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Julgamento do Mensalão

Indicado por Sarney, Celso de Mello absolveu Collor; veja trajetória

Há mais de 20 anos no STF e altamente respeitado no Judiciário, decano terá voto decisivo no julgamento dos recursos do mensalão

17 set 2013 - 08h54
(atualizado às 10h07)
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Decano do STF, ministro Celso de Mello (esq.) está no centro das atenções no julgamento do mensalão
Decano do STF, ministro Celso de Mello (esq.) está no centro das atenções no julgamento do mensalão
Foto: Nelson Jr./SCO/STF / Divulgação

Mais antigo membro do Supremo Tribunal Federal (STF) em atividade, Celso de Mello tornou-se figura central na semana decisiva do julgamento dos recursos do mensalão, em que desempatará a votação pela aceitação ou não dos embargos infringentes. Respeitado no meio acadêmico e no Judiciário pela defesa dos princípios da Constituição, o decano do STF é tido como um "garantista", que pune os acusados apenas quando as provas são claras, e já deu indícios de que votará pelo cabimento dos embargos infringentes, que permitirão um novo julgamento de pelo menos 11 réus da Ação Penal 470. Foram dele, porém, as manifestações mais veementes de repúdio às condutas dos réus do mensalão ao longo do julgamento.

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Natural de Tatuí (SP) e prestes a completar 68 anos, José Celso de Mello Filho ingressou no STF em 17 de agosto de 1989, indicado pelo ex-presidente da República José Sarney (PMDB). Formou-se em direito pela Universidade de São Paulo (USP) em 1969 e, no ano seguinte, foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para o Ministério Público paulista, onde atuou até a nomeação para a Suprema Corte. Em 1997, aos 51 anos, tornou-se o mais novo presidente da história do STF, cargo que ocupou até maio de 1999.

Autor do livro Constituição Federal Anotada, Celso de Mello coleciona admiradores pelas longas explanações em seus votos, frequentemente em tom didático, que por vezes chegam a durar até cinco horas. Já na primeira sessão do julgamento do mensalão, mais de um ano antes da análise dos embargos infringentes, o decano do STF já sinalizava seu entendimento de que os réus teriam direito ao recurso.

"O Supremo Tribunal Federal, em normas que não foram derrogadas e que ainda vigem, reconhece a possibilidade de impugnação de decisões de mandados do plenário desta Corte em sede penal, não apenas os embargos de declaração, como aqui se falou, mas também os embargos infringentes do julgado, que se qualificam como recurso ordinário dentro do Supremo, na medida que permitem a rediscussão de matéria de fato e a reavaliação da própria prova penal", disse o decano em 2 de agosto de 2012. Na ocasião, Celso de Mello citou o regimento interno do STF e lembrou que, uma vez aceitos, os embargos infringentes seriam relatados por outro ministro - excluídos Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, que foram, respectivamente, relator e revisor da ação penal.

Mesmo que indique seu voto de forma favorável aos interesses dos réus, Celso de Mello se mostrou, ao longo do julgamento do mensalão, o mais indignado dos ministros com suas condutas. Em seus votos, ele criticou duramente os réus e não mediu as palavras quando narrava que o objetivo comum dos envolvidos no mensalão era conquistar criminosamente o poder e, ainda de forma criminosa, fazer de tudo para manter-se hegemônico.

Ao condenar 11 réus pelo crime de formação de quadrilha, incluindo o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, o decano afirmou que os acusados devem ser punidos como "verdadeiros delinquentes".

"O que vejo nesse processo são homens que desconhecem a República, pessoas que ultrajaram as instituições e, atraídos por um perverso controle do poder, vilipendiaram os signos do Estado Democrático de Direito e desonraram, com seus gestos ilícitos e marginais, a ideia pulsante no texto de nossa Constituição. Mais do que práticas criminosas, por si já profundamente reprováveis, identifico no comportamento desses réus grave atentado à ordem democrática, grave transgressão aos princípios estruturantes da República. Esse processo revela um dos episódios mais vergonhosos da história política do nosso País, pois os elementos probatórios do Ministério Público expõem aos olhos de uma nação estarrecida, perplexa e envergonhada um grupo de delinquentes que degradou a atividade política, transformando-a em plataforma de atividades criminosas", declarou o ministro em outubro de 2012.

Há mais de 20 anos no STF, decano participou de julgamentos históricos

"História viva" do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello participou, nos últimos 24 anos, de alguns dos principais julgamentos da história do País. Em 1994, votou contra a condenação do hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) pelo crime de corrupção passiva, no processo que apurava as denúncias que levaram ao impeachment do ex-presidente da República, dois anos antes. Na ocasião, Celso de Mello argumentou que não havia um "ato de ofício" claro, ou seja, não havia comprovação de qualquer ação ou "serviço" prestado pelo político em troca do dinheiro indevidamente recebido. A tese foi um dos principais pilares que levaram à absolvição de Collor, e chegou a ser usada como argumento pelos defensores de alguns réus do mensalão.

<p>Decano foi autor de alguns dos discursos mais indignados contra a conduta dos réus do mensalão</p>
Decano foi autor de alguns dos discursos mais indignados contra a conduta dos réus do mensalão
Foto: Nelson Jr./STF / Divulgação

Em 2008, o ministro participou daquele que, em sua opinião, foi o principal julgamento de sua carreira, quando o STF aprovou as pesquisas com células-tronco embrionárias. "Entendo que esse foi realmente um julgamento histórico. O tribunal discutiu os limites entre a vida e a morte. São transcendentes, questões que interessam à generalidade das pessoas", afirmou, ao fim da sessão. Em seu voto, o decano lembrou que o Estado brasileiro é laico e, portanto, não pode estar sujeito a decisões de caráter religioso. "O Estado é laico. Haverá sempre uma clara e precisa demarcação de domínios próprios de atuação do poder civil e do poder religioso. No Estado laico, a fé é questão privada."

No ano seguinte, o ministro surpreendeu ao se declarar impedido de participar do julgamento do pedido de extradição do ativista italiano Cesare Battisti, que havia recebido status de "refugiado político" do governo Lula. Na ocasião, Celso de Mello alegou "questões de foro íntimo" para não participar do julgamento.

Em 2011, Celso de Mello foi um dos dez ministros do STF que, em decisão unânime, garantiram o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo e estenderam a parceiros homossexuais direitos antes previstos apenas a casais heterossexuais. Novamente, Mello buscou separar a religião de direitos que devem ser garantidos pelo Estado e opinou que nenhum cidadão pode ser privado de seus direitos por ser homossexual, sob pena de estar inserido em um regime de leis "arbitrárias e autoritárias".

"Ninguém, absolutamente ninguém pode ser privado de seus direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Isso significa que também os homossexuais têm o direito de receber a igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição Federal, mostrando-se arbitrário e autoritário qualquer estatuto que puna, discrimine (...) e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual", disse.

No julgamento da constitucionalidade das cotas raciais em universidades, em 2012, Celso de Mello citou, em seu voto, convenções internacionais que estabelecem formas de se combater o preconceito e garantir condições de igualdade. "As ações afirmativas são instrumentos compensatórios para concretizar o direito da pessoa de ter sua igualdade protegida contra práticas de discriminação étnico-racial. Uma sociedade que tolera práticas discriminatórias não pode qualificar-se como democrática", afirmou em seu voto, que ajudou a aprovar, por unanimidade, as cotas raciais no País.

Ainda em 2012, o decano foi voto vencido no julgamento que aprovou a validade da Lei da Ficha Limpa. Ao votar pela inconstitucionalidade de um dispositivo da lei que prevê a suspensão de direitos políticos sem decisão condenatória transitada em julgado, Celso de Mello afirmou que a medida viola o princípio da presunção da inocência. "Não admito possibilidade que decisão ainda recorrível possa gerar hipótese de inelegibilidade", disse o ministro, que também defendeu que a norma não poderia retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, em junho de 2010. "A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", declarou.

Embargos infringentes

Como é tradição no STF, Celso de Mello é o último ministro a votar, por ser o mais antigo membro da Casa, e será responsável nesta quarta-feira pelo voto de minerva, para desempatar o placar de cinco a cinco pelo cabimento ou não dos embargos infringentes. Parte dos ministros admite ser válido um artigo do regimento interno do Supremo, segundo o qual um condenado pode solicitar a reanálise do caso quando obtiver pelo menos quatro votos pela sua absolvição. Já outros ministros acreditam que os embargos infringentes não foram previstos na Lei 8.038, de 1990, que regulou normas procedimentais dos tribunais superiores.

Uma eventual admissão dos embargos infringentes no julgamento do mensalão não provocaria uma reabertura completa do julgamento. Apenas seriam reexaminados aqueles casos nos quais há pelo menos quatro votos vencidos - como ocorreu no julgamento de parte dos réus por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Os réus que seriam beneficiados com o novo julgamento seriam: João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg, condenados pelo crime de lavagem de dinheiro; José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, José Roberto Salgado e Kátia Rabello, condenados por formação de quadrilha.

O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.

Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.

No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses). A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus. Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos.

Fonte: Terra
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