STF adia novamente decisão sobre novo julgamento no mensalão
Decano do STF, ministro Celso de Mello terá a responsabilidade de desempatar decisão sobre o cabimento de embargos infringentes
Os longos votos que consumiram toda a sessão desta quinta-feira levaram ao adiamento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o cabimento dos embargos infringentes no processo do mensalão. A responsabilidade está nas mãos do ministro Celso de Mello, decano da Corte, que na próxima quarta-feira definirá se pelo menos 11 condenados terão direito a um novo julgamento pro crimes nos quais tenham tido ao menos quatro votos pela sua absolvição.
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O empate foi definido pelo ministro Marco Aurélio Mello, em um longo voto que ele mesmo já anunciara durante o intervalo. A intenção, externada pelo próprio ministro, era de dar mais tempo para que Celso de Mello absorvesse os argumentos proferidos no plenário durante toda a tarde. Na sessão de hoje, três ministros (Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia) se manifestaram contra os embargos e apenas um (Ricardo Lewandowski) votou a favor.
Marco Aurélio já iniciou seu voto criticando o advogado de Delúbio Soares, Arnaldo Malheiros Filho, afirmando que não poderiam ter sido protocolados ao mesmo tempo os embargos declaratórios e os embargos infringentes. É o que o ministro chama de preclusão consumativa. Ele afirmou que um seria incompatível com o outro, sendo que os embargos declaratórios prejudicariam os infringentes.
O ministro ainda fez uma crítica velada aos colegas que se manifestaram a favor dos infringentes. Para ele, o magistrado precisa se ater à lei, mas não pode deixar de lado a evolução natural da sociedade. A afirmação foi feita porque o argumento dos ministros que votaram a favor dos embargos era de que o artigo do Regimento Interno do STF ainda seria válido. A questão em debate entre os ministros é se um artigo do regimento do Supremo onde estão previstos os embargos infringentes teria sido revogado com a promulgação de uma lei de 1990 que não menciona esses recursos.
"Embargos infringentes são diferentes dos embargos de declaração. Caso estivesse o tribunal sob a mesma composição da ação penal 470 eu diria que a resposta, me parafraseando, é negativa, absolutamente negativa. O Supremo atua de forma contramajoritária? Atua. Mas essa não é a regra, porque o direito é acima de tudo bom senso e está ao alcance do próprio leigo. Quase sempre nós temos a harmonia entre as decisões do tribunal e os anseios legítimos, não os ilegítimos, das ruas."
Caso a maioria dos ministros do STF vote pelo cabimento dos embargos infringentes, pelo menos 11 réus poderão ter o julgamento reaberto. São eles: João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg, condenados pelo crime de lavagem de dinheiro; e José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, José Roberto Salgado e Kátia Rabello, condenados por formação de quadrilha.
Antes de Marco Aurélio, o ministro Gilmar Mendes fez uma defesa enérgica de seu voto. Utilizando adjetivos que a ministra Rosa Weber já havia adotado para classificar os embargos infringentes, embora tenha votado a favor deles, o ministro chamou os recursos de retrógrados, arcaicos e anacrônicos. Ele ainda ironizou a tentativa dos advogados por um novo julgamento utilizando como base o artigo do regimento, que prevê esse recurso apenas para condenados que tenham recebido ao menos quatro votos pela absolvição.
"Não há justificativa para a aceitação deste retrógrado recurso. Não há fundamento para afastar a revogação tácita operada pela lei 8038/90 no caso envolvido. O argumento de que se trata de ação criminal originária não é suficiente para legitimar a admissão desse arcaico recurso. É o silêncio claramente eloquente na lei 8038. Por que precisa de quatro votos divergentes? Por que não três? Por que não zero? Se se trata de controle, de desconfiança do que foi julgado pela mais alta Corte do País, dever-se-ia admitir de forma geral. O tamanho da incongruência é do tamanho do mundo", afirmou.
Ainda segundo Gilmar Mendes, o maior obstáculo para os que defendem os embargos infringentes no STF é o fato de que os julgadores, se não fosse a aposentadoria de dois ministros, seriam os mesmos. Portanto, prosseguiu, só faz sentido haver embargos infringentes se pudessem ser convocados outros julgadores, que não participaram do julgamento anterior.
Como exemplo do não cabimento dos infringentes em uma ação penal, o ministro citou que dos 45 embargos infringentes apreciados no STF, oito foram admitidos, e nenhum deles dizia respeito a ação penal, como no mensalão. "O resto é lenda urbana. Não se trata de controlar um tribunal juvenil, irresponsável, que não sabe como vota", encerrou.
A sessão de hoje teve início com o voto da ministra Cármen Lúcia, que era uma das poucas incógnitas do julgamento. Ao se manifestar contra os embargos, a ministra afirmou que a lei 8038/90, criada pelo Congresso Nacional, disciplina todos os aspectos do direito processual. Se não está na lei, prosseguiu a ministra, não está previsto.
“A própria lei 8.038 dispõe sobre o tempo da sustentação oral das partes nos julgamentos do Supremo, sendo claro, portanto, que o legislador realmente disciplinou toda a matéria, não prevendo a existência dos embargos infringentes, entendendo ter havido revogação tácita do regimento do STF”, disse.
A pedra de toque da decisão de Cármen Lúcia foi a constatação de que, em outros tribunais do País, em processos penais originários, ou seja, que têm origem no próprio tribunal, réus não têm o mesmo direito a infringentes, pois os seus regimentos internos não dispõem sobre esse recurso. É o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo.
Coube ao ministro Ricardo Lewandowski o único voto a favor dos embargos na sessão. Para o revisor do mensalão, o recurso deve ser acatado pela Corte, já que “embargos infringentes não constituem nenhuma extravagância jurídica” e são aplicados, inclusive, no Superior Tribunal Militar (STM). Segundo Lewandowski, esse tipo de recurso é um direito "importantíssimo" dos réus e que "nem o Supremo pode revogar este dispositivo".
“Aqui é a última instância (de julgamento) e é necessário que haja um reexame de julgamentos", argumentou. De acordo com ministro, a Corte não pode atuar para restringir o direito de liberdade dos cidadãos, especialmente com o processo em curso. “Não se pode retirar casuisticamente neste julgamento um recurso com o qual os réus contavam”, afirmou Lewandowski.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.
Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses). A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus. Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos.