Juristas defendem mudanças sobre decisões individuais no STF, mas rechaçam parte do pacote
Ex-ministro do Supremo diz que proposta de dar ao Congresso poder para anular julgamentos da Corte é 'boi de piranha'; já PEC que limita concessão decisões monocráticas é vista como aprimoramento por jurista da USP
BRASÍLIA - O pacote de medidas que limita a atuação do Supremo Tribunal Federal aprovado na quarta-feira, 9, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara divide a opinião de juristas ouvidos pelo Estadão. Dentre as medidas aprovadas, uma proposta de emenda constitucional que restringe as chamadas decisões monocráticas por magistrados do Supremo é vista como "aprimoramento". Já outra PEC, a que autoriza deputados e senadores a anular julgamentos da Corte, é considerada inconstitucional.
Os deputados da CCJ aprovaram proposta de emenda constitucional que proíbe ministros do STF de conceder decisões liminares sozinhos para anular ou suspender os efeitos de leis aprovadas pelo Congresso. Também foram aprovados dois projetos que alteram o regime de análise de pedidos de impeachment de ministros do Supremo pelo Senado.
Atualmente, cabe exclusivamente ao presidente da Casa legislativa decidir quando e se as propostas de impedimento de ministros do STF serão votadas em plenário. A nova regra proposta debatida na CCJ dá ao presidente do Senado 15 dias para decidir sobre os casos que chegam ao se gabinete e, em caso de negativa, o plenário poderá reverter a sua decisão.
O professor associado de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Beçak defende que limitações nos despachos monocráticos, tema de uma das PECs aprovadas na comissão da Câmara, aprimorariam a atuação do Supremo ao conter as ações individuais.
"Uma limitação é bem vinda, mas o projeto exagera ao proibir. Não é uma questão para proibição. É para limitação. A proibição talvez seja deletéria", avaliou. "Do ponto de vista jurídico constitucional, eu não acho a proposta ruim. Quando você tem decisões que envolvem valores muito essenciais, e isso é típico das nações constitucionais, nós temos, por assim dizer, um exagero do STF na utilização das decisões monocráticas. Não deve proibir, mas deve limitar, sim", completou.
Beçak, por outro lado, vê com ressalvas as mudanças no processo de impeachment de ministros. Ele avalia que as alterações estão sendo promovidas sob medida para o ministro Alexandre de Moraes e, neste sentido, "tudo que você cria num momento muito pontual não é bom".
Em contrapartida, o ex-ministro do STF Marco Aurélio Melo avalia que as propostas discutidas na CCJ tornam eficaz o processamento do impeachment porque evita que "um único integrante breque e deixe de lado um pedido formalizado". "Todo pedido feito deve ter pronunciamento. Eu não vejo como algo anormal", argumentou.
Para Marco Aurélio Melo, a proposta sobre o impeachment é válida, diferentemente do texto que dá poderes para aos congressistas para derrubar julgamentos. "Vejo essa proposta como boi de piranha, no ditado popular, ou seja, algo que é tão extravagante que não há a menor possibilidade de vir a fortificar, a não ser que se vire a mesa e tire o Brasil para balanço. É uma proposta absurda", disse o ex-ministro ao Estadão.
Outro ex-integrante da Corte, Carlos Velloso tem a mesma avaliação. "Nem no Parlamentarismo, onde o Congresso pode tudo, isso aconteceria", disse Velloso. Os dois magistrados aposentados apontam a inconstitucionalidade dessa Proposta de Emenda à Constituição (PEC) por violar a cláusula pétrea que determina a separação de poderes, além de violar o princípio da harmonia e do equilíbrio entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Atualmente, a Constituição dá ao STF o direito de ter a última palavra em ações judiciais.
Jeferson Mariano é integrante do Grupo de Pesquisa Judiciário e Democracia (JUDE), da USP, e aponta o risco de seja esvaziado o poder do Supremo de analisar questões constitucionais. "Por medo de que sua conduta seja considerada um crime de responsabilidade, os ministros podem deixar de realizar seu trabalho, ou seja, podem deixar de proteger a Constituição", afirmou.
"Tudo somado, o Tribunal perderia o poder de controlar a constitucionalidade das leis. Não há paralelo nas modernas democracias contemporâneas para um arranjo institucional como esse. A tendência mundial é justamente no sentido oposto: fazer com que a validade das leis dependa do acordo entre os três poderes. Esses projetos pretendem restringir essa prerrogativa aos poderes executivo e, principalmente, legislativo. Nesse cenário, o Brasil simplesmente deixaria de ser uma democracia constitucional", completou.
Já o ex-ministro Marco Aurélio avalia que os diversos projetos de lei em curso no Congresso contra o STF são fruto de uma postura mais proeminente dos ministros em temas como a discussão de emendas. Nesta quinta-feira, 10, o ministro Flávio Dino reuniu novamente integrantes dos Poderes Legislativo e Executivo para encontrar uma solução negociada para o uso de emendas ao Orçamento que foram travadas por decisão do magistrado por falta de transparência.
"Diante dessa postura está acontecendo algo que não acontecia: a retaliação. Estão abordando a medula da Constituição que é a independência e harmonia entre os poderes", afirmou Marco Aurélio.