Tem de provar violação para recorrer, diz presidente de corte internacional
O presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), Diego Garcia-Sayán, afirmou nesta terça-feira que qualquer condenado pode apresentar recurso ao órgão. Desde a condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de 25 réus no processo do mensalão, alguns deles demonstram a intenção de recorrer ao tribunal interamericano. No entanto, segundo Sayán, os réus terão de provar que tiveram direitos negados durante o rito do processo na Justiça brasileira.
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“Qualquer pessoa que considerar que teve seus direitos violados e que tenha sido esgotada a jurisdição interna (do seu país) pode se considerar apta a recorrer à Corte Interamericana, o que não quer dizer que, necessariamente, essa pessoa ou pessoas poderão provar que as violações ocorreram”, disse o Garcia-Sayán após reunião com o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa.
O peruano não quis comentar o caso específico do mensalão, mas reiterou que, para recorrer à Corte Interamericana, é preciso aguardar o término do julgamento na instância final do país de origem.
A possibilidade de recorrer à CorteIDH foi manifestada por alguns dos réus do mensalão, como o ex-ministro José Dirceu, ainda durante a primeira fase do julgamento, no ano passado. Os réus argumentam que teriam o direito ao reexame de condenação por seus casos terem sido analisados em uma única instância, no caso, o Supremo. Isso teria ferido o chamado duplo grau de jurisdição, que é o direito de todo condenado a ter seu processo reanalisado por uma instância superior.
“Não se presume (a existência de) violações, elas precisam ser demonstradas. Para isso, há um processo judicial em que é preciso apresentar provas. Sobre o que pode ter ocorrido em um processo específico aqui no Brasil não poderia, de jeito nenhum, me pronunciar”, esquivou-se o presidente da CorteIDH.
Ainda durante o julgamento, o ministro Celso de Mello chegou a manifestar que os condenados teriam direito a recorrer a órgãos de julgamento internacionais. Para o decano do Supremo, como o Brasil submeteu-se à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado brasileiro comprometeu-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso de que é parte. É disso que trata o Pacto de São José da Costa Rica, extensamente citado durante o julgamento.
“Nada impedirá que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sediada em Washington, esgotada a jurisdição doméstica (ou interna) e atendidas as demais condições estipuladas no Pacto de São José, submeta o caso à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em ordem a permitir que esta exerça o controle de convencionalidade”, defendeu o ministro em agosto do ano passado.
A Corte pode receber qualquer processo no qual a Convenção Americana de Direitos Humanos não tenha sido respeitada - exatamente o que alegam alguns réus. Para que o caso chegue ao tribunal internacional, os condenados devem recorrer à Comissão Interamericana, que faz a análise dos casos e elege quais devem ser submetidos à Corte. A comissão funciona, na prática, como um filtro.
“Tem que se demonstrar que se esgotaram internamente as instâncias. Depois, a matéria tem que ser apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem um trâmite que às vezes demora alguns anos e irá fazer um informe, com recomendações. Se considerar que não tiver sido cumprida pelo Estado, o caso pode ser submetido à Corte”, explicou Sayán.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado doPP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.
Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.
No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses). A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus. Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos.