileira' residiu, isso sim, nos comportamentos moralmente desprezíveis, cinicamente transgressores da ética republicana de delinquentes travestidos então da condição de altos dirigentes governamentais políticos e partidários, que fraudou despudoradamente os cidadãos dignos de nosso país", disse Mello.

Primeiro a votar pela manutenção das condenações na sessão de hoje, o ministro Gilmar Mendes criticou o fato de o julgamento ter se alongado demais, o que permitiu, por meio da substituição de dois membros que já haviam votado pela condenação, a reanálise do julgamento com o embargos infringentes. Rouco, mas deixando transparecer sua indignação, Mendes questionou como não poderia ser classificada como quadrilha um grupo de pessoas que se uniu para cometer uma série de crimes pelos quais foram condenados.

"Se os réus se juntam de forma continuada para cooptar apoio parlamentar mediante paga, se isso não é uma nova realidade, o que seria? Não tenho dúvida de que está caracterizado, de forma clara, a formação de quadrilha", disse Mendes. 

Segundo o ministro, um "grupo de delinquentes", com apoio de núcleo publicitário e financeiro, degradou a atividade política com a adoção de práticas delituosas, nos subterrâneos do poder, que atentaram contra o o sistema político e financeiro nacional, além da paz pública. 

O ministro ainda rebateu os argumentos de Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso de que a aplicação da pena por quadrilha foi desproporcional e lembrou que a pena para o mesmo crime aplicada ao ex-deputado Natan Donadon, também condenado pelo STF, foi de dois anos e três meses, semelhante ao aplicado aos réus do mensalão, agora absolvidos.

Marco Aurélio Mello também votou pela manutenção da condenação, mas deu guarida ao argumento dos ministros que absolveram os réus de que teria havido uma exacerbação nas penas de quadrilha em relação aos outros crimes. Contudo, discordou do veredicto dos colegas, que preferiram absolver os condenados em vez de declarar a prescrição do crime, e criticou a atual composição do STF que fez “o dito pelo não dito”.

“Cabe indagar, julgamos segundo critério de plantão? A resposta, presidente, e devemos honrar até mesmo os dois colegas que já não integram o colegiado, é desenganadamente negativa. O nosso pronunciamento se fez a partir da prova. E da prova, a meu ver, contundente, quanto à existência, não de uma simples coautoria, mas quanto à existência do crime previsto no artigo 288 do Código Penal”, disse.

O ministro ainda questionou a conclusão dos colegas que não teriam enxergado na união dos mensaleiros a figura de uma quadrilha formada com o único e exclusivo intuito de cometer crimes contra o sistema político, o sistema financeiro e a própria população.

"A continuidade da prática criminosa saltou os olhos. Durante quantos anos se houve a prática? Houve permanência, houve estabilidade e houve, acima de tudo, incindível entrosamento. Não tivesse a mazela sido escancarada, o governo atual no Brasil seria outro. A quadrilha se mostrou armada, mas não de arma de fogo ou branca. A quadrilha se mostrou armada de muito dinheiro”, atacou Marco Aurélio.

Os ministros ainda voltam a se reunir na tarde desta quinta-feira para iniciar a análise dos embargos infringentes interpostos por três condenados por lavagem de dinheiro que tiveram ao menos quatro votos favoráveis às suas absolvições. São eles: o ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o ex-assessor do PP João Cláudio Genu e o doleiro Breno Fischberg.

Confira como ficam as penas dos oito réus após os embargos infringentes
  Como era Como fica
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil 10 anos e 10 meses, em regime fechado, por corrupção ativa e formação de quadrilha 7 anos e 11 meses, em regime semiaberto, por corrupção ativa
José Genoino, ex-deputado e ex-presidente do PT 6 anos e 11 meses e multa, em regime semiaberto, por corrupção ativa e formação de quadrilha 4 anos e 8 meses, em regime semiaberto, por corrupção ativa
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT 8 anos e 11 meses, em regime fechado, por corrupção ativa e formação de quadrilha 6 anos e 8 meses, em regime semiaberto, por corrupção ativa
Marcos Valério, operador do mensalão 40 anos, 4 meses e 6 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha 37 anos e 5 meses e 6 dias , em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas
Cristiano Paz, ex-sócio de Marcos Valério 25 anos, 11 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha 23 anos, 8 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro
Ramon Hollerbach, ex-sócio de Marcos Valério 29 anos, 7 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha 27 anos, 4 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas
Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural 16 anos e 8 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e formação de quadrilha 14 anos e 5 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas
José Roberto Salgado, ex-dirigente do Banco Rural 16 anos e 8 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e formação de quadrilha 14 anos e 5 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas

O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio responderam ainda por corrupção ativa.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles responderam por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.

O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia. 

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) respondeu processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia incluía ainda parlamentares do PPPR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. 

A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.

No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses).

Após a Suprema Corte publicar o acórdão do processo, em 2013, os advogados entraram com os recursos. Os primeiros a serem analisados foram os embargos de declaração, que têm como função questionar contradições e obscuridades no acórdão, sem entrar no mérito das condenações. Em seguida, o STF decidiu, por seis votos a cinco, que as defesas também poderiam apresentar os embargos infringentes, que possibilitariam um novo julgamento para réus que foram condenados por um placar dividido – esses recursos devem ser julgados em 2014.

Em 15 de novembro de 2013, o ministro Joaquim Barbosa decretou as primeiras 12 prisões de condenados, após decisão dos ministros de executar apenas as sentenças dos crimes que não foram objeto de embargos infringentes. Os réus nesta situação eram: José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Henrique Pizzolato, Simone Vasconcelos, Romeu Queiroz e Jacinto Lamas. Todos eles se apresentaram à Polícia Federal, menos Pizzolato, que fugiu para a Itália.

Fonte: Terra
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